Conheça a primeira escola de agricultura urbana pra mulheres
O projeto foi lançado no Dia Mundial da Terra e vem dando bons frutos em cinco comunidades periféricas. Mudanças individuais e coletivas já são observadas, tanto pela coordenação quanto pelas alunas.
Por Leila Monnerat
A Escola Marias – Mulheres e Agricultoras Urbanas, na Região Metropolitana do Recife, lançou em 22/04 um projeto inspirador de fortalecimento da agricultura urbana com foco em mulheres periféricas. Executado pelo Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá (Centro Sabiá), a iniciativa visa promover segurança alimentar, saúde, geração de renda e melhoria da qualidade de vida. O projeto beneficiará 100 participantes ao longo de 24 meses e envolverá mulheres vindas de cinco hortas comunitárias: Cabo de Santo Agostinho, Peixinhos, Vila Santa Luzia, Sonho de Viver e Margaridas, duas delas sendo implantadas agora.
Estrutura e financiamento
O curso é dividido em dois módulos, abordando temas como manejo e plantio no primeiro módulo, e beneficiamento dos alimentos colhidos no segundo, incluindo aulas de culinária. Após a formação, as alunas participarão de palestras sobre direitos e justiça social, e realizarão intercâmbios para conhecer outras experiências de agricultura urbana.
Nessa empreitada, o Centro Sabiá conta com as parcerias da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) de Pernambuco, além de financiamento via emenda parlamentar e de recursos alocados no Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).
Saúde integral
De acordo com Aniérica Almeida, coordenadora técnico-pedagógica do Centro Sabiá, já é possível perceber algumas mudanças na vida das mulheres que estão fazendo parte da Escola Marias. Uma das mais significativas é a mudança de olhar delas em relação à agricultura e à própria Natureza. Segundo ela, muitas das participantes sequer tiveram a experiência de lidar com a terra ou com plantas antes de fazerem parte do projeto.
Aniérica destaca que a participação dessas mulheres nas hortas e nas aulas da Escola tem promovido Saúde Integral, sobretudo a promoção da Saúde Mental delas. Um desses exemplos é de Manuela, que faz parte da horta Sonho de Viver, na ocupação Fazendinha, em Boa Viagem. “Antes eu não gostava de plantas, hoje minha varanda é repleta de plantas.” Manuela inclusive já tem planos de fazer uma horta suspensa em sua casa. Ela destaca que aprendeu a “sentir a terra” e que essa experiência é uma forma de terapia que transformou sua vida.
“A Manuela antes de conhecer a Escola Marias e a horta era uma Manuela que já tentou suicídio, era uma Manuela deprimida, que não tinha ânimo nem para os filhos e vivia só trancada, que não tinha ânimo para nada. Só pensava em tirar sua própria vida. Depois que eu conheci a horta e a Escola Marias, tudo na minha vida mudou, tudo teve uma cor, uma esperança e uma vontade de viver. Hoje eu sou mais feliz.” Manuela complementa: “A Escola Marias é um privilégio. As professoras são maravilhosas. Hoje eu sou grata à Escola Marias e sou grata à horta. Eu posso dizer, de todo coração, que a Escola Marias e a horta fez um bem a todas as mulheres que participam.”
Manuela também diz que passou a recolher resíduos orgânicos de restaurantes próximos ao seu trabalho para alimentar a composteira da horta. “A gente tem uma composteira maravilhosa. A nossa composteira é a nossa riqueza da nossa horta. Eu nem sei explicar.”
Autoestima elevada
A coordenadora da Escola Marias observa que muitas das alunas já apresentam um aumento na autoestima e avalia que isso tem a ver como o acesso que essas mulheres estão tendo à oportunidade de sair de casa e conhecer outros espaços, como o ambiente acadêmico. “Muitas dessas mulheres nunca tinham entrado em uma universidade, e hoje falam com muito orgulho dessa oportunidade de estudar dentro da universidade, que é o local onde estão acontecendo as aulas do módulo 1.”
Cristiane Maria da Silva, de 34 anos, faz parte da Horta Margaridas e diz que a Escola Marias entrou na vida dela no momento em que ela mais precisava. “Por eu ser negra, mãe, mulher, essa oportunidade chegou para mim, como agricultora urbana. Lá a gente aprende sobre direitos, deveres e as oportunidades que a vida nos oferece. Muitas vezes a gente fica parado no tempo, se lamentando… Lá na Escola de Marias, as professoras, as palestras e tudo nos ensina a correr atrás dos nossos sonhos e objetivos. Está sendo um momento muito importante na minha vida. Eu queria que todas as mulheres que fazem parte da agricultura urbana tivessem a oportunidade de fazer parte da Escola Marias.” Cristiane diz inclusive que gostaria que fossem abertas mais vagas. “Para que todas as mulheres pudessem enxergar seus valores, deveres e direitos.”
Aniérica aponta que a elevação de autoestima das mulheres inscritas está também associada ao fato de as estudantes conhecerem e estarem em contato com outras mulheres e estabelecerem novas relações, para além das pessoas de suas comunidades. “Elas destacam muito a importância de uma atividade de intercâmbio no qual conheceram a experiência de uma outra horta, composta só por mulheres e que fazem o debate da questão LGBTQIAP+, a Horta das Mulheres Periféricas em Olinda. Elas relatam que foi muito importante conhecer essa experiência e saber dessa luta também.”
Dignidade e empoderamento
Outra questão muito importante contemplada dentro do projeto: ele garante uma bolsa de estudos durante o período de seis meses, para custear alimentação e transporte das alunas da Escola até a universidade ou à cozinha comunitária do MTST, onde acontecerão as aulas do módulo 2. Esse repasse de recursos às participantes garante mais dignidade, com alimentação de qualidade, no restaurante da universidade. E também mais qualidade de vida enquanto estão dedicadas à capacitação e transformação de suas realidades.
A coordenação do Centro Sabiá destaca que a ocupação dos espaços de formação dentro da universidade tem sido uma grande conquista para as mulheres. Estar nesses ambientes – que por vezes são segregadores, uma vez que nem todas as pessoas têm acesso aqui no Brasil – tem sido muito empoderador para as mulheres inscritas na Escola Marias. Todo o processo de construção do conhecimento parte de agricultoras, já com vasta experiência na prática agroecológica, que têm um lugar de fala que inspira as alunas.
Benefícios à coletividade
E a Escola Marias já está dando os primeiros frutos também para a coletividade: os espaços comunitários têm sido transformados pelas hortas manejadas pelas alunas, chamando a atenção das outras pessoas da comunidade, sobretudo onde as hortas foram implantadas do zero (Fazendinha e Cabo de Santo Agostinho). A comunidade está curiosa com o que está surgindo nos canteiros e busca informações sobre o trabalho desenvolvido. Já nos espaços onde as hortas já existiam, é nítido o aumento da biodiversidade após o acompanhamento do projeto, com maior variabilidade de espécies cultivadas, mediante a aquisição de mudas e sementes. E em todas as comunidades envolvidas, o fortalecimento de vínculos comunitários, aproximando as pessoas e permitindo trocas de conhecimento e saberes.
Enfim, projetos como o conduzido pelo Centro Sabiá são solo fértil para as potentes transformações individuais e coletivas promovidas pelo cultivo da terra. Nutrindo as habilidades e competências de cada pessoa inscrita, o projeto tem provado que, em um ambiente propício e com os cuidados certos, pessoas também podem florescer e frutificar em abundância.