Por: Rafaela Pontes

Enquanto a maioria dos atletas dos Jogos Olímpicos já está em Paris para o início da competição, 48 surfistas estarão a mais de 15.000 km da capital francesa em Teahupo’o, no sul do Taiti, competindo pelo ouro olímpico em uma das ondas mais famosas– e perigosas– do mundo do surfe. 

O anúncio de Teahupo’o como sede da modalidade de surfe gerou animação entre os atletas e fãs do esporte, principalmente depois das condições decepcionantes do mar de Tóquio em 2021. Mas essa animação deu lugar à preocupação quando o Comitê Olímpico Internacional (COI) divulgou seus planos para a construção de uma nova torre de jurados em Teahupo’o. 

O plano original do COI era de construir uma torre de metal com 200 metros quadrados, cerca de 14 toneladas e com capacidade para receber até 40 pessoas. Além disso, o Comitê previa a construção de um sistema de canos subterrâneos conectando a torre à ilha principal, o que permitiria vasos sanitários e água encanada na torre de juízes, além de um sistema de cabos que forneceria eletricidade à torre.

Entretanto, a maior polêmica relacionada à nova torre e o que gerou uma grande oposição pela comunidade local e surfistas do mundo todo foi que seria necessário perfurar o fundo do mar em Teahupo’o, que é composto por recifes de coral.  

Para entender a revolta, é necessário saber por que os corais de Teahupo’o são fundamentais para a formação única da onda local. 

Em entrevista à Waves, o geógrafo marinho Eduardo Bulhões da Universidade Federal Fluminense (UFF) explicou a formação de ondas em Teahupo’o: “O relevo único submarino, assim como ondulações chegadas do sul-sudoeste e sudoeste originárias de tempestades no oceano Sul, quando combinados permitem que as ondulações se concentrem e se intensifiquem no recife de coral, formando tubos perfeitos.”  

A preocupação dos surfistas é que qualquer dano causado aos recifes de coral de Teahupo’o possa levar à uma mudança na formação da onda, já que seus tubos épicos são dependentes dos corais. 

Foto: Kirstin Scholtz/ WSL

Além da preocupação com a onda de Teahupo’o, há um grande receio que a Torre possa causar um impacto ambiental irreversível ao ecossistema local. Moradores da área temem que o mínimo dano aos corais possa resultar em prejuízos enormes para a comunidade local. 

De acordo com um estudo da Universidade do Havaí em Hilo, a construção da torre pode impactar diretamente ao menos 200 metros quadrados do relevo aquático e resultar em um dano financeiro de no mínimo US$1.3 milhões, sem contar o impacto indireto à comunidade local que depende do ecossistema para sobreviver.  

A preocupação dos moradores do local se mostrou precisa no início de dezembro de 2023, quando testes realizados para a construção da torre danificaram uma parte do coral. A comunidade de Teahupo’o compartilhou vídeos em redes sociais mostrando o dano aos corais usando a oportunidade para divulgar um petição online intitulada “Salve Teahupo’o” visando proteger os recifes locais, que arrecadou mais de 250.000 assinaturas. 

Vídeo: Instagram

O dano aos corais causado pelos testes levou o COI a suspender a construção da torre temporariamente, depois de uma grande pressão nas redes sociais dos nativos de Teahupo’o, surfistas e fãs do esporte. 

A Associação Internacional de Surfe (ISA) fez uma declaração em 19 de dezembro dizendo que não apoiaria a construção da nova torre após os testes que danificaram parte dos corais e sugeriu formas de realizar a competição no local sem danificar o ecossistema. 

Algumas alternativas sugeridas pela ISA e outras instituições foram: o uso da torre tradicional de madeira, que vem sendo utilizada há 20 anos em competições em Teahupo’o e avaliação pelos juízes em solo usando imagens de drones e barcos. 

Tony Estanguet, presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos, declarou ainda em dezembro que nenhuma outra opção seria viável além da nova torre. Porém, depois de conversas com os moradores, e com o Presidente da Polinésia Francesa, Moetai Brotherson, o COI optou por alterar o projeto original por de menores proporções, preservando assim o ecossistema. 

O novo projeto propõe uma torre similar, em tamanho, à já existente de madeira com cerca de 150 metros quadrados, nove toneladas (em vez de 14), e capacidade para até 30 pessoas (originalmente seriam 40). Além de descartar os canos que possibilitariam vasos sanitários e água corrente na torre. E também oferece uma solução temporária para a questão elétrica, não passando pelos corais.  

Ainda, um barco menor e mais leve foi disponibilizado para o transporte do material de construção e uma nova rota foi planejada para evitar que o coral fosse danificado novamente. 

Embora muitos ainda duvidavam da capacidade do COI de erguer uma torre sem danificar o ecossistema, em janeiro deste ano o ge surfe divulgou que a população de Teahupo’o estaria satisfeita com o novo projeto

Em março, o fotógrafo Tim McKenna (@timmckenna) divulgou as primeiras imagens da torre de alumínio erguida em Teahupo’o. Em sua rede social, Tim escreveu que “A onda continua perfeita como sempre, o coral sofreu danos minímos”.

Ele também divulgou que a torre não é permanente e, assim como a antiga, será removida e reerguida de acordo com o calendário de futuros eventos. 

Em abril, Tim voltou a se pronunciar após comentários da comunidade do surfe e ambientalistas ainda insatisfeitos com a nova torre. Ele esclareceu que devido à pressão da comunidade local e de ativistas ambientalistas, o projeto teria sido reduzido ao mínimo necessário para a realização do evento. 

Foto: Reprodução Instagram
Foto: Reprodução Instagram
Foto: Reprodução Instagram

Além disso, Tim compartilhou que a área em que a torre foi construída conta com poucos corais e voltou a reforçar que a torre é colapsável e será removida após a realização dos Jogos Olímpicos. 

Com suas postagens, Tim parece ter respondido às dúvidas de muitos que ainda questionavam a nova torre. 

Porém, ele menciona que algumas preocupações sobre a torre serão respondidas apenas com o tempo, como o receio da construção da torre levar a casos de ciguatera, uma doença que afeta peixes e os torna impróprios para consumo e que já teve seu aumento relacionado à construções em ambientes marinhos frágeis. 

Os Jogos Olímpicos de 2024 têm o objetivo de serem os mais sustentáveis da história. Por isso, o comprometimento em promover a sustentabilidade não só em Paris como em outros lugares em que a competição será realizada é fundamental. 

A torre está erguida, os surfistas classificados já iniciaram os treinos em Teahupo’o e, no geral, parece que a população local não tem vocalizado protestos ou dúvidas sobre a torre desde o novo acordo com Moetai Brotherson e o Comitê. 

Após o acidente de dezembro, o comprometimento em não causar danos aos corais pelo COI parece ter sido levado a sério. À primeira vista, a construção da torre não afetou o local e, como disse Tim McKenna: as ondas continuam perfeitas. 

Porém, a preocupação da comunidade e de ambientalistas não foi em vão, e apenas o tempo poderá mostrar qual é o real impacto que a torre terá no Ecossistema de Teahupo’o, em sua comunidade local e, claro, em suas ondas.