Por Ana Carolina Borba Nazario, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

Nos últimos anos, a audiência do vôlei feminino aumentou consideravelmente em nosso país. Atletas como Rosamaria, Gabi Guimarães e Thaísa Daher se tornaram muito populares nas redes sociais e atualmente acumulam milhares de seguidores. Os números nas transmissões nunca foram tão altos; nossa liga nacional registrou na sua última edição 8,7 milhões de telespectadores, e os jogos da seleção no Maracanãzinho bateram recordes de público.

Não há como negar a ascensão do esporte no país. Nota-se que milhares de pessoas “trocaram” o futebol pelo vôlei, pois nossas meninas representam seriedade, garra e determinação. No Brasil, pouco se fala sobre onde tudo começou, nossas origens e referências; valorizam-se apenas as medalhas e conquistas, sensacionalistamente pela mídia. Valoriza-se o título e não o trabalho, romantizando a trajetória árdua até o lugar mais alto do pódio. No vôlei, isso não foi diferente. Nossa seleção não chegou ao patamar atual por acaso.

O vôlei feminino começou a adquirir visibilidade a partir da conquista do bronze em 1996, graças a nomes como Virna, Márcia Fu, Ana Moser e Fernanda Venturini. Na época, a seleção era treinada pelo nosso querido Bernardo Rezende, mais conhecido como Bernardinho. O técnico bicampeão olímpico ajudou nossas meninas a abrirem portas e conquistarem o bronze. Esse time ficou conhecido pela conquista dos primeiros títulos de nível mundial da seleção brasileira de vôlei feminino: o Grand Prix de 1994, 1996 e 1998. As principais adversárias do Brasil eram as cubanas.

Sob o comando de Bernardinho, de 27 confrontos, 14 foram vitórias para Cuba e 13 para o Brasil, com disputas equilibradas. O jogo mais marcante desse confronto foi a histórica semifinal dos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996, em que as brasileiras foram derrotadas pelas cubanas por 3×2 no tiebreak. Contudo, esse jogo não ficou marcado pelo placar acirrado, mas sim pela confusão ao final da partida. Após o apito final, Márcia Fu e Ana Moser foram até a rede tirar satisfações com as cubanas, exigindo respeito pela seleção brasileira, já que, ao longo do jogo, elas provocaram o tempo todo, gritando no rosto ou ofendendo as atletas brasileiras com xingamentos. A discussão foi tão grande que acabou na delegacia. 

Brasil X Cuba – vôlei feminino 1996 | Foto: Reprodução

A rixa com as cubanas se estendeu por toda aquela geração; contudo, as brasileiras nunca abaixaram a cabeça e lutaram até o final daquela Olimpíada, conquistando o bronze inédito. Aquele time era cheio de personalidade e determinação. Bernardinho, em seu livro “Transformando Suor em Ouro”, se recorda da conquista do título:

 “Foi um bronze merecido por todas, uma heroica volta por cima. Nunca a frase: ‘Grandes não são os que caem, e sim os que levantam’ foi tão verdadeira.”

A seleção conquistou novamente o bronze nos Jogos de Sydney 2000, com Leila e Virna se destacando na edição. Infelizmente, elas perderam novamente para as cubanas na semifinal dos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000, com o mesmo placar do ano anterior. Virna e Leila foram os destaques do time. Essa geração pode não ter conseguido avançar para uma final nem conquistar o ouro olímpico, mas foi fundamental para a conquista dele posteriormente por gerações futuras, servindo de referência e inspiração para as atletas.

Após esse salto ao pódio do vôlei feminino brasileiro, agora sob o comando de José Roberto Guimarães, mais conhecido como Zé Roberto, as meninas obtiveram um resultado semelhante em 2004. No entanto, foram derrotadas pela Rússia na semifinal e ficaram conhecidas como “amarelonas” por desperdiçarem 4 match points. Foi a última Olimpíada de atletas importantes como Fernanda Venturini, Leila e Virna, e um quarto lugar que doeu naquela geração. A mídia não perdoou e fez críticas à seleção, principalmente à jovem Mari, de 21 anos, que perdeu bolas decisivas no fim do jogo. A ponteira brasileira foi crucificada pelos veículos de comunicação covardemente, e todo o time sofreu com isso. Aquele jogo assombrou as jogadoras por muitos anos; a cada derrota, a capa dos jornais trazia o título “De novo nossa seleção amarela na final”.

Foto: Morry Gash/ / AP

Anos depois, uma nova geração surgiu: Sheila, Jaqueline, Fabiana, Thaísa, Fabi e Paula Pequeno, além das veteranas Walewska, Fofão, Sassa, Carolina, Valeskinha e a já experiente Mari. Esse time mudou a história da seleção brasileira de vôlei feminino nos Jogos Olímpicos. Essas meninas tinham uma vontade imensa de ganhar e vingar as gerações passadas. Estavam cansadas de serem chamadas de “amarelonas” e de serem vistas como fracas. Embora não tivessem feito um bom ciclo pré-olímpico, para surpresa de (quase) todos, conquistaram o primeiro ouro olímpico contra o time dos Estados Unidos. Após a conquista, Zé Roberto fez uma declaração à TV Globo que ficou famosa: “A nossa medalha é amarela, mas não de amarelonas, é ouro.”

Foto: FIVB

Um time muito semelhante ao de 2012 foi para Londres, longe do favoritismo, mas mais uma vez surpreendeu a todos e fez uma fase final espetacular. Após um jogo histórico nas quartas de final contra a Rússia e com uma atuação de gala da oposta Sheila, garantiram a vaga para a semifinal olímpica e foram para a final com sangue nos olhos. Por meio de uma virada espetacular, conquistaram o bicampeonato olímpico sobre as americanas.

Foto: Arquivo

Recentemente, o atleta de marcha atlética Caio Bomfim fez uma declaração sobre a falta de investimentos nos esportes no país: “Eu brinco que o Brasil tem dois esportes: o futebol e o outro é o que está ganhando. Então, se você quer aparecer, tem que estar no outro que está ganhando.” Entre bronzes, ouros e pratas, são mais de 30 anos na elite do vôlei mundial feminino, quebrando barreiras e obtendo bons resultados. Nossas atletas têm opinião, posicionamento e personalidade, desde Márcia Fu até nossa atual capitã, Gabi Guimarães, sinônimos de garra, carisma e resiliência.

A seleção brasileira já está classificada para a fase final das Olimpíadas de Paris, com uma excelente atuação na fase classificatória. Um time que já conquistou o país pela garra e paixão. No entanto, as brasileiras estão batendo na trave durante todo o ciclo olímpico e vêm fortes com o objetivo da conquista do ouro. Quem sabe essa Olimpíada nos faça repensar o estereotipo do Brasil como o “país do futebol” e futuramente renomear nossa cunha nacional para o país do voleibol.