Conheça 5 mulheres indígenas que utilizam a comunicação como instrumento de luta
A luta pelo direito de existir e ter sua história e cultura valorizados conduzem a narrativa de jovens mulheres indígenas
A luta pelo direito de existir e ter sua história e cultura valorizados conduzem a narrativa de jovens mulheres indígenas que apostam nas tecnologias de informação e comunicação como aliadas no enfrentamento às narrativas hegemônicas.
Ocupando os espaços midáticos – individual ou coletivamente – elas amplificam as vozes do movimento indígena e desempenham ainda a missão essencial de manter suas comunidades bem informadas. E mesmo tendo que driblar desafios que surgem do fato de serem mulheres, seguem resilientes, impulsionadas pela possibilidade de abrir oportunidades para outras indígenas.
No núcleo de comunicação da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), elas são a maioria. A associação tem inclusive, um Departamento de Mulheres. Karine Xokó, da aldeia Ilha de São Pedro (SE) conta que a consolidação do núcleo de comunicação é recente, impulsionada pela missão de manter as bases informadas e combater fake news.
“Eu já fazia um trabalho de comunicação com informes sobre a pandemia, porque eu trabalhava na Sesai. A gente precisava desmentir fake news pelo bem da saúde e vida das comunidades. E então, o núcleo de comunicação, que já era desejado por nossa coordenação, foi efetivado”.
Carol Truká, de território da Ilha de Assunção, conectada em Pernambuco, também integra a equipe. “É um trabalho de base que fortalece nossa organização. Tudo que recebemos de notícias que importam aos territórios, vira conteúdo. Além disso, a gente estreita o contato entre os coordenadores e aldeados e não-aldeados que mantemos sempre bem informados das ações”.
Junto a elas Fernanda Mi´saw. Sua mãe é Guajajara e ela é natural do Maranhão, mas hoje está baseada em Recife (PE). Fernanda acaba de ingressar na equipe, contribuindo com produções audiovisuais. Ela é formada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Pernambuco.
“Além de divulgar as plenárias, a gente também registra os momentos mais importantes. Daí passo para o Xandão, o Mago da Montagem”, apresentando Alexandre Pankararu, que coordena a equipe.
Focadas no Facebook e Instagram elas atuam para mostrar a toda a sociedade o que a mídia tradicional não mostra, fortalecer as comunidades e dar visibilidade às causas indígenas. Somando às equipes colaborativas de comunicação do Acampamento Terra Livre, realizavam cobertura em tempo real para manter os parentes informados.
Manter o canal aberto para as comunidades é também o foco da coordenadora de comunicação da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), que representa os povos dos três estados da região Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Quem coordena a equipe de comunicação é Vanessa Kaingang, cujo ingresso na associação é recente e fica marcado por sua participação no Acampamento Terra Livre. Ela também integrou o time da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), atuando na produção da 18ª edição.
Vanessa, que já ocupava as redes para divulgar a cultura indígena, passou a focar no ativismo político a partir de 2017. “Eu senti necessidade de me fazer ser ouvida, de combater preconceitos que são ainda mais graves quando se fala em mulher indígena. Comecei a enfrentar o mundo aí”, conta a universitária.
“Minha virada de chave aconteceu depois que fiz um vídeo me maquiando e fui muito criticada. Me falaram nos comentários que eu devia me preocupar com outras coisas. Fiquei mal por uns três meses. E então, da maquiagem ocidental, passei a apostar nos grafismos indígenas”. Aí, bombou!.
“Foi assim que passei a compreender o poder que tinha nas mãos e fortaleci meus laços com minha cultura. Enquanto faço a maquiagem, vou falando um pouco sobre nossos costumes e lutas dos povos indígenas”.
Ela considera importante a ocupação dos espaços da comunicação pelas mulheres. “A gente não se reconhece. Por exemplo, demorei para me aceitar como mulher indígena, pois não via meu rosto, não havia representatividade. Até que mulheres como a Célia Xakriabá e a Sonia Guajajara despontaram, nos empoderando”.
Ela considera que lideranças como Célia e Sonia têm um papel importante no movimento das mulheres indígenas, pois elas estimulam a ocupação dos espaços de poder. “Me inspiro por mulheres que estão aldeando a política”.
Outra midiativista, Lídia Guajajara, integra a Mídia Índia, que relembra, nasceu como “Coisa de Índio”. “A Lídia midiativista nasceu em 2015, quando fiz um vídeo denunciando o massacre do povo Gamela”. A Mídia Índia nasce em sua aldeia, que fica no território Araribóia, no Maranhão.
Até então, uma mulher assumindo esse papel era algo novo. “A insurgência de vozes femininas, até então, era novidade. E continua sendo uma surpresa, porque as mulheres ainda são minoria na comunicação”.
Lídia conta que a guinada da Mídia Índia se deu em uma das edições do Acampamento Terra Livre (ATL). “Foi muito positivo dentro dos territórios. A gente comunicava o que estava acontecendo. A partir daí outros coletivos foram surgindo e a Mídia Índia participou ativamente desse processo, ofertando oficinas, compartilhando um pouco dos conhecimentos que a gente vinha adquirindo”.
A estrutura foi ficando cada vez mais robusta e incluindo cada vez mais gente no apoio à comunicação. “É o protagonismo da nossa juventude, que vem com garra e com força ocupando os espaços. A gente cresceu na estrutura e se dedica ao que consideramos um novo jeito de lutar. A comunicação é um instrumento de luta e fortalecimento do movimento indígena”.
Dos novos coletivos que foram surgindo, ela dá como exemplo a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, a Anmiga, à qual também está conectada. “A gente partiu da necessidade de erguer a voz feminina dentro do movimento. E rapidamente, a gente viu crescer o número de comunicadoras”.
Hoje, fazendo de tudo um pouco – fotografia, vídeos e textos – volta atrás na decisão de trocar de curso. Depois de ser aprovada em Jornalismo, na Universidade Federal do Maranhão, em novo Enem, passou para Direito.
“Mas eu já decidi que vou voltar a cursar Jornalismo, não tenho mais como fugir disso”.
Assim como todas as outras entrevistadas, Lídia também tem planos de mudar o mundo.
“Acho importante que a gente assuma esse lugar, porque sempre tinha alguém falando por nós e muitas vezes, contando a história de forma errada, principalmente nas redes sociais. A gente assume o protagonismo de contar nossas histórias e não adianta vir nos dizer que indígena não pode ter celular. A gente trabalha também para desfazer essa visão romantizada do indígena”.