Conflito e morte nas aldeias Wajãpis
Não há como dissociar esse terrível episódio dos posicionamentos públicos nos quais Bolsonaro defende abertamente a exploração ilegal de recursos minerais em terras indígenas.
Assassinato de cacique revive tempos sombrios.
Por Randolfe Rodrigues, senador da Rede Sustentabilidade pelo Amapá.
O covarde assassinato do cacique Emyra Wajãpi na semana passada é um incidente extremamente grave e traz à tona aspectos muito mais complexos do que a pretensa versão oficial.
Os wajãpis estão entre os primeiros habitantes do Amapá e da Guiana Francesa. Descendentes da etnia guaiapi, falam um idioma originado do tupi, são oriundos da região do rio Xingu, de onde saíram por volta do século 18, e se estabeleceram no local onde estão atualmente.
Há aproximadamente mil índios vivendo em 49 aldeias espalhadas em uma área de 607 mil hectares, demarcada em 1996. Vivem de caça, pesca, extrativismo e pequenas plantações e se mudam constantemente para permitir a recuperação ambiental dos espaços ocupados.
Viviam completamente isolados. Foram contatados pela primeira vez somente na década de 1970. Desde então, garimpeiros adentraram essas terras para exploração de ouro e, mesmo com o povo wajãpi tendo sido amistoso, a experiência foi trágica, com disseminação de doenças (como o sarampo), conflitos e mortes.
Com a presença mínima do Estado e a recém-aberta rodovia Perimetral Norte (BR-210), os confrontos prosseguiram pela década seguinte. Entre 1985 e 1992, relata a antropóloga Dominique Gallois, os índios capturavam muitas vezes garimpeiros ilegais, os aprisionavam e os entregavam para a Polícia Federal. Após a homologação de suas terras, os conflitos diminuíram sensivelmente.
O assassinato do cacique Emyra revive aqueles tempos sombrios. No último sábado (27), recebi mensagens do vereador Jawarawa Wajãpi denunciando o crime, atribuindo a autoria a um grupo armado que invadiu a terra indígena e pedindo socorro. Comunicamos imediatamente ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao governo do estado, entre outras instituições que se deslocaram para o local.
A partir daí observa-se uma clara tentativa de minimizar a importância ou até acobertar o grave incidente. Jair Bolsonaro afirmou que “não há indícios de que esse índio foi assassinado” (estaria o presidente supondo suicídio?), ao mesmo tempo em que voltou a defender o garimpo em terras indígenas.
Outra versão açodada é a de que não haveria vestígios de presença estranha na área, fato que teria sido constatado por um suposto sobrevoo de drone. Ressalte-se que tal equipamento não foi usado na operação conforme relatado na entrevista coletiva no Ministério Público Federal do Amapá, na segunda (29). Na ocasião, não se soube informar detalhes tais como quantas aldeias foram visitadas e qual área foi vistoriada.
No entanto, o Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), em duas notas, reafirmou a denúncia da entrada de invasores e relatou o temor da população por causa do fato. Ao mesmo tempo, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) manifestaram preocupação com o incidente e irão notificar o governo federal.
Enquanto concluo este artigo, estou me dirigindo para a Aldeia Aramirã para me reunir com os wajãpis e avaliar a situação.
Não nos resta dúvida de que o caso é dramático e não pode ser tratado de forma irresponsável, como parece estar sendo pelo governo federal.
Por fim, não há como dissociar esse terrível episódio dos posicionamentos públicos nos quais Bolsonaro defende abertamente a exploração ilegal de recursos minerais em terras indígenas, mesmo com todas cicatrizes expostas causadas por essa terrível experiência vivenciada pelos wajãpis e por outras etnias. Como o incentivo do presidente da República a essa prática, temo pela proliferação de crimes como o ocorrido na semana passada.
Os povos originários do Brasil merecem e exigem respeito!