Comunistas na COP30: PCBR se junta a sindicatos e comunidades para denunciar contradições
Organização de base denuncia contradições da COP30 e expõe disputa entre capitalismo verde e lutas territoriais
por Marília Cortte
A COP30 transformou Belém de cima a baixo — avenidas refeitas, obras corridas, fachada internacional. Mas, enquanto autoridades circulavam entre auditórios refrigerados e agendas diplomáticas, outra realidade se desenrolava na cidade: a dos trabalhadores da construção civil, responsáveis por erguer a COP30, muitos deles ainda em greve semanas antes da conferência, denunciando atrasos salariais e condições degradantes para cumprir o cronograma político. É nesse chão que se fortalece a organização de base, que antecede qualquer debate ambiental e sustenta as lutas que realmente tensionam o modelo de desenvolvimento em disputa na Amazônia.
Durante a Marcha dos Povos pelo Clima — mais de 70 mil pessoas ocupando as ruas, segundo a organização oficial — essa articulação tornou-se evidente. Entre indígenas, comunidades ribeirinhas, juventudes e coletivos ambientais, o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) caminhou ao lado de trabalhadores e comunidades, como o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e o Movimento de Luta e Resistência do Baixo Tapajós, destacando o papel daqueles que não só construíram as estruturas da COP, mas também são os principais afetados por decisões tomadas em quatro paredes. A marcha expôs o contraste entre a vitrine verde do evento e a desigualdade que sustenta sua infraestrutura.
A presença de figuras públicas nos espaços diplomáticos reforçou um paradoxo cada vez mais evidente na COP30: enquanto representantes nacionais defendem narrativas de sustentabilidade perante o mundo, decisões internas caminham na direção oposta. A privatização dos rios Tapajós, Tocantins e Madeira, via Decreto nº 12.600/2025, foi o estopim de uma onda de indignação entre povos tradicionais — e tornou-se o centro das denúncias feitas pelos movimentos comunistas e pelas comunidades afetadas.

O caso da Hidrovia Tapajós sintetiza esse embate. O projeto é apresentado pelo governo como avanço logístico, mas, para os povos do Baixo Tapajós, o rio é território, cultura, espiritualidade e sobrevivência. Em 2024, o MPF recomendou a suspensão imediata do licenciamento por falta de consulta prévia, mas o processo seguiu. A resposta veio durante a própria COP: indígenas Munduruku bloquearam a entrada do evento exigindo que Lula revogasse o decreto.
Foi nesse contexto que o PCBR apareceu como uma das poucas organizações a assumir integralmente a defesa desses povos e trabalhadores — não como pauta episódica, mas como orientação estratégica. Enquanto parte da esquerda institucional oscilava entre apoiar a marcha e manter presença nos pavilhões corporativos, os comunistas reforçavam um ponto central: não existe justiça climática dentro da lógica do capital.
A contradição aprofundou-se quando, no encerramento da Cúpula dos Povos, o governo federal tentou transformar o evento em um gesto político conciliador — ignorando que havia assinado semanas antes o decreto que privatiza rios estratégicos da Amazônia. Para as comunidades, isso não é política ambiental: é violência territorial.
A militante do PCBR, Manu Yael, sintetizou essa crítica durante o ato:
“Nosso papel é romper com o discurso de sustentabilidade que passa pano para corporações. Não existe solução verde em um sistema que destrói a natureza, precariza o trabalhador e entrega o território para quem lucra com a crise.” Ela completa, apontando a contradição das grandes organizações: “O PT e o Greenpeace têm dois pés na COP: um ao lado dos povos, outro assinando acordos que violam nossos territórios. Não dá para conciliar. Ou se defende a floresta, ou se defende o capital.”
Essa denúncia expõe com clareza a diferença de postura entre o PCBR e grande parte da esquerda institucional, que tenta intermediar conflitos que não admitem mediação — porque são conflitos pagos com a vida e com o futuro. O PCBR, surgido da cisão com o PCB justamente pela ruptura com práticas consideradas incoerentes, hoje atua como a única organização abertamente comunista com presença nacional. Seu foco em sindicatos, juventude, comunidades tradicionais e organização territorial contrasta com uma esquerda que navega entre a crítica ao capitalismo e sua reprodução nas instâncias de negociação. Embora não se popularize tanto no país por meio de chapas e representantes eleitos, e historicamente tenha seus conceitos deturpados por movimentos de extrema direita, recentemente a figura de um de seus dirigentes, Jones Manoel (PE), aparece como parte da reconstrução da ideia de comunismo no imaginário popular. Suas redes sociais, com mais de 2 milhões de seguidores, ampliaram o debate e as denúncias contra os genocídios e ecocídios do sistema capitalista a partir de uma ótica comunista.
O ponto que atravessa toda essa matéria é simples e estrutural: enquanto a COP30 negocia soluções climáticas moldadas pelos mesmos interesses que produziram a crise, organizações como o PCBR reivindicam respostas fora do horizonte capitalista — porque acreditam que nenhum futuro será possível sem romper com a lógica que destrói a Amazônia e precariza seus povos.
Entre corredores diplomáticos, acordos verdes e discursos de palco, uma pergunta ecoou na marcha: de que adianta discutir o futuro do planeta ignorando exatamente quem constrói o presente e quem protege a floresta?



