Por Luiza Ramalho, Anna Flávia Moreira e Saara Paiva, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

Receber um grande reconhecimento por uma conquista normalmente nos leva a agradecer a todos que, de alguma forma, nos ajudaram a alcançá-la. Essa lista pode incluir família, amigos, professores, treinadores, mas, nas Olimpíadas de Paris 2024, chamou a atenção um novo integrante no discurso dos atletas medalhistas: os psicólogos e psiquiatras.

Esses profissionais estão cada vez mais visados, não por acaso, mas sim por necessidade. Segundo pesquisa da Unicamp, 3 em cada 10 esportistas de alto desempenho apresentam sintomas leves ou moderados de depressão, 16% sofrem com sintomas moderados de ansiedade e 24% já pensaram em cometer suicídio.

Para a Psicóloga Isabela Constantino, a pressão sobre o atleta é constante: “Ela é inerente ao esporte de alto rendimento, pois o atleta é exposto a situações diversas como o treino excessivo, a busca por resultados, críticas, restrições e cobranças internas e externas. Em um grande evento como as Olimpíadas, essa sensação pode aumentar, até pelo fato deste atleta se tornar um representante do seu país naquela modalidade.” – explicou para a nossa editoria. 

Conheça 3 medalhistas brasileiros em Paris que contaram com o apoio de profissionais da saúde mental. 

Rayssa Leal

Foto: Pascal Le Segretain/Getty Images

Entre a infância e a adolescência, Rayssa Leal foi a brasileira mais jovem a receber uma medalha olímpica. Em Tóquio-2020, com apenas 13 anos, ela conquistou a medalha de prata no skate street feminino. A skatista já era conhecida antes, como a Fadinha de Imperatriz, mas sua popularidade explodiu depois das Olimpíadas, alcançando 2 milhões de seguidores no Instagram em alguns dias. 

Em Paris, com 16 anos, Rayssa repetiu o pódio olímpico, ficando com o bronze na mesma modalidade. Assim, a skatista se tornou a atleta mais jovem na história das Olimpíadas a conquistar medalhas em edições diferentes. 

Em uma fase de tantas mudanças, crescimento, formação de personalidade e hormônios, como a maranhense lida com a pressão de ser uma das maiores atletas do país? Em entrevista na Casa Brasil, Rayssa foi questionada pela equipe jornalística da Band sobre ter uma equipe para trabalhar a saúde mental. 

“Acho que se não tivesse ia ser um problema, porque tipo, para mim, tudo aconteceu muito rápido, desde quando eu tinha sete anos, o vídeo da Fadinha lá em Imperatriz. É tudo muito novo. (…) Eu faço terapia 2 vezes por semana, não só para entender, óbvio, minha vida profissional, mas também minha vida pessoal, que é muito importante, até porque eu sou uma adolescente ainda, tenho 16 anos e enfim, mas tudo isso que está acontecendo para mim, cara, é algo que eu nunca imaginei e que eu me sinto muito feliz mesmo.” 

Para o programa Ça Va Paris, Rayssa ainda respondeu sobre o equilíbrio entre o tempo para a vida pessoal e a profissional. 

“Tem tempo para tudo, para fazer tudo, para estudar, para sair com os amigos, para curtir com a família. Então tem tempo para tudo, e eu acho que isso também vale muito do meu time, porque eles sempre me ajudaram muito nisso, para não deixar minha rotina pesada. Então na minha rotina tem simplesmente tudo que eu gosto, tudo que eu amo fazer, então se torna tudo mais simples.”

Isaquias Queiroz

Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press

Com a prata conquistada em Paris, Isaquias chega a quinta medalha olímpica e, com Robert Scheidt e Torben Grael, ocupa a 2º posição de brasileiros com mais medalhas em Jogos Olímpicos. A primeira posição é de Rebeca Andrade. 

Ano passado, após quase uma década de dedicação a seleção brasileira e muitos campeonatos e conquistas, Isaquias tirou um período sabático e foi para casa, na Bahia. Em entrevista, ele contou que não se sentia bem e não estava feliz, estava sem vontade de remar. 

“2023 foi um ano muito especial, que percebi o que não é ser super campeão mundial, super atleta, é ser humano, com problemas mentais, psicológicos, físicos. Tive a oportunidade de sentir essa sensação e remontar.” – Isaquias Queiroz em entrevista para a rede Globo. 

Após esse período em que pôde acompanhar o nascimento do segundo filho (Luigi), o atleta baiano teve pouco tempo para se preparar para Paris. Ainda assim, com apoio de psicólogos e preparadores físicos, Isaquias conseguiu mais uma vez subir ao pódio. 

“Vinha nove anos brigando no pódio já. Estava muito sobrecarregado, tanto mentalmente como psicologicamente, muito estresse mental. Não conseguia raciocinar direito. Explodia por qualquer coisa. Falei para a doutora, ‘não sei o que está acontecendo, como é que estou, estou descontando no meu filho.’ Pedi uma ajuda. Comecei a conversar com ela, com o doutor Helio também, do comitê olímpico, tive que fazer tratamento, tomar remédio. Me ajudou bastante.” – Comentou o atleta após a conquista da medalha de prata em Paris. 

Rebeca Andrade

Foto: Ricardo Bufolin/CBG

Rebeca Andrade é um fenômeno da ginástica artística mundial, confirmado por suas conquistas do ouro no solo e prata no individual geral olímpico. Com apenas 25 anos, a jovem paulista é a maior medalhista olímpica da história brasileira. Seu reconhecimento é mundial, são mais de 11 milhões de seguidores no Instagram, além de representar marcas como Adidas, Havaianas, Hemmer, Parmalat e Invisalign. 

Em um esporte que depende da perfeição, que analisa os mínimos detalhes, que determina vencedores por uma diferença de décimos, a pressão é uma constante. Em 2021 ficou famoso o caso de Simone Biles, a maior ginasta da geração, que deixou a Olimpíada de Tóquio para cuidar de sua saúde mental. Por isso, contar com acompanhamento psicológico é fundamental. 

“A minha preparação foi na conversa mesmo, eu converso muito com a minha psicóloga, eu tento cuidar ao máximo da minha cabeça e do meu corpo para criar aquele equilíbrio né, para que eu consiga fazer as minhas apresentações bem tranquilas, sem pressão, sem obrigação de voltar para casa ou para o Brasil com medalhas. (…) Eu me esforcei ao máximo para conseguir esses resultados e eu estou muito feliz que deu tudo certo e sou muito grata a Aline, que é minha psicóloga, por essas conquistas.” – disse Rebeca, em entrevista para a TV Globo. 

Rebeca também já havia afirmado que a sua “briga” não é com Simone Biles, seu objetivo é vencer a si mesma: “Acho que não é só sobre vencer a Simone, é sobre vencer a mim mesma. A minha briga está na minha cabeça, não está nas outras pessoas. Para conseguir fazer as minhas apresentações, preciso controlar a minha cabeça, o meu corpo, e essa é a briga, porque eu e a Simone, a gente se incentiva, a gente quer dar o nosso máximo, então a minha briga é sempre comigo mesma.”, afirmou em conversa com jornalistas após a conquista do ouro em Paris.

Rebeca ainda surpreendeu a todos nos últimos dias ao dizer que, nos momentos antes de se apresentar em uma prova olímpica, estava “viajando na maionese” e pensando em receitas que gostaria de fazer ou em séries de TV. A ginasta cursa psicologia na Universidade Estácio de Sá desde 2022 e seu objetivo é atuar na área esportiva e dar suporte para outros atletas alcançarem seus objetivos. 

Apoio a saúde mental nas Olimpíadas 

A saúde mental dos atletas vem ocupando um espaço cada vez mais central no cenário esportivo e, durante as Olimpíadas, essa questão se torna ainda mais urgente. Em meio à intensa pressão, as estruturas de apoio psicológico emergem como fundamentais para o bem-estar e o desempenho dos esportistas.

“Todos somos afetados pelas emoções o tempo todo. Para atletas, que não são super-heróis, como as pessoas costumam achar, isso não é diferente. O autocuidado e o autoconhecimento podem aumentar os recursos psicológicos do atleta, para ajudá-lo a ter uma melhor regulação emocional e a enfrentar de maneira mais salutar e funcional todos os desafios e dificuldades presentes no esporte”, afirma a psicóloga Isabela Constantino.

A presença de profissionais especializados em saúde mental varia conforme o comitê de cada país. Embora a inclusão desses profissionais ainda não seja obrigatória, a delegação brasileira deu um passo importante nesta edição ao contar, pela primeira vez, com um médico psiquiatra.

Hélio Fádel, atual coordenador do Núcleo de Saúde Mental do Vasco, integrou a equipe brasileira composta por mais cinco psicólogos. Juntos, eles ofereceram suporte multidisciplinar aos atletas, ajudando-os a enfrentar os desafios emocionais das competições.

Em entrevista ao GE, o profissional convocado pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) afirmou: 

“Quando pensamos em toda a magnitude que envolve representar o Brasil na maior competição que são as Olimpíadas, e o que isso acarreta de pressão e responsabilidade, tudo isso pode gerar um sofrimento mental, seja no espectro da ansiedade ou da depressão, uso de substâncias. O atleta fica muito regrado e tem as suas abdicações diárias o tempo todo. Cabe a nós, profissionais da saúde mental, neste acompanhamento, ajudar para que ele possa entregar o melhor como resultado e que também tenha qualidade de vida.”

A inclusão de um médico psiquiatra na equipe olímpica não apenas reforça a importância do cuidado integral ao atleta, mas também ajuda a quebrar o tabu em torno da saúde mental no esporte e na vida. Reconhecer e tratar as questões psicológicas como parte essencial do desempenho esportivo é um passo crucial para promover um ambiente mais saudável e acolhedor para todos os competidores e até espectadores.