Como o discurso anticientífico de um ex-presidente afetou a ciência no Brasil?
Panorama da ciência no Brasil após quatro anos de gestão Bolsonaro revela país sucateado
Cientistas concordam que fazer ciência no Brasil nunca foi uma tarefa fácil e que sempre houve escassez de recursos financeiros. No entanto, mesmo para aqueles que estão acostumados com as dificuldades, os últimos quatro anos de gestão Bolsonaro foram especialmente desafiadores.
Equipamentos parados, laboratórios sem iluminação e até pesquisadores trabalhando sem remuneração. Foi o que um time de jornalistas do Fantástico, programa da TV Globo, encontrou ao percorrer todo o país para conversar com cientistas e traçar um panorama da situação após quatro anos de abandono e um discurso anticientífico do governo de extrema direita.
Durante a investigação, foram encontrados, além do sucateamento, muitas mentes brilhantes que optaram por deixar o país por falta de oportunidades. O relatório do governo de transição revelou desmonte do estado brasileiro por Bolsonaro, como publicou a NINJA.
Um dos casos que ilustram essa realidade foi o do professor Ricardo Galvão, que pessoalmente sofreu com o discurso anticientífico do próprio presidente da República.
“Não foi só um desmonte, foi toda uma propaganda contrária à ciência, tentando imputar na sociedade uma certa aversão até pela ciência”, contou Galvão ao Fantástico.
Em 2019, quando ele era diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o então presidente criticou publicamente os dados do instituto sobre o desmatamento na Amazônia. Galvão reagiu e acabou sendo demitido. Agora, ele assume um novo cargo de liderança como presidente do CNPQ, o principal órgão federal para financiamento da ciência e tecnologia no país.
“Você teve momentos que foram melhores para a ciência. Agora, um momento de enfrentamento radical dela o momento em que as pessoas se orgulham de serem ignorantes, isso eu nunca tinha visto”, diz Renato Janine Ribeiro.
Vaquinha para criação de teste brasileiro contra Covid-19
O pesquisador Rodolfo Giuchetti, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), revelou os bastidores para criação de um teste contra Covid-19 que fosse mais acessível no país. Naquela ocasião, em 2020, testes eram encontrados por mais de R$ 300. A universidade desenvolveu uma alternativa, mas, para isso, contou com ajuda do público geral.
“A alternativa foi abrir uma vaquinha para realizar a pesquisa”, explica o pesquisador da UFMG.
O teste ainda está em desenvolvimento. Além de não obter recursos em quantidade suficiente para acelerar a pesquisa, os cientistas ainda precisam superar o calor no laboratório, já que o ar-condicionado central não funciona há meses. Um super freezer que armazena organismos sensíveis também não funciona: quebrado.
O governo Bolsonaro liderou ações para impedir que governadores pudessem adotar medidas de isolamento social, em um momento no qual os principais efeitos e sintomas da doença ainda eram desconhecidos pela comunidade científica, mas que já apontava para os efeitos de uma pandemia. As medidas de isolamento eram a melhor opção para não disseminar o vírus e sobrecarregar os hospitais.
Desmonte da pesquisa e ciência
Poucos dias antes de deixar a presidência, Bolsonaro congelou R$ 366 milhões na verba das universidades e dos institutos federais. Depois de pressão de estudantes e professores a decisão foi suspensa.
Em 2021, o Ministério da Economia reduziu 87% da verba do Ministério da Ciência e Tecnologia, de R$ 690 milhões para apenas R$ 89 milhões.
O governo de Bolsonaro também chegou a editar a Medida Provisória n° 1.136, de 2022, congelando a liberação de mais de R$ 3,5 bilhões dos recursos aprovados para 2022 do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT e impedindo o acesso a mais de R$ 14 bilhões até 2027.
Como justificativa, o governo alegava que as medidas eram necessárias para manter o teto de gastos. Para cumprir com as metas de investimento em pesquisa e ciência, o governo Lula irá apresentar um novo arcabouço fiscal nos próximos dias ao Congresso. O modelo prevê um aumento no valor dos repasses para estas áreas.