Por Mauro Utida

Todos os dias pessoas do Afeganistão com visto humanitário desembarcam no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e ficam alojados pelos corredores do terminal. Eles deixaram sua terra natal fugindo do regime Talibã em busca de recomeço, mas enquanto se amontoam nos saguões do aeroporto correm risco real de serem aliciados sem uma estrutura de acolhimento pelo poder público brasileiro.

Nesta semana, o caso ganhou proporção nacional com a chegada de três gestantes, sendo uma com noves meses de gestação. Felizmente, com apoio voluntário da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (REHUNA), ela foi levada para atendimento com profissionais de obstetrícia da USP Leste, além de uma senhora recém-operada de hemorroidas para uma Unidade Básica de Saúde. Foram voluntários que acionaram a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), do governo estadual, para que a gestante fosse encaminhada, nesta sexta-feira (16), para um Centro de Acolhida para Famílias.

Neste momento, 70 afegãos estão “morando” no aeroporto de Guarulhos. Muitas destas famílias estão no aeroporto há um mês, sobrevivendo através de doações e apoio voluntário. Os afegãos, entre homens, mulheres e crianças, estão agrupados no terminal 2, segunda andar, entre o check-in B e C. Entre os refugiados há jornalista, engenheiro, professores universitários, militar, jurista, professora, ativista.

Voluntários tem conseguido garantir almoço e janta quase todos os dias às famílias através de doação por parte de uma empresa (menos às terças e domingo). Já o café da manhã tem sido comprado com o dinheiro das doações recebida pelos apoiadores. Os refugiados também estão tendo dificuldades com a higiene pessoal, visto que cada banho em Guarulhos custa R$ 45,00 e o aeroporto não liberou de forma gratuita a eles.

A situação dos refugiados afegãos tem se agravado em razão do acolhimento dos refugiados da Guerra da Ucrânia na Europa, com isso tem sobrado pouco espaço de acolhida para as pessoas oriundas do Afeganistão. “A expectativa é que cheguem ao Brasil, nos próximos meses, cerca de duas mil pessoas”, alerta a advogada especialista em Direito das Mães, Ana Lucia Dias, que faz parte da Rede Feminista de Juristas, da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (REHUNA) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Vulneráveis

A ativista no enfrentamento do tráfico de pessoas Swany Zenobini tem acompanhado a situação dos refugiados afegãos desde o dia 19 de agosto e tem dormido no aeroporto quase que diariamente para acompanhar a situação e prestar assistência às famílias. Ela tem relatado a situação em seu Instagram @swanyzenobini

Ela denúncia que durante este tempo não houve atendimento por parte do Itamaraty, do governo federal e estadual com estas pessoas. Apenas agora que o caso tomou repercussão nacional na mídia, o poder público resolveu agir. Ela cobra o funcionamento 24 horas do posto humanitário do aeroporto, pois há risco real de aliciamento destes refugiados por pessoas que chegam no local com propostas duvidosas.

Com a repercussão do caso, o Governo do Estado de São Paulo encaminhou, na última segunda-feira (12), 31 pessoas para abrigos de uma ONG em Morungaba. A previsão é que mais pessoas sejam encaminhadas para os abrigos nos próximos dias.

“Esta situação é recorrente, não é pontual. Precisamos que o governo federal acompanhe essa situação porque todos os dias o aeroporto de Guarulhos recebe quatro voos de lá, dois voos da Qatar (Airways) e dois da Emirates (Airlines). Pra onde esse povo vai, onde esse povo vai dormir? O problema é estrutural e urgente”, alerta a ativista.

 

 

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A Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP) alerta para o fato de que há poucos abrigos para imigrantes e refugiados na cidade e no estado de São Paulo, fazendo com que muitos dos refugiados sejam encaminhados a CTAs (Centros Temporários de Atendimento), juntamente com a população em situação de rua.

“Isso posto, a CASP avalia que os afegãos que ficam “alojados” no mezanino do Terminal de Passageiros 2 no Aeroporto de Guarulhos são “vítimas” da escassez de abrigos no estado de São Paulo para essa finalidade”.

Crise humanitária

A crise migratória dos afegãos ao Brasil aumentou principalmente a partir de fevereiro de 2022. Foto: Divulgação

Ana Lúcia conta que começou a acompanhar o caso em razão das gestantes e que nunca tinha passado por uma situação humanitária desta gravidade.

“São situações delicadas. São famílias foragidas do Talibã, a maior parte pessoas com alto grau de instrução e que tiverem seus bens e dinheiros sequestrados pelo regime Talibã”, informa.

A advogada chama à atenção para o fato dos refugiados serem muçulmanos, por isto requer cuidado no apoio. Ela citou casos de pessoas que doaram marmitas com carne de porco, mas por questão religiosa eles não comem. Da mesma forma que é um “pecado” para eles cantar em grupo, citando grupos evangélicos que tem ido ao local fazerem cultos.

Outro fator cultural que é preciso tomar cuidado é a restrição das mulheres afegãs gestantes e com problema de saúde que são atendidas somente por profissionais mulheres que permitirão que ela fiquem com o hijab (véu). “Elas não se separam do marido e das famílias, o que torna o acolhimento um desafio. Teremos, como sociedade, muito trabalho pela frente”, informa Ana Lúcia.

Acolhimento

A Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP) foi a primeira organização a alertar para a gravidade da situação dos afegãos, em um momento em que todos os olhos estavam voltados para a crise humanitária gerada pela guerra na Ucrânia.

O apoio ativo da CASP desde o início da crise humanitária no Afeganistão faz com que a organização tenha profundo conhecimento a respeito da gravidade da situação dos afegãos que chegam no Brasil. A organização religiosa informa que a primeira família afegã atendida pela CASP desembarcou no país em 1º de outubro de 2021, via CRISP (Sustainable Resettlement and Complementary Pathways Initiative – ACNUR & OIM).

Desde aquela época, a CASP informa ter o registro de 352 pessoas afegãs, sendo 128 do gênero feminino e 224 do masculino; 38 de 0 a 4 anos de idade, 44 de 5 a 11 anos, 14 de 12 a 17 anos, 246 de 18 a 59 anos e 10 acima de 60 anos; 173 pessoas com mais de 12 anos de estudo.

A direção da CASP já encaminhou ofícios ao Ministério Público e a outros órgãos governamentais expondo a situação. “Solicitamos que as entidades humanitárias e o poder público se unissem para pensarem, juntos, soluções para a crise migratória dos afegãos ao Brasil, cujo fluxo aumentou principalmente a partir de fevereiro de 2022”, informa os Caritas.

Os Caritas informam que os refugiados afegãos chegam no Brasil completamente vulneráveis, obrigadas a enfrentar os desafios impostos por uma terra estranha e uma língua e cultura distintas. “Lamentamos que essas famílias, forçadas a deixarem o Afeganistão desde que o grupo Talibã assumiu o poder, em agosto de 2021, tenham suas vidas expostas em situação de extrema fragilidade e sem a chance de recusarem tal exposição”, declarou.

A respeito da concessão do visto humanitário pelo governo brasileiro aos afegãos, a Caritas Arquidiocesana de São Paulo entende que, ao concedê-lo, o poder público deve garantir-lhes acolhida digna quando chegam ao Brasil.

Nota do Itamaraty

O Ministério das Relações Exteriores acompanha, com atenção, o aumento no número de pessoas afegãs que chegam ao Brasil desde a adoção da portaria interministerial MRE/MJSP n. 24 de 3/9/2021.

Em apoio aos órgãos responsáveis pela política interna de acolhimento, o Itamaraty vem atuando na articulação e oferecendo sugestões de medidas a demais entidades governamentais envolvidas no assunto, nas esferas federal, estadual e municipal.

Também estão sendo mantidas ações de coordenação com agências especializadas das Nações Unidas (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR e Organização Internacional para as Migrações – OIM), com vistas a buscar soluções para os casos de maior vulnerabilidade.

Dentre as ações de coordenação para promover assistência às pessoas afegãs em situação de vulnerabilidade no Brasil, o Secretário de Assuntos Multilaterais Políticos, Embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, recebeu ontem a Presidente da Associação dos Magistrados (AMB), Renata Gil, responsável por iniciativa bem-sucedida de acolhida humanitária a juízas afegãs no Brasil.

Desde o início da política, já foram autorizados 6.138 vistos a afegãs e afegãos, cujas vidas estavam em risco em seu país. Na maioria dos casos, sua vinda ao Brasil foi intermediada por organizações da sociedade civil, que os recebem e promovem sua integração local.

Parcela minoritária não conta com esse apoio prévio da sociedade civil organizada e chega ao país em situação de vulnerabilidade.

Preocupado com o acolhimento dessa parcela minoritária, o Itamaraty tem mantido contatos com organismos internacionais especializados para promover ações de capacitação que possam apoiar as entidades da sociedade civil nesse desafio.

Como ajudar

Voluntários que acompanham a situação dos afegãos estão se mobilizando para arrecadar produtos de necessidades básicas às famílias que estão acampadas no aeroporto.

Entre os itens que podem ser doados estão colchão para dormir, roupas de frio, leite, chá preto (eles tomam chá com leite), açúcar, aveia, Mucilon para as crianças, absorventes, lenços umedecidos, pão, manteiga, frutas como laranja, maçã, água e guardanapos.

Grupos voluntários também tem tentado organizar um mutirão para tirar o CPF.

Mais informações com Swany Zenobini  @swanyzenobini