Por Eduarda Goulart

Entre intrigas políticas e tradições milenares, ‘Conclave’ transforma a ambientação e a cinematografia em peças fundamentais para retratar a dança entre tensão e dúvida, intrínsecas à dinâmica de eleição do novo Papa e da sucessão do dever indispensável na sociedade. Dirigido por Edward Berger, o filme é baseado no best-seller de Robert Harris e conta com a interpretação do britânico Ralph Fiennes como Cardeal Lawrence. O decano é responsável por supervisionar o conclave e desvendar as conspirações que envolvem essa sucessão permeada por uma disputa feroz entre progressistas e conservadores. 

Com um elenco estelar, incluindo John Lithgow, Stanley Tucci e Isabella Rossellini, o longa transporta o espectador para os corredores imponentes do Vaticano com uma estética meticulosa que reflete tanto a grandiosidade da tradição católica quanto a claustrofobia do processo decisório.

A construção do Vaticano no cinema

O processo usual da produção de um filme começa bem antes do primeiro play das câmeras e demanda um esquema organizacional atento. É de se imaginar que, quando a obra usa locais mundialmente conhecidos como seus cenários principais, como a Capela Sistina e a Casa Santa Marta, essa dinâmica demanda um nível ainda maior de atenção aos detalhes.

A filmagem e a fotografia dentro do Vaticano e da Capela são proibidas, o que fez com que a equipe por trás do longa precisasse seguir uma rota diferente. Suzie Davies, diretora de arte de ‘Conclave’, precisou mergulhar no acesso a filmagens e arquivos antigos obtidos em sua pesquisa, além de contar com o auxílio de assessores católicos e especialistas que pudessem fornecer informações mais precisas.

Davies conduziu esse processo com liberdade criativa, utilizando quase cinquenta locações diferentes para reimaginar os cenários do Vaticano. Entre elas, cabe destacar uma cantina militar transformada na sala de jantar da Casa Santa Marta; o Ospedale Santo Spirito, que serviu como pátio do Vaticano; e o icônico Palazzo Barberini, onde a diretora de arte instalou um crucifixo de 4,5 metros para a cena em que o Cardeal Lawrence faz seu primeiro discurso, marcando a abertura do conclave. 

O filme foi concebido como um grande quebra-cabeça, combinando locações em Roma com cenários construídos em estúdio. Para recriar a Capela Sistina, a produção contou com o talento dos artesãos dos Estúdios Cinecittà, enquanto os corredores e salas da Casa Santa Marta também ganharam vida por meio dessas construções. O projeto, que se estendeu por seis meses, envolveu uma equipe central de 20 a 25 pessoas, além de cerca de 100 profissionais entre pintores, construtores e decoradores de cenários.

A justaposição equilibrada entre o que se sabe sobre o Vaticano e o lado oculto do conclave, que poucas pessoas realmente conhecem, torna-se o terreno propício para uma adaptação original e criativa dessa narrativa. Para além de uma organização precisa, a equipe brinca com esses elementos para criar uma história visual mais dramática.

Existe um contraste entre a arquitetura ornamentada da Roma, presente no consciente social e retratada nas cenas que tomam lugar dentro da Capela, e a arquitetura brutalista e fascista presente nos cenários dentro da Casa Santa Marta – onde os cardeais ficam sequestrados durante o período de votação. As formas femininas e o lado dourado e mais suave são rebatidos por linhas pretas duras, e os brancos, azuis e pretos dos dormitórios pelo o dourado e os vermelhos ricos da capela.

A cinematografia como elemento narrativo

Andando lado a lado com a construção dos cenários e da direção de arte, a cinematografia também informa de maneira direta os conformes de uma narrativa. Stéphane Fontaine, diretor de fotografia do longa, trabalha aqui com as escalas e escopos únicos para produzir composições instigantes, que traduzem a pressão claustrofóbica desenvolvida no roteiro e no material original. O profissional mescla enquadramentos superlotados com o isolamento de personagens para retratar o diálogo entre a tensão e a expressão de dúvidas, imprimindo a sensação de desconforto causada pela atmosfera um tanto sufocante em cada plano. 

Um momento que gerou repercussão por conta do subtexto em seu esqueleto foi a cena em que dezenas de cardeais, vestidos de branco e vermelho, marcham sob a chuva, enquanto são filmados de cima e à distância. Seus rostos estão obscurecidos sob guarda-chuvas brancos, que balançam no plano. O manuseio de um campo aberto, capaz de capturar o quase-exército de personagens, corrobora para a sensação daquilo que se torna incontornável e cria a ideia de que não há como escapar deste mar de cardeais. 

Outro exemplo notável é o discurso final do Cardeal Benitez que antecede a última sessão de votos – que também conta com uma visão cinematográfica detalhada e um jogo surpreendente com a iluminação. Enquanto o membro mais recente do clero se levanta e pontua de maneira sincera e precisa o autocentrismo da Igreja e de todos os membros participantes dessa instituição, uma luz dourada emerge atrás da sua cabeça, imprimindo um destaque físico e celestial sobre sua figura. Nesse momento, Benitez representa a luz no fim do túnel, a pureza dos ideais do catolicismo e um futuro esperançoso.

Ao combinar uma direção de arte minuciosa com uma cinematografia atenta e motivada, ‘Conclave’ não apenas recria o Vaticano, mas também reforça a tensão e as traições eclesiásticas que moldam a sucessão papal. O filme utiliza cada detalhe cenográfico e estético para construir uma narrativa que vai além da política e da religião, criando uma experiência imersiva e visualmente impactante.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.