Com pandemia, 5.400 brasileiros estão retidos no exterior
A situação de brasileiros que estão vivendo no exterior e que viajaram antes da pandemia e agora não conseguem voltar.
Texto: Mauro Utida para Mídia NINJA
Desde o início das restrições de movimentação do setor aéreo, o Ministério das Relações Exteriores informa que, até o dia 8 de abril, 11.500 brasileiros conseguiram retornar ao Brasil, porém 5.400 ainda se encontram no exterior aguardando a abertura das fronteiras.
A situação de brasileiros retidos no exterior se estende para 83 países diferentes, em praticamente todos os continentes. São pessoas cujo voos foram cancelados ou remarcados, além de turistas, que ainda estão dentro dos 90 dias de permissão de estadia, mas que não possuem passagem de retorno, por exemplo.
Segundo último levantamento do Itamaraty, a situação mais dramática ocorre em Portugal, onde 1.296 brasileiros (24% do total) aguardam voos comerciais internacionais ou repatriação junto ao Governo Federal. O número de brasileiros retidos também é grande na Argentina (738), Austrália (471), Espanha (450), Índia (281), Itália (260), Reino Unido (200), Angola (144), Nova Zelândia (141), Indonésia (132), Tailândia (105) e Emirados Árabes (101).
Apesar do Ministério das Relações Exteriores ter criado o Grupo Especial de Crise para assuntos consulares e migratórios (G-CON), para auxiliar os cidadãos brasileiros que se encontram impedidos de retornar ao Brasil, muitos reclamam da falta de auxílio. Por causa disso, a carioca Anna Carolina Land Corrêa, 29 anos, que mora em Bragança, Portugal, sentiu a necessidade de criar um grupo de pessoas para pedir repatriação, com e sem passagem de retorno, chamado Repatriados Portugal. Outro grupo que também tenta chamar a atenção das autoridades local é a conta no Instagram @melevapracasabr, criado por Rilane Oliveira.
Segundo Anna, que é professora de inglês em uma escola de idiomas, o grupo obteve alguns sucessos em ações solidárias com famílias que precisavam de remédios, alimentos, dinheiro e alojamento. Ela contou com o apoio de um grupo de mulheres chamado Papo Calcinha em Porto. Ela informa que a embaixada não tem dado auxílio no que diz respeito à alimentação, hospedagem ou ajuda financeira.
PORTUGAL – A maioria dos brasileiros que fazem parte deste grupo não tem condições de comprar passagens aéreas. Além do agravante de haver poucos voos e o preço das passagens estar maior do que o normal. É o caso de Ingrid Silvino Antoniel, 21 anos, que reside em Coimbra, com o marido Cleninson Nascimento Silva, 24. Eles viajaram no final do ano passado e decidiram se estabelecer na Europa, porém quando o casal conseguiu emprego a pandemia começou e a situação agravou.
Ingrid e Cleninson estão há um mês sem sair de casa e o prazo do contrato do imóvel está no fim. Devido ao Estado de Emergência, policiais estão abordando pessoas na rua e impedindo que passem de determinados pontos caso não tenham autorização do governo explicando a necessidade do deslocamento.
Eles chegaram a comprar passagem, porém o voo foi cancelado e não conseguiram remarcar a data, pois a companhia aérea alegou que não tinham direito por terem comprado as passagens por uma agência de viagem. “Estamos tomando todas as medidas para retornar ao Brasil. Temos um pouco de comida e dinheiro para nos deslocarmos até Lisboa, e só. Fomos informados pelo Itamaraty que o voo fretado só ocorre quando não houver mais os comerciais”, explica Ingrid.
Também há casos mais graves como da Izadora Greta Simões, que está grávida de 7 meses. O voo de retorno ao Brasil é pela espanhola Iberia e ela não consegue remarcar a passagem em virtude da atual legislação da Espanha. Seu caso é bastante sério, pois dentro de poucas semanas ela só poderá embarcar com autorização médica em virtude de complicações que um voo em elevada altitude pode trazer ao bebê. Ela faz parte do grupo Repatriados Portugal.
Segundo Anna, o grande problema nessa situação é que as empresas aéreas explicam que o passageiro deve conversar sobre reembolso ou troca de passagem diretamente com o site que lhe vendeu o bilhete; em contrapartida, o site pede para que essa negociação seja feita diretamente com a companhia aérea. Ela informa que a resposta do Itamaraty é de que esforços estão sendo feitos, mas que, no meio tempo, eles disponibilizam informações acerca de voos que conseguiram negociar com outras companhias aéreas para que as pessoas possam adquirir os bilhetes.
Também há o grupo de turistas que, por algum motivo perderam o voo de retorno, mas agora querem voltar pro Brasil e ainda estão dentro dos 90 dias de permissão de estadia no espaço Schengen. Anna informa que eles têm uma situação extremamente delicada. “Aos olhos do governo brasileiro, são turistas, então a princípio teriam prioridade de embarque em caso de repatriação; por outro lado, não têm essa prioridade por já não disporem dos bilhetes de retorno. Sendo turistas em Portugal, estão proibidos de exercerem qualquer atividade econômica, então não podem sequer trabalhar para que consigam dinheiro e comprem as passagens”, explica.
De acordo com a Lei Portuguesa, turistas não têm acesso aos subsídios locais. Caso contraiam o coronavírus ou precisem, por qualquer outro motivo, de atendimento médico-hospitalar, e não tenham seguro saúde ou PB4 (acordo que garante o acesso de brasileiros aos serviços de saúde portugueses a preços acessíveis), podem pagar uma exorbitância pelo atendimento. Uma consulta sem esses documentos pode sair em torno de 100 euros.
Em comum, os dois grupos têm dificuldades de recursos financeiros. Nem todos têm dinheiro suficiente para comprar uma segunda passagem, especialmente se não chega reembolso por parte das empresas de aviação ou dos sites de compra. Enquanto isso, muitos brasileiros estão ficando em casas de amigos ou tiveram que continuar hospedados onde estão até que a situação se resolva, com um gasto superior ao programado. Aqueles que precisam transferir dinheiro do Brasil para Portugal ainda sofrem com a desvalorização da moeda, que diminui consideravelmente seu poder de compra em solo europeu.
Até a data de 10 de abril, apenas Azul, Latam e TAP têm operado voos entre Portugal e Brasil, um por semana, quando operam.
ORIENTE MÉDIO – A gaúcha Samia Hassan Husein Kanaan, 20 anos, viajou de férias para visitar familiares na Palestina e estava com a passagem de retorno marcada para o dia 16 de março, porém, a fronteira do país foi fechada no dia 10 e a volta se tornou incerta. A companhia aérea Emirates cancelou todos os voos durante 45 dias e para complicar ainda mais, a Jordânia decretou que o aeroporto só irá abrir após o Ramadan, previsto para o dia 23 de maio.
Ela está na cidade de Ramallah-Beit e conseguiu deixar a data da passagem em aberto, porém seu visto vence no próximo dia 29 e a situação financeira está difícil, mesmo com estadia e alimento, pelos familiares. “O único dinheiro que temos conosco deixamos guardado para trâmites de passagem na fronteira e locomoção até o aeroporto”, diz ela.
Samia informa que está em contato com o escritório de representação em Ramalá, porém não há respostas para uma repatriação junto à embaixada local. “Dizem que nosso caso está sendo estudado. Só queremos voltar para casa”, desabafa a estudante de Fisioterapia na Universidade Federal do Pampa.
SUFOCO NA ÁFRICA – Quem conseguiu voo de repatriamento passou por muito estresse e ansiedade. É o caso da paulista Caroline Freitas, 31, que foi estudar na África do Sul e antecipou o retorno por causa da epidemia. Ela conseguiu retornar no dia 6 de abril com o voo de repatriamento, após a companhia aérea South Africa Airlines parar de operar voos ao Brasil no dia 31 de março. A passagem foi transferida para a Latam, mas não obteve o auxílio necessário depois, informa.
Foram dias angustiantes de desconforto e incertezas, diz ela. “As informações não eram claras e burocráticas por causa das questões diplomáticas”.
Ela estava em Cape Town, mas por orientação da Embaixada seguiu para Joanesburgo. Na primeira semana ficou em um hotel próximo do aeroporto, porém numa região comandada pela milícia, e insegura. No hotel, teve que pagar um adicional pela alimentação. Tanto o café da manhã e o jantar eram servidos na porta do quarto, seguindo orientações de quarentena do governo local.
“Acabei usando todo o dinheiro que seria usado durante os três meses de viagem. Foi necessário economizar e fazer compras coletivas com o grupo de brasileiros que encontrei no segundo hotel”, explica.
No esperado voo de retorno ao Brasil, Caroline informa que houve um esquema de segurança e precaução para que os passageiros não entrassem em contato. “Mediram a nossa temperatura e foi respeitado os 2 metros de distância até a entrada do aeroporto. O país estava em alerta constante”, declarou.
ITAMARATY – O Itamaraty informa que trabalha junto com a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e o Ministério do Turismo para resolver os problemas causados pelos cancelamentos de voos.
Em países com absoluta interrupção dos voos comerciais, o Ministério das Relações Exteriores informa que está contratando voos fretados para o retorno dos brasileiros retidos.
Em nota, o departamento informa que os brasileiros que se encontram em situação de dificuldade devem solicitar ajuda ao consulado ou à embaixada em sua respectiva região. Informações detalhadas podem ser encontradas na seguinte página.
Outra medida sugerida pelo setor de Comunicação Social do Itamaraty é acompanhar as mídias sociais do departamento, onde são informados os voos de repatriação realizados. Twitter Facebook Instagram