
Com o sucesso da Eurocopa Feminina, UEFA mostra caminho que a Conmebol ainda precisa seguir
Enquanto a Europa avança com estrutura e investimento, América do Sul ainda tropeça em velhos erros quando o assunto é futebol feminino
Por Mariana Walsh para a NINJA Esporte Clube
Quando se investe com visão, os resultados aparecem. Quando se ignora a base, a estrutura desaba. Essa foi a diferença entre a Eurocopa Feminina, realizada na Suíça, que quebrou recordes de público e engajamento, sendo considerada um grande sucesso, e a Copa América, no Equador, que escancarou a falta de cuidado da Conmebol com a modalidade.
De um lado, a UEFA organizou um torneio histórico. Antes mesmo da bola rolar, mais de 600 mil ingressos já haviam sido vendidos, superando o recorde de 574 mil da edição anterior. Durante a fase de grupos, mais de 460 mil torcedores ocuparam as arquibancadas, com 22 dos 24 jogos com lotação máxima. Além da presença nos estádios, o impacto se espalhou pelas ruas, com torcedores fazendo a festa pelas cidades-sede. E o país colheu frutos econômicos: o turismo cresceu 12% durante o torneio, e os gastos médios dos visitantes aumentaram 27% em relação ao mesmo período do ano anterior.
O engajamento digital acompanhou o sucesso com 8,4 milhões de interações nas redes sociais — alta de 55% em relação a 2022. Fora dos números, a infraestrutura foi exemplar, com estádios modernos, centros de treinamento equipados, tecnologia de ponta e suporte total às atletas elevaram o nível técnico da competição e consolidaram o futebol feminino europeu como um produto esportivo de elite.
Para além dos números, o plano da UEFA também mira o legado: parte da arrecadação do torneio será destinada ao fortalecimento das ligas locais e à formação de categorias de base, especialmente em países com menor tradição no futebol feminino. O projeto “Here to Stay” visa dobrar a participação feminina na Suíça, tanto como jogadoras quanto como treinadoras e árbitras, consolidando uma base sólida para as futuras gerações.
Enquanto a Europa avança com passos firmes, a América do Sul ainda tropeça nos mesmos problemas de sempre. No Equador, a Copa América Feminina mostrou o outro lado da moeda. Arquibancadas vazias, ausência de VAR na fase de grupos e críticas severas das atletas às condições oferecidas marcaram o torneio. As jogadoras brasileiras Marta e Ary Borges precisaram vir a público denunciar espaços improvisados para aquecimento, que deveriam ocorrer no campo, colocando em risco a integridade física das atletas.
A situação, infelizmente, não é inédita e apenas reforça o tratamento que a Conmebol dá ao futebol feminino. Na Libertadores de 2024, as jogadoras do Corinthians protestaram após conquistarem o título, denunciando desde a mudança de sede de última hora até campos em más condições e estruturas precárias. “Isso é uma falta de respeito”, resumiu a publicação coletiva nas redes sociais. Agora, em 2025, o cenário se repete.
Além das falhas estruturais, o torneio sul-americano sofreu também com a falta de divulgação e visibilidade, reflexo de um descaso institucional que limita o crescimento da modalidade. Sem investimento em marketing, a competição teve dificuldade para atrair torcedores e patrocinadores. Enquanto a Eurocopa contou com 12 patrocinadores oficiais e transmissão em horário nobre nos principais canais europeus, a Copa América teve apenas dois patrocinadores de grande porte e cobertura escassa da mídia.
Os números não deixam margem para dúvidas: o futebol feminino é uma potência em crescimento. Segundo a Deloitte, a receita global dos esportes femininos de elite deve alcançar 2,35 bilhões de dólares em 2025 — com 54% desse valor vindo de patrocínios e acordos comerciais. A UEFA entendeu isso. Ao distribuir 41 milhões de euros em prêmios na Eurocopa 2025, um aumento de 156% em relação à edição anterior, a entidade mostra que valoriza a modalidade e a estrutura com foco em retorno financeiro e sustentabilidade.
A disparidade entre a Eurocopa e a Copa América escancara a urgência de mudança. Com o Brasil confirmado como sede da Copa do Mundo de 2027, a primeira na América do Sul, cresce a responsabilidade das entidades sul-americanas. O Mundial daqui a dois anos será mais do que uma vitrine: será um teste de maturidade para quem comanda o futebol feminino no continente.
Não se constrói um legado com descaso. Enquanto a Europa pavimenta o caminho com seriedade, a América do Sul não pode mais se contentar com o mínimo. O futebol feminino exige mais que discursos: pede ação, investimento e comprometimento real. O futuro já começou, e quem não acompanhar será deixado para trás.