Com avanços tímidos, ‘And Just Like That…’ busca ser uma versão evoluída de ‘Sex And The City’
Segunda temporada do spin-off da série dos anos 1990/2000 chegou ao fim no mês passado
Atenção, texto com spoilers!
Por Sabrina Ventresqui
No último dia 24, a segunda temporada de “And Just Like That…” chegou ao fim, dando desfecho aos nossos amados personagens. E mais do que isso: marcou o breve retorno de uma das personagens mais queridas da televisão. Sim, Kim Cattrall fez o que jurou nunca mais fazer e reprisou o papel de Samantha Jones.
Mas calma, apesar de ter aceitado estar na série novamente, a aparição é pequena, porém significativa. A presença de Samantha na série, mesmo que curta, trouxe aquele sentimento de nostalgia, nos fazendo sentir aquela vontade de ver o quarteto reunido novamente. Cattrall, em uma única cena, consegue transmitir a essência de Samantha, o que transforma a aparição sucinta em uma passagem gigantesca.
A possível participação de Kim Cattrall, intérprete de Jones, causou alvoroço entre os fãs porque Cattrall e Sarah Jessica Parker, atriz que dá vida à personagem principal, Carrie Bradshaw, são brigadas desde a série original. As duas se odeiam. Então, a grande amizade entre elas era só nas telinhas mesmo, porque fora delas, as artistas não se suportam.
Desta forma, mesmo tida como praticamente impossível, haviam grandes expectativas para a aparição da personagem, uma das mais queridas pelos fãs e francamente, a mais divertida do quarteto.
Para quem não faz ideia do que estou falando, explico brevemente: “And Just Like That…” é o reboot de “Sex And The City”, série da HBO que foi ao ar entre 1998 e 2004. Fez muito sucesso com o público, principalmente com as mulheres, porque a sitcom tinha como tema problemas vivenciados pelo gênero por uma perspectiva feminina, o que era inédito até então.
Em 2021, surfando na onda do retorno das séries da década de 90, a HBO resolveu trazer de volta o célebre programa de TV. Assim, em 9 de dezembro “And Just Like That…” nasceu, desta vez com apenas três protagonistas da série original, Kristin Davis, como Charlotte, Cynthia Nixon, como Miranda e, claro, Sarah Jessica Parker, como a ilustre Carrie Bradshaw.
O novo começo veio com uma proposta de diversidade, cuja falta foi alvo de inúmeras críticas na série original que era protagonizada por quatro mulheres brancas, cisgênero, magras e ricas, o que não abarcava a realidade do mundo. Contudo, a tentativa de trazer um universo mais diverso foi mal feita, preguiçosa e só para “inglês ver”, já que os novos personagens não possuíam histórias próprias e pareciam estar presentes apenas para preencher um requisito.
Assim, o retorno da amada série foi um verdadeiro balde de água fria nos fãs e devido ao grande fiasco, cogitou-se a possibilidade de que “And Just Like That…” sequer teria uma segunda temporada.
Mas olha, que bom que teve, viu? Porque houve um salto evolutivo muito grande no roteiro. Na segunda temporada, as novas personagens tiveram as histórias e as representações que deveriam ter tido desde o princípio. Assim como o trio de protagonistas, em que nota-se um crescimento genuíno em todas elas.
O começo desta segunda temporada, contudo, foi um pouco desajeitado. Apesar de divertidos, os episódios tinham um sério problema de ritmo. Os cortes abruptos e mudanças bruscas de assunto prejudicaram muito “And Just Like That…”, cuja edição parecia ter sido toda picotada por alguém que não entende nada de audiovisual. Não que eu seja uma expert, mas se até eu percebi, é porque a coisa estava feia.
Enfim, a série começa a ganhar ritmo e corpo mais ou menos no quinto episódio. A partir de então, fica boa mesmo e muito similar à série antiga. Parece que as meninas finalmente se encontraram nas personagens.
Carrie, agora está em outra fase. A nossa jornalista está desapegando do passado, buscando leveza e parece ter superado a morte de Big, seu grande amor.
Miranda está finalmente se encontrando como pessoa e profissionalmente.
Agora, a maior mudança é dela: Charlotte. Antes, a maior conservadora do quarteto – na série original -, a personagem representava o público tímido e puritano que assistia à série. Mas agora, ela está irreconhecível, para o bem é claro.
Charlotte finalmente saiu de seu casulo. Ela, que havia parado de trabalhar no seu primeiro casamento na terceira temporada da série original – ou seja, uns 20 anos atrás -, voltou ao mercado de trabalho e a gata veio com tudo. A personagem é galerista – profissional que vende arte – e foi convidada para trabalhar em uma grande galeria de arte. As crianças agora estão crescidas, então Charlotte conta com a ajuda de seu marido Harry para criar Lily e Rock (personagem não binário).
Assim, o marido finalmente entende como é a dupla jornada de trabalho a que nós mulheres estamos sujeitas, ou seja, o trabalho com a casa e o trabalho remunerado. E é nesse assunto que a personagem milita mesmo. O que é uma mudança enorme se compararmos com a série original, que tem apenas UMA menção ao movimento feminista em suas seis temporadas, inclusive dita por Charlotte, ao anunciar que iria parar de trabalhar. Ela cita o feminismo para justificar sua escolha, afinal o movimento veio para emancipar e nos dar oportunidade de escolher o nosso próprio caminho.
O progresso mais notável foi a narrativa das novas personagens Seema, Lisa Todd Wexley e Nya Wallace, que agora possuem narrativas próprias e bastante interessantes.
Algumas questões femininas são realmente abordadas em “And Just Like That…”. Além da dupla jornada de trabalho, a série também mostra as renúncias que as mulheres precisam fazer caso queiram ter filhos e uma carreira de sucesso, como a personagem Lisa Todd Wexley, uma cineasta. Sacrifícios, dos quais, os homens nunca precisam fazer. Uma vez que a sociedade espera que mulheres deem conta de tudo.
Seema, personagem que parece ter vindo para substituir Samantha, mas que acaba roubando a cena, é uma corretora de imóveis de sucesso e solteirona convicta. Nesta temporada, ela luta com o medo de compromisso, rejeição e parece que irá se entregar a um grande amor.
Nya Wallace é uma advogada muito bem sucedida, que é deixada pelo marido por não querer ter filhos, um desejo dele. Em seu arco, Nya aparece muito bem curtindo a solteirice e sendo reconhecida em sua área profissional.
Diferente da primeira temporada, em que as personagens são apenas “jogadas” no enredo, agora, elas estão incorporadas no grupo. E a interação entre elas é excelente. As atrizes têm uma ótima química em cena, o que deixa tudo muito mais leve e prazeroso de ser assistido.
Inclusive, a amizade de Seema e Carrie é um dos pontos altos do reebot. A protagonista perdeu um grande amor, mas ganhou outro. Afinal, ter amigos também é ser amada.
Além disso, a série ainda tem muito fan service com o retorno de outro personagem muito querido e aguardado pelos fãs. Aidan, o ex-noivo de Carrie volta para a vida da jornalista e está mudado. Na série original, o casal se separa porque a personagem principal não estava pronta para se comprometer e o rapaz a estava pressionando para casar. Mas, Carrie não cedeu e acabou terminando o noivado.
Desta vez, ele está diferente. O personagem está paciente e entende os limites de Carrie, que por sua vez, também mudou e quer um futuro ao lado dele. Porém, o desfecho do casal não foi nada bacana.
Quem assistiu “Sex And The City” sabe como Carrie sofreu nas mãos de Big, que não tinha responsabilidade afetiva ou respeito por ela em qualquer nível. Ainda assim, para os parâmetros dos anos 90, a dupla era o “casal perfeito” e obviamente terminaram juntos.
Durante todo o relacionamento, foi Carrie quem teve que ceder um pouco de si para caber na vida de Big, era ela quem precisava se comprometer porque ele tinha medo de fazê-lo. Todos os sacrifícios partiam dela, assim como a sociedade espera que façamos.
Para se ter uma ideia, Big abandonou a protagonista no altar porque estava com medo – e sim, ela casou com ele mesmo assim depois. Então, a trajetória dos dois foi marcada por idas e vindas e Big sendo extremamente cafajeste.
O relacionamento com Aidan sempre foi diferente. Algo que “Sex And The City” sempre fez questão de destacar. Ao contrário de Big, o relacionamento com Aidan era leve e o comportamento do rapaz sempre foi conforme o esperado por Carrie, expectativas das quais Big nunca correspondeu.
Aidan era comprometido com Carrie. Tinha responsabilidade com os sentimentos dela, estava disponível e era descomplicado. Porém, o relacionamento dos dois acabou não vingando.
Então, a volta de Aidan prometia o que não aconteceu na série original: Carrie e ele finalmente juntos.
Mas, é neste arco que a direção criativa peca duramente. Por problemas com seu filho adolescente, que atravessa um momento difícil e sofre com a ausência do pai, Aidan decide romper com Carrie para focar na família. Os motivos são nobres, mas ele pede que ela “o espere” por cinco anos.
É para isso que caminhamos? Carrie, tendo que esperar por um homem novamente? E se fosse o contrário, Aidan esperaria por ela?
Neste quesito, “And Just Like That…” deixou muito a desejar. Como sempre, os avanços são sempre seguidos por um retrocesso. Esse “vai e vem” parece ser uma prerrogativa do universo “Sex And The City”.
Por fim, é perceptível que a série ainda tem diversos problemas, mas parece estar caminhando para resolvê-los. De qualquer forma, a diferença entre as duas temporadas é gigantesca e a equipe criativa parece ter aprendido a lição e consertado algumas falhas. Assim, a segunda temporada da série é gostosa e divertida. E eu, como fã, estou muito feliz que foi renovada para a terceira temporada, porque desde já estou ansiosíssima para saber o que elas irão aprontar e como vão resolver o dilema de Carrie e Aidan.