
Com artistas brasileiros, HQs do Superman ganham novas vozes no cenário global
Com o novo filme chegando em julho, o Superman está mais global do que nunca — e nessa virada de página, o olhar brasileiro se impõe com potência, ancestralidade e imaginação
Por Hyader Epaminondas
Junho marca o lançamento de Superman: O Mundo, uma antologia internacional da DC Comics com distribuição simultânea em diversos países, que dá sequência às publicações anteriores, como Batman: O Mundo e Coringa: O Mundo. A coletânea propõe um olhar multicultural sobre o maior símbolo dos quadrinhos, reunindo artistas de diferentes nacionalidades incluindo França, Alemanha, México, Argentina, Índia e Camarões para contar histórias do azulão em seus próprios contextos culturais.
No Brasil, o encadernado se destaca com a participação do artista Jefferson Costa, que assina a história brasileira da coletânea com uma narrativa envolvendo o povo Tupinambá, ampliando a representatividade da nossa cultura na mitologia do Homem de Aço.
Paralelamente, o gaúcho Rafael Albuquerque integra um projeto central da nova fase da editora, Superman Unlimited, série que faz parte da iniciativa “Verão do Superman”, explorando não só sua vulnerabilidade e novas transformações diante da exposição a kryptonita, mas também sua capacidade de adaptação em um mundo cada vez mais complexo.
Nos bastidores, o produtor e curador Ivan Freitas da Costa tem sido um agente fundamental na articulação de talentos brasileiros com o mercado internacional. Cofundador da CCXP, onde ele é responsável pelo Vale dos Artistas.
A seguir, você confere as entrevistas dessa trindade do universo dos quadrinhos, três nomes que mostram por que o Azulão continua sendo um herói de todos, inclusive nosso.

Com traço marcante e forte engajamento social em suas narrativas, o artista Jefferson Costa amplia ainda mais seu alcance ao assinar a história brasileira da coletânea Superman: O Mundo. O artista, já premiado por obras como Jeremias: Pele e Jeremias: Alma (Mauricio de Sousa Produções) e pelo autoral Roseira, Medalha, Engenho e Outras Histórias (Pipoca & Nanquim), agora imprime sua voz no universo de um dos maiores ícones da cultura pop mundial.
O convite para participar do projeto veio dos editores da Panini Comics Brasil: Belle Felix e Guilherme Kroll. “Se fosse apenas para desenhar já seria bacana demais”, comenta o artista, “mas o que me deixou muito mais feliz com o convite foi poder fazer uma história toda minha, escrevendo também o roteiro.”
Jefferson destaca que a chance de atuar como roteirista é especialmente rara para profissionais estrangeiros no mercado norte-americano: “É sabido por todos que se relacionam com esse mercado norte-americano de comics que oportunidades para estrangeiros escreverem roteiros são raras, sem falar no fato de ser um personagem tão icônico da própria cultura estadunidense.”
Para ele, o projeto ainda tem um diferencial importante: “Essa coleção é única, nesse sentido, oportunizando possíveis releituras, nesse aspecto cultural, de certo modo global.”
Apesar da grandiosidade da tarefa, Jefferson não abriu mão de trazer uma visão particular, em vez de tentar representar uma ideia homogênea de “cultura brasileira”, ele buscou incorporar uma cosmovisão menos eurocêntrica, inspirada nos ensinamentos do poeta e filósofo quilombola Nego Bisbo. “O Termo ‘cultura brasileira’ é um guarda-chuva incômodo no meu modo de ver, e isso norteia minha abordagem do plot já divulgado.”, explica, revelando sua intenção de provocar o leitor,especialmente o estrangeiro a repensar referências e estruturas narrativas ocidentais.
Esse olhar atravessa toda a construção da história e até o modo como o autor se relaciona com o mito do último filho de Krypton. Ao ser questionado sobre paralelos com figuras do imaginário popular brasileiro, Jefferson recorre a uma análise provocativa. Para ele, há um paralelo direto com o arquétipo do “bom policial” , a ideia do herói urbano que “serve e protege”, algo que considera parte de um imaginário panfletário global. Já em relação aos protetores das florestas presentes no folclore brasileiro, o autor vê conexões mais superficiais “De certa forma sim, mas numa camada mais superficial, principalmente na intenção do discurso protetor, mas no segundo momento se distancia”, pondera.
Trabalhar com um personagem tão reconhecido no mundo inteiro também trouxe desafios emocionais. Jefferson admite, com bom humor, que seu maior esforço foi “ não perder a razão”. Segundo ele, a responsabilidade de representar o Superman através de sua própria lente exigiu equilíbrio entre respeito à figura icônica e a ousadia de propor uma nova perspectiva, uma versão que espera, no sentido mais literal da palavra, esperançar.
Sua versão convida o leitor a uma reflexão: é possível reimaginar o herói de capa azul fora da lógica imperialista, num mundo realmente plural? Jefferson acredita que sim. E é exatamente isso que espera despertar, especialmente entre os leitores de fora do Brasil. “Uma certa humildade em aprender e reconhecer que a pluralidade e diversidade cultural no mundo é vital. Que não fechemos os olhos diante de apagamentos etnicoculturais que são normalizados pelo mundo”, afirma.
Ao romper fronteiras com uma história enraizada em saberes orgânicos, Jefferson Costa reafirma que não existe apenas uma forma de ser herói e que, sim, o mundo do Superman também pode ser temperado com um tiquinho de brasilidade.
Com 216 páginas, o encadernado Superman: O Mundo chega em território brasileiro pela Panini no dia 28 de junho.

Enquanto Superman: O Mundo explora a pluralidade global do herói, é em Superman Sem Limites que o gaúcho Rafael Albuquerque encontra o personagem por outra perspectiva: mais lúdica, mais desafiadora e, principalmente, mais fantástica com a presença de vilões clássicos em uma corrida armamentista ao redor da única fraqueza do Kriptoniano.
Conhecido pelo premiado Vampiro Americano, obra que lhe rendeu os prêmios Eisner e Harvey, Rafael promete trazer uma dose extra de criatividade ao projeto. “A nova série apresenta histórias de proporção cósmica, muito menos realistas do que as últimas versões do Superman, e certamente em sintonia com a abordagem de James Gunn, que veremos nos cinemas em julho”, comenta o artista.
O convite para participar do projeto surgiu após o cancelamento de sua participação em Absolute Superman, devido às enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul em 2024. “Fiquei muito grato. Acredito que a DC se solidarizou com a situação e me ofereceu esse novo projeto, o que me deixou feliz e motivado.”
Mais do que o escapismo heroico, foi a proposta emocional do roteirista que fisgou Rafael. “O que me atraiu para o projeto é que Dan propõe uma história bastante pessoal do Superman, explorando seus medos, sua família e as mudanças acontecendo no mundo ao redor desse personagem tão estoico e, por muitos, considerado ultrapassado. É um quadrinho que faz esses leitores desgarrados voltarem a gostar do Superman.”
Mesmo com a afinidade temática entre os autores, o processo de colaboração não foi isento de obstáculos. “O Dan tem uma maneira muito particular de escrever, e confesso que demorei a me adaptar ao estilo dele”, relembra. “Minha abordagem sempre foi mais realista. Mas uma fala dele me fez repensar tudo: Enquanto essa visão realista e talvez desconfiada do Superman é algo com que qualquer ser humano pode se identificar, a Era de Prata representa o ponto de vista do próprio Superman. Mais otimista, lúdico e certamente mais divertido. Perceber essa ótica me desafiou, e eu gosto de desafios.”
Ao fazer parte da iniciativa “Verão do Superman”, Rafael sente que está deixando sua marca em um momento de renovação do herói. “Superman era meu herói favorito quando criança. Se alguém dissesse ao Rafael de 7 anos que ele faria parte desse evento global, ajudando a redefinir um personagem que é um verdadeiro ícone da cultura pop, ele jamais acreditaria”, conta, com emoção. “Quero influenciar as próximas gerações da mesma forma que fui influenciado e que esse legado continue por muitos e muitos anos.”
Superman Unlimited ainda não tem previsão de lançamento no Brasil.

Enquanto mais artistas brasileiros conquistam espaço nas grandes editoras, Ivan Freitas da Costa segue abrindo caminhos nos bastidores. Cofundador da CCXP, CEO da Chiaroscuro Studios e curador do Artists’ Valley, ele é hoje um dos principais responsáveis pelo reconhecimento internacional dos artistas brasileiros, tanto no mercado mainstream quanto na cena autoral.
Ao comentar sobre ações recentes envolvendo a marca Superman no Brasil, Ivan explica que, por enquanto, está confirmada apenas “uma ativação no MIS para crianças, que têm Superman como tema e conta com aprovação da Warner”. Ele também lembra de uma ação para licenciados da Warner, que contou com a criação de um pôster exclusivo do novo filme do Homem de Aço, ilustrado pelo artista Rafael Albuquerque, responsável pela arte da revista Superman Unlimited. “Há outras iniciativas em discussão, mas ainda sem confirmação”, sinalizando que o fortalecimento da presença do Superman no Brasil pode ganhar novos capítulos em breve.
Segundo Ivan, o avanço dos brasileiros no mercado externo não é novidade, mas vem ganhando contornos ainda mais relevantes. “O que temos visto nos últimos anos é uma presença cada vez maior deles em um território onde antes não se destacavam tanto: o das premiações”, afirma. “Somente nos últimos anos, vimos brasileiros vencendo prêmios importantes com obras autorais, como Eisner e Angoulême. Quanto ao Eisner, inclusive, tem sido raro não haver brasileiros competindo em alguma categoria.”
Esse crescimento, ele reforça, está diretamente ligado à percepção global sobre a qualidade da produção nacional. “O que se observa é o trabalho brasileiro sendo reconhecido lá fora como uma produção de alto nível, capaz de competir nesses prêmios tão disputados.”
Parte fundamental dessa transformação passa pela CCXP, considerada a maior feira geek e de cultura pop do mundo, que tem atuado como elo entre o Brasil e o mercado global. “Um evento do porte da CCXP, que tem relevância internacional, conta sempre com a presença de artistas e editores estrangeiros que vêm ao evento não apenas para promover seu trabalho, mas também para conhecer artistas locais”.
A participação frequente de editores estrangeiros no evento tem aberto portas concretas para novos talentos. “Nas edições da CCXP, são comuns as sessões de análise de portfólio feitas por headhunters de grandes editoras internacionais”, complementa. No coração da feira está o Artists’ Valley, que evoluiu do formato original Artists’ Alley para se tornar o maior espaço dedicado a artistas independentes da América Latina e do Hemisfério Sul. “Esse tipo de intercâmbio só é possível porque temos um evento desse porte no Brasil, que acontece regularmente e atrai atenção internacional.”
Atento às transformações do mercado e às novas gerações, Ivan aposta em nomes que devem ganhar ainda mais visibilidade no exterior nos próximos anos. “Netho Diaz é um brasileiro que acaba de integrar o grupo Stormbreakers da Marvel Comics, que reúne artistas que a editora acredita que serão os próximos grandes nomes dos quadrinhos”. Ivan também aposta no quadrinista Vitor Cafaggi, cocriador de Turma da Mônica: Laços. “Ele deve conquistar mais reconhecimento lá fora muito em breve”, afirma.
Ele também ressalta a força da produção autoral brasileira. “Pedro Cobiaco produz quadrinhos de altíssimo nível desde a adolescência e já começa a participar de projetos no exterior. Já o Gidalti Jr., que é bastante celebrado no Brasil, está merecendo maior espaço nos mercados estadunidense e europeu, a exemplo do que já aconteceu com nomes como Marcello Quintanilha, Marcelo D’Salete e Fido Nesti, e espero que isso aconteça muito em breve.”
No fim das contas, o Superman pode até ter vindo de Krypton, mas é no mundo e no Brasil que ele encontra novas camadas de significado. Seja nos traços de Jefferson Costa, na imaginação de Rafael Albuquerque ou na articulação de Ivan Freitas da Costa, o herói ganha novas formas, vozes e sentidos. Em cada uma dessas contribuições, há um lembrete: o futuro da cultura pop se escreve a muitas mãos, com sotaques diversos e olhares plurais. E o Brasil, com sua criatividade única, está no centro dessa construção. Afinal, ser super é também ser coletivo. E nesse novo mundo do Superman, tem muito do nosso por vir.