Por Alexandre Santini*

As eleições presidenciais no Peru e no Equador, realizadas em meio à pandemia e à escalada de casos e mortes pela COVID-19 nos dois países, aconteceram neste último domingo, 11 de abril. No Peru, a votação de domingo foi o primeiro turno eleitoral e no Equador, o segundo turno.

Os resultados apurados nas urnas são diferentes do que se projetava nas últimas semanas. No Peru, onde a fragmentação do quadro político tornava o resultado imprevisível, a grande surpresa foi a chegada em primeiro lugar do candidato de esquerda Pedro Castillo, que deverá disputar o segundo turno com a populista de direita Keiko Fujimori.

No Equador, outra reviravolta: a vitória em segundo turno do banqueiro multimilionário Guillermo Lasso, em uma virada sobre Andres Arauz, candidato apoiado pelo ex-presidente Rafael Correa, identificado com o progressismo latino-americano, e que havia chegado na frente de Lasso no primeiro turno.

Peru: “Não mais pobres em um país rico” 

Pedro Castillo, candidato por Peru Libre, é um professor de escola rural e sindicalista da região de Cajamarca. Representa um “Peru profundo” que emergiu das urnas em surpreendente primeiro lugar na primeira volta eleitoral. Assenta sua plataforma em um discurso de esquerda, em um chamado aos movimentos sociais de base e defende a convocação de uma assembleia nacional constituinte “con sabor y olor a Pueblo”.

Sua candidatura conseguiu captar o sentimento anti-sistema das classes populares no interior do país e nas zonas periféricas de Lima, e na reta final arrebanhou votos de Veronika Mendoza, de Juntos por El Perú, que há algumas semanas parecia  a candidata de esquerda com mais chances de chegar ao segundo turno. A campanha de  Veronika teve amplo apoio da juventude, setores médios urbanos, estudantes, artistas e intelectuais.

Mas, à luz dos resultados do primeiro turno, foi Castillo que conseguiu falar ao eleitor mais humilde, com um discurso  mais próximo à linguagem do povo, em que articula as pautas históricas da  esquerda – saúde, educação, habitação – com um contundente discurso de combate à corrupção, à criminalidade e – paradoxalmente- uma agenda conservadora em temas relacionados como aborto, diversidade sexual, etc.

Em um país omdehá décadas se constrói um imaginário político em que a esquerda é associada ao grupo terrorista Sendero Luminoso e ao conflito armado interno que deixou um saldo de mais de 30 mil mortos,  Castillo precisa conseguir superar o quadro de fragmentação política e construir uma ampla unidade em torno de sua candidatura, que consiga atrair outros setores, especialmente entre as camadas médias urbanas de Lima.

Tem como elemento a seu favor a altíssima rejeição de Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, eleito  no início dos anos 90 e que promoveu um governo ditatorial, com prisões, perseguições políticas e fechamento do congresso,  tendo sido julgado e condenado posteriormente, chegando a fugir para o Japão. O Fujimorismo, embora ainda tenha uma base sólida no país, enfrenta a rejeição de amplos setores da sociedade peruana. Capturar este sentimento de rejeição em prol de sua candidatura será o grande desafio de Castillo no segundo turno a ser disputado daqui a 2 meses.

Equador: abstenções e votos nulos entregam o poder à direita neoliberal

No segundo turno do Equador, foi altíssimo número de votos nulos e abstenções, que chegaram a mais de 1/3 do eleitorado, revelando um país dividido e que em grande medida rejeitou as 2 opções disponíveis na última etapa eleitoral.

No primeiro turno, Andres Arauz chegou em primeiro lugar com ampla vantagem sobre os 2 outros postulantes principais, Guillermo Lasso e Yaku Perez, que travaram uma disputa renhida pela segunda vaga. Perez, representante do movimento indígena Pachakutik, optou por convocar o voto nulo no segundo turno, que chegou a 1.600.000 votos nesta etapa, fora as abstenções na mesma proporção.

A diferença entre Arauz e Lasso no segundo turno foi de pouco mais de 400 mil votos. A divisão inconciliável entre as candidaturas progressistas de Andres Arauz e Yaku Perez entregou a eleição para Guillermo Lasso, um candidato conservador e de corte neoliberal.  Um grande retrocesso político para o país, que encerra o ciclo da “revolución ciudadana” iniciado em 2008 com a eleição de Rafael Correa.  Seu sucessor, Lenin Moreno, eleito em 2017, já havia rompido com Correa, adotando um programa de traição nacional, avesso aos avanços sociais, econômicos e culturais que caracterizaram a década anterior.

Ao mesmo tempo, a derrota do “Correismo”, representado na candidatura de Andres Arauz remonta às divergências que foram se acumulando ao longo dos anos entre os apoiadores de Rafael Correa e o forte movimento popular indígena do Equador, especialmente a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) e o partido/movimento  Pachakutik. Correa, hoje em auto-exílio na Bélgica, também é vítima de  “lawfare”, e sofre uma perseguição judicial e midiática tão ou mais forte que a enfrentada pelo ex- presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores no Brasil.

Com trajetórias opostas e reviravoltas na reta final, as eleições no Peru e no Equador apontam para profundas transformações e incertezas quanto ao futuro em ambos os países. Para nós, fica a lição de que só a unidade do campo popular poderá garantir vitórias eleitorais que inaugurem um novo ciclo do progressismo latino-americano.

*Alexandre Santini é gestor cultural e escritor. Mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF.  Atualmente é Subsecretário das Culturas de Niterói, professor convidado em cursos de pós-graduação da FLACSO (Argentina), Universidad Andina Simón Bolívar (Equador), fundador e docente da Escola de Políticas Culturais (EPCult). 

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