O enfurecido coronavírus fechará as operações da Bolsa de Nova York nesta segunda-feira, depois que os funcionários testaram positivo para a doença. Foto: Luiz Roberto Lima ANB / Pacific Press

Por Um Príncipe do Gueto, de Nova York, à Mídia NINJA

Nas últimas semana temos acompanhado nos EUA e no Brasil um aumento na pressão sob os governos pela flexibilização do isolamento social, inclusive algumas cidades já começaram a reabrir o comércio. O discurso de parte da (extrema) direita americana afirma que, dado os milhões de desempregados, faz-se necessário colocar em risco vidas pelo um bem maior: a recuperação da economia.

Na prática, isso significa que uma parte da sociedade tem o poder para controlar a exposição da população ao Covid-19. Na outra parte, estão aqueles que serão forçados a escolher entre o risco iminente de contrair o coronavírus ou a devastação financeira e miséria.

Essa situação irá expor ainda mais as entranhas das desigualdades entre ricos e pobres, entre negros e brancos. O afrouxamento da quarentena força as pessoas a fazerem uma escolha cruel entre ficar saudável dentro de casa ou colocar a vida em risco mas ter uma fonte de renda.

As pessoas que têm ótimos salários, nível superior e podem trabalhar de casa não irão se expor na mesma proporção que o trabalhador comum como nos empregos em supermercados, shoppings e etc.

Me parece que, para algumas correntes ideológicas, há vidas que valem menos do que outras. Por exemplo, segundo o jornal The New York Times o governador Andrew Cuomo editou uma ordem que as pessoas com estados mais graves de coronavírus fossem levadas para o hospital com menos estrutura, o Hospital Universitário do Brooklyn.

O Hospital Universitário do Brooklyn foi criado 1963 – com capacidade para atender 66 mil pessoas por ano. Atualmente, a unidade atende por ano mais de 220 mil. No hospital faltam equipamentos médicos, em “umas das unidades de UTI os pacientes de Covid-19 são separados por lonas plásticas e fitas adesivas”, há infiltração de água, canos corroídos, faltam profissionais de saúde, em contraste com os “hospitais mais ricos e mais influentes” que conseguiram angariar fundos e melhorar suas condições de tratamento – principalmente os localizados em Manhattan. O Hospital Monte Sinai, que além de já contar com equipamentos de ponta, tem melhor infraestrutura  – ainda recebeu doação do bilionário Warren Buffett, mesmo tendo recursos de sobra.

Essa é uma decisão clara que define quem vai viver ou morrer durante a pandemia.

Olhando para os seus familiares, quais deles você seria capaz de abrir mão para ajudar a retomar a economia da sua cidade?

É essa a pergunta que devemos nos fazer, já que até o momento não existe a possibilidade de reabertura sem implicar em mortes de pessoas. Não há uma linha segura para isso até o momento. Levar as pessoas a acreditarem que não há riscos é criminoso.

Muitos governos estão tomando essa decisão baseada na diminuição da arrecadação de impostos ou olhando para as próximas eleições.

A economia se encontra em um coma induzido, ela pode ser reanimada, mas uma vitima fatal não.

Hoje apenas a criação de uma vacina erradicaria a ameaça do coronavírus. Qualquer medida de reabertura neste momento, significa que estaremos decidindo direta e indiretamente sobre a vida – talvez não das nossas – mas as de outras famílias.

Questionado sobre a reabertura dos Estados Unidos, o presidente Donald Trump diz que “nenhuma morte é aceitável”. Mas as suas ações não têm demonstrado isso, pressionando os estados para que a economia volte a funcionar.

O discurso sobre o relaxamento da política de isolamento e da retomada do comércio em alguns estados nos EUA tem gerado dúvidas entre a população sobre a real necessidade da quarentena. Em 26 de abril, algumas praias estavam bastante movimentadas na Califórnia. No Brasil também não é muito diferente, haja vista os discursos do presidente Jair Bolsonaro em prol da reabertura do comércio com a justificativa de que o “país não pode ficar parado”. Como consequência, as pessoas passaram a quebrar a quarentena em meio a uma das maiores pandemias do século XXI. Essa flexibilização voluntária da população vem em consonância com algumas correntes e discursos de líderes, que começam a forçar uma possível reabertura.

Reabertura em New York

No estado de New York, o governador Andrew Cuomo disse que se o número de internações e contaminação por Covid-19 continuarem em queda, a partir do dia 15 de maio a quarentena poderá começar a ser flexibilizada de forma gradual.

O plano de reabertura de New York teria início com as empresas e indústrias essenciais e mais afastadas das áreas centrais de grande circulação de pessoas.

Em uma de suas coletivas diárias, Cuomo questionou os telespectadores: “Como você vai proteger nosso povo?” “O que você fará de diferente com seus funcionários? Como é o espaço físico quando você reabre neste “novo normal”? Qual é o acesso? Qual é a exposição? Como você move as pessoas?”.

Teremos que encontrar um caminho para abrir a economia apesar do coronavírus, mas sem colocar vidas em risco ou, talvez, sejamos forçados a viver num mundo distópico, no qual o coronavírus faça parte da nossa realidade. O isolamento tem sido desafiador, mas a reabertura será extremamente mais difícil.

Quais as medidas certas para reabrir?

A Think Tank, Centro para a Ética Edmond J. Safra da Universidade de Harvard, com o apoio da Fundação Rockefeller lançaram no último dia 20/04, um relatório denominado “Roteiro para a resiliência pandêmica” – buscando traçar diretrizes para a reabertura da economia americana. O grupo contou com representantes dos partidos republicano e democrata além de especialistas em economia, saúde pública, tecnologia e ética de todo o país.

Entre as principais recomendações do relatório está a necessidade de realizar pelo menos 5 milhões de testes por dia até o início de junho a fim de garantir uma abertura que eles denominam “social segura”. O número de testes precisará aumentar para 20 milhões por dia até meados do verão, segundo a Think Tank.

Além dos milhões de testes, os especialistas defendem que é fundamental o acompanhamento dos pacientes através de tecnologia de rastreamento. Monitorando o desenvolvimento e agravamento da doença, bem como pessoas que estiveram em contato com o indivíduo com a Covid-19.

O Google e a Apple anunciaram juntas que estão desenvolvendo uma tecnologia através de bluetooth que alerta o usuário a proximidade com alguém diagnosticado com Covid-19. Uma das maiores preocupações do grupo é o aumento da vigilância e a invasão da privacidade dos indivíduos, embora essa política de rastreamento já tenha sido utilizada pela China e pelos EUA durante a H1N1.

Assim, segundo os experts, a reabertura da economia em fase gradual depende da aplicação de testes, rastreamento dos doentes e de seus possíveis contatos, além da disponibilidade de EPI em massa para todos os americanos – esse conjunto de medidas “evitará ciclos de abertura e fechamento”, disse Anne-Marie Slaughter, CEO da New America. “Isso nos permite mobilizar… proteger nossos trabalhadores da linha de frente e conter o vírus a níveis em que ele possa ser gerenciado e tratado efetivamente até que encontremos uma vacina.”

O relatório também diz que é fundamental “oferecer suporte ao isolamento dos que testam positivo para Covid-19. Para ter sucesso, o isolamento deve ser apoiado com proteção do emprego, suporte de recursos – incluindo pacotes de cuidados, entregas de mantimentos  e serviços de saúde necessários”.

Não dá para abrir de qualquer jeito

Alguns defendem uma abertura total dos comércios e restrição somente dos que estão contaminados. A questão é que a testagem no mundo ainda está muito aquém do necessário para se criar algum tipo de política de flexibilização ou abertura.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse que, para flexibilizar a quarentena, o número de “testes positivos devem estar entre 3% e 12%”. Nos EUA, hoje, a média dos resultados positivos para Covid-19 está em 20%.

De acordo com o Imperial College de Londres, o Brasil tem o maior índice de contaminação do mundo. De cada 1 contaminado, há contaminação de mais 3 -, segundo a Centro MRC de Análise Global de Doenças Infecciosas. Nos Estados Unidos, por exemplo, de cada 1 contaminado, se contamina 1,04. Uma taxa de contaminação muito menor do que a do Brasil.

Embora o Brasil esteja algumas semanas à frente dos EUA, a contaminação tem aumentado agressivamente.

Essa urgência de reabertura do comércio no Brasil sem um plano sério de ação  levará o país a colapsar sua rede de saúde muito mais rápido do que se imagina, além de aumentar o números de mortos, tornando inevitável  um novo isolamento total.

Mas quanto tempo conseguimos manter nossas famílias trancadas em casas?

É sabido que políticas de confinamento e distância social são extremamente caras e difíceis de manter por um longo período de tempo e, portanto, não são viáveis a médio e longo prazo. Essa preocupação é real.

É muito importante ter muito claro que, qualquer que seja a decisão de uma abertura – gradual ou não -, isso custará vidas pois estamos lidando com um inimigo invisível e desconhecido. Não se vence o coronavírus com discursos e bravata, mas com ciência, testes em massa, tratamento adequado, investimento e apoio às populações mais pobres e vulneráveis.

Segundo o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom “a forma mais eficaz de salvar vidas é quebrar a cadeia de transmissão. E, para fazer isso, é necessário testar e isolar. Não conseguiremos parar a pandemia se não soubermos quem está infectado.”

 Qual é o número aceitável de mortos para restaurar a economia?

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