Predação dos recursos públicos, falta de transparência, custo alto aos usuários e autoritarismo

Por Camila Lisboa*

As empresas privadas de trem e metrô são mais caras aos cofres públicos do que as empresas estatais. Na distribuição dos recursos do Bilhete Único, as privadas recebem quatro vezes mais recursos do que as estatais. A Via Quatro (Grupo CCR) e a Via Mobilidade (Grupo CCR e Grupo Ruas) receberam 1 bilhão do governo estadual para reposição das perdas da pandemia. Metrô e CPTM não receberam nada. O projeto para privatização da Sabesp define que parte do dinheiro da venda desta empresa pública será destinada ao operador privado que assumi-la. Não há qualquer economia para o Estado.

Trata-se de um padrão das privatizações no estado de São Paulo. Um padrão predatório que questiona um dos principais pilares do discurso privatista, o de que as privatizações permitem maior economia dos recursos públicos.

A falta de transparência também é marca da conduta privatista. Todos os salários dos trabalhadores das empresas estatais podem ser consultados no Portal Transparência. Aonde a sociedade paulista pode consultar o salário dos dirigentes das empresas que operam as linhas privadas de metrô e trem? Dado que parte do faturamento dessas empresas vem dos cofres do Estado, ou seja, do dinheiro dos impostos pagos pela população e do dinheiro das passagens, por que o povo paulista não pode conhecer esses valores?

SP está traumatizada pelas privatizações. O apagão da ENEL deixou mais de 2 milhões de residências sem energia elétrica, milhões de pessoas perderam alimentos estragados e o setor de comércio e serviço perdeu mais de 1 bilhão de faturamento bruto. Desde que a operadora italiana ENEL assumiu o lugar da AES Eletropaulo, em 2018, a empresa tornou-se a vice-campeã em reclamações no Procon. A Via Mobilidade é responsável pelos últimos 13 descarrilamentos de trem e metrô ocorridos: 12 nas linhas 8 e 9 e 1 na linha 5. Em 2022, ocorreu 1 falha nos trens das linhas 8 e 9 a cada 3 dias. Esses fatos deveriam, como mínimo, problematizar o discurso de que a iniciativa privada é mais eficiente. Ela tem significado alto custo aos usuários.

Apagões, descarrilamentos, opinião pública crítica, greves e derrota eleitoral na cidade que será mais afetada pelas privatizações não mudam a visão do governador, que prefere acionar dispositivos autoritários para lidar com o debate.

No último dia 28, assistimos a declarações bizarras. A ideia de que a vitória eleitoral deve calar a população por quatro anos é absolutamente estranha à democracia. Os tempos de mordaça já foram superados. Todas as pessoas e instituições que prezam pela liberdade de expressão e manifestação deveriam repudiar essa ideia e não reproduzi-la.

No dia 8/11, o TRT julgou a greve dos trabalhadores da Sabesp do dia 3/10 e, por maioria de votos, declarou a greve como não abusiva. Uma decisão embasada na defesa do artigo 9º da Constituição que assegura o direito de greve, no momento e pelos motivos que os trabalhadores julguem necessários. Ainda não houve julgamento da greve dos trabalhadores do transporte, mas todos sabem que metroviários e ferroviários realizaram a mesma greve, no mesmo dia, pelos mesmos motivos. Ao declarar-se sobre a greve do dia 28, o governador deveria considerar as decisões já tomadas. A última decisão do TRT não considera que a greve é “abusiva” e “ilegal”, como repetiu reiteradas vezes o governador. Por que tamanho desprezo pela Justiça do Trabalho? O governador também considera que sua vitória eleitoral o colocou acima de qualquer poder, norma, leis, instituições?

O governador e dirigentes do Metrô e CPTM acreditam que podem intimidar e assediar moralmente os trabalhadores, passando por cima de qualquer princípio de relações democráticas de trabalho? O desconhecimento ou desprezo do governo e desses dirigentes sobre a Justiça do Trabalho e sobre a Constituição do país não anulam a sua existência e sua importância.

O privatismo está questionado pelos fatos da realidade e pela indignação de milhões de pessoas que são fortemente afetadas pela transformação de direitos em fonte de lucro. As corporações privadas e o poder executivo recusam desde sempre os termos desse debate. É difícil observar nessa conduta intransigente e truculenta algo além do próprio interesse.

*Camila Lisboa é presidenta do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

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