Coletivo de judeus defende Lula: “Nos posicionamos contra o genocídio do povo palestino”
Para o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben as acusações contra Lula são injustas e motivadas pela defesa que o governo brasileiro tem feito da criação imediata de um Estado Palestino
O coletivo “Vozes Judaicas por Libertação” emitiu uma carta de apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na última semana, durante uma entrevista coletiva na Etiópia, Lula comparou o atual conflito na Faixa de Gaza ao genocídio perpetrado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. As palavras do ex-presidente provocaram reações acaloradas, incluindo uma declaração do ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, que rotulou Lula como “persona non grata” no país. Como resposta, o governo brasileiro chamou o embaixador de Israel no Brasil para consultas.
O coletivo judaico, entretanto, expressou solidariedade a Lula, destacando a importância de sua fala em chamar a atenção para a gravidade da situação em Gaza. Em sua carta, o grupo ressalta que é impossível hierarquizar genocídios e que cada comunidade afetada por tais atrocidades possui uma história única e dolorosa. De acordo com os mais recentes levantamentos, cerca de 30 mil pessoas, incluindo mulheres e crianças, foram assassinadas pelo exército israelense.
Os membros do coletivo também reconhecem a complexidade da situação, observando a dolorosa contradição de o povo judaico ter sido vítima do Holocausto e, agora, estar associado a ações que resultam em sofrimento para os palestinos. Eles enfatizam que seu “imperativo ético” é se posicionar contra o genocídio do povo palestino e rejeitar qualquer tentativa de usar a defesa do povo judeu para justificar tais ações.
Além disso, a carta destaca a importância das palavras de Lula em levantar questões urgentes sobre a situação em Gaza e chamar a atenção para a necessidade de ação internacional. O coletivo expressa apoio a Lula contra o pedido de impeachment protocolado por deputados bolsonaristas, classificando o processo como “descabido” e rejeitando as acusações de antissemitismo, argumentando que o verdadeiro objetivo é deslegitimar o governo brasileiro.
Por fim, o grupo insta ações concretas, como a ruptura das relações entre o Brasil e Israel, especialmente no âmbito militar, como forma de repudiar as ações que consideram barbáricas e que contribuem para o sofrimento do povo palestino.
Para o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, as reações contrárias à declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lembrou das mortes de judeus na Segunda Guerra Mundial ao falar da ação de Israel em Gaza, são injustas e motivadas pela defesa que o governo brasileiro tem feito da criação imediata de um Estado Palestino.
“Essa campanha [contra Lula] iniciou, indiretamente, porque Lula está defendendo um reconhecimento imediato do Estado da Palestina como membro pleno da ONU [Organização das Nações Unidas]. Isso é o que está por detrás de toda esta campanha, e Netanyahu falou bem categórico que não vai aceitar a existência de um Estado palestino”, afirmou Alzeben, em entrevista à Agência Brasil.
Para o embaixador palestino, como o governo de Israel rejeita essa solução, ele tem atacado o presidente Lula. “Ele [Netanyahu] não vai aceitar nenhuma intervenção de uma influência exterior. Ele não quer negociar com os palestinos. Ele está matando os palestinos e não quer que ninguém intervenha nesse assunto”, concluiu.
Leia o comunicado na íntegra
Dando um passo além nas contínuas denúncias dos crimes cometidos por Israel contra os palestinos, o presidente Lula causou furor ao fazer uma comparação entre o que ocorre hoje em Gaza e o que Hitler fez com os judeus durante o nazismo.
A comparação entre genocídios é sempre delicada pois a experiência vivenciada por cada povo afetado é inigualável. Cada um representa uma narrativa singular e dolorosa na história das comunidades vitimadas. Logo, não há como estabelecer qualquer hierarquia entre genocídios. É impossível estabelecer uma métrica objetiva para determinar o ‘pior’ genocídio da história. Categorizar historicamente vítimas maiores ou menores é uma perigosa armadilha de reprodução de racismo.
A contradição de o povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós. Uma comparação que causa muita dor a judias e judeus de todo mundo, que tiveram as suas vidas cindidas pelo genocídio dos judeus na Europa, e agora veem um crime similar sendo cometido, supostamente em seu nome. Enquanto coletivo de judias e judeus, temos antepassados que foram vítimas do Holocausto nazista, e entendemos que nosso imperativo ético é nos posicionarmos contra o genocídio do povo palestino e contra a utilização da nossa defesa como justificativa.
Se a criação e fundação de um Estado judaico foi uma medida de sobrevivência num mundo sitiado, ela logo se tornou um pesadelo. O Estado de Israel não trouxe emancipação verdadeira aos judeus pois a sua existência é mantida às custas da negação da autodeterminação dos palestinos. As lideranças israelenses seguem promovendo um massacre contra palestinos e ainda ameaçam a vida de judeus e judias em todo o mundo. Israel representa hoje a maior fonte de insegurança para todos os judeus do planeta ao usar nossa identidade como fachada e justificativa para sua campanha de terror.
Por isso, defendemos e acreditamos que as palavras de Lula são de grande importância pois levantam questões relacionadas à urgência da ação, como um chamado definitivo dirigido a todos para agir diante do que ocorre em Gaza neste momento. Frente à incapacidade da ONU e de várias organizações internacionais em conter a violência perpetrada por Israel em Gaza, destaca-se a importância vital da postura demonstrada por líderes internacionais como Lula, que levantam suas vozes contra o que é já considerado por incontáveis especialistas como um genocídio contra o povo palestino.
As palavras têm poder. Se a forma como Lula se expressou na ocasião foi pouco cuidadosa – tropeçando justamente neste ninho de comparações forçadas – sua fala tem o objetivo de atingir a imaginação e provocar uma crise moral sobre Israel. O pedido de impeachment protocolado pelos deputados bolsonaristas é uma medida descabida, assim como as acusações de antissemitismo – cujo real objetivo é deslegitimar o governo e a diplomacia brasileira. Não acreditamos que judeus brasileiros estão em risco por causa de sua declaração.
Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática. Seria um gesto diplomático de relevância gigantesca romper todas as relações entre o estado brasileiro e Israel, em especial as relações militares que também fortalecem a barbárie em terras brasileiras, com a compra de armas e tecnologias de controle social que são usadas para atingir a vida do povo negro nas favelas. Convocar o embaixador brasileiro em Tel Aviv foi um passo ainda insuficiente nessa direção.