Colégios agrícolas no estado do Rio de Janeiro – uma tradição que desaparece
Eliana Conde Barroso Leite para Mídia NINJA Os tradicionais colégios agrícolas do estado do Rio de Janeiro vem fechando ano após ano. Dos quatorze existentes na década de 80, restam apenas seis. Estas escolas foram paulatinamente desativadas acompanhando o declínio da produção agropecuária, a crescente atratividade da indústria do petróleo sobre os jovens estudantes e […]
Eliana Conde Barroso Leite para Mídia NINJA
Os tradicionais colégios agrícolas do estado do Rio de Janeiro vem fechando ano após ano. Dos quatorze existentes na década de 80, restam apenas seis.
Estas escolas foram paulatinamente desativadas acompanhando o declínio da produção agropecuária, a crescente atratividade da indústria do petróleo sobre os jovens estudantes e a falta de diversificação econômica dos municípios.
O caso do colégio Rego Barros, de Conceição do Macabu, na região norte do estado, é emblemático. Foi fechado em 2012 com o argumento de que a procura pelo curso Técnico de Agropecuária diminuíra muito em função da atração dos jovens por cursos relacionados à indústria do petróleo em Macaé. O colégio foi municipalizado e deu lugar à uma creche. A escola se situava numa grande fazenda com reserva florestal, numa área adequada às ciências agrárias.
A fala de Maria Aparecida de Oliveira Freitas, ex professora, é contundente:
“Os jovens mais pobres, filhos de sitiantes, pequenos pecuaristas, agricultores, aclimatados em ambientes rurais, ficam deslocados. Vivi isso e foi o que mais me incomodou. Sabia que mais uma vez, aquelas crianças e jovens estavam sendo sacrificados, deixando suas raízes e a presença dos pais, pois teriam de procurar uma escola central. Hoje funciona uma creche lá. Cheia de crianças. Fico feliz por estarem aproveitando o espaço. Nada contra! Mas…poderia ter os dois. Os jovens da cidade que poderiam estar frequentando a escola, ficam na rua, ociosos, portanto, em risco social, de marginalização, porque agora já não há mais escola, está fechada!”
Os jovens da cidade que poderiam estar frequentando a escola, ficam na rua, ociosos, portanto, em risco social, de marginalização, porque agora já não há mais escola, está fechada!
Esta antiga rede de quatorze escolas foi denominada Programa Corredor Agrícola e articulada pelo professor Arnaldo Niskier, que no ano de 1983 foi Secretário de Educação e Cultura. Esta rede interligava as bacias leiteiras de Itaperuna com o cinturão verde em Nova Friburgo, passando por Teresópolis, Valença, Campos e mais oito municípios com aptidão agropecuária. O programa estava pautado na linha do combate à exclusão e possibilitou novos projetos nas áreas rurais. Esta política foi fundamental para o desenvolvimento do ensino agrícola no estado.
No transcorrer da década de 80 as escolas entraram em decadência, dentro de um cenário neoliberal de redução do custeio da educação pelo estado.
Algumas das escolas agrícolas foram federalizadas e transformadas em Institutos Federais (IFes), como é o caso da Escola Agrícola de Cambuci.
As escolas exclusivamente agrícolas que resistiram ao desmantelamento se situam nos municípios de Magé, Friburgo, Itaperuna, Teresópolis e Valença. Todas são administradas pela Secretaria Estadual de Educação. Em Campos existe a Antônio Sarlo, que passou há alguns anos para administração da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia.
A educação agrícola é estratégica para a permanência dos jovens no campo. Essa permanência depende dos laços sociais e outras referências do indivíduo. Em geral, o êxodo ocorre pela procura de melhores oportunidades de trabalho ou educação formal e pela baixa atração do meio rural em relação ao urbano, em termos de lazer, esporte e cultura.
O ensino agrícola é importante também por ser espaço para a difusão da agroecologia, que envolve o tripé ciência, prática e movimento social. A agroecologia representa uma estratégia para a sobrevivência da humanidade, ao proteger saberes e patrimônios genéticos locais, a agricultura familiar socialmente inclusiva, ambientalmente saudável e inócua à saúde humana.
Entretanto, o ensino da agroecologia ainda é muito incipiente. Existem no estado apenas dois cursos Técnicos em Agroecologia. E dos onze cursos de Agropecuária que ainda restam, apenas cinco possuem a disciplina Agroecologia em sua grade curricular, incluindo a escola agrícola municipal Nilo Batista, em Cabo Frio, que atende a uma comunidade quilombola.
Sobre essa inserção da agroecologia como disciplina obrigatória nos cursos, a doutora em Agroecologia professora Cláudia Fortes, da Secretaria Estadual de Educação, informa que há um “engessamento” da matriz curricular e que a estratégia para ensinar a agroecologia como tema só pode ocorrer através da disciplina de Agricultura. Portanto, é preciso haver a intenção de cada professor e gestor para promover a agroecologia nos cursos, não se tratando ainda de uma política de educação.
Uma referência importante é o Centro Familiar de Formação por Alternância (CEFFA) Colégio Agrícola Rei Alberto I, em Nova Friburgo, que oferece o método da Pedagogia da Alternância aos filhos de agricultores familiares e demais famílias do meio rural. O método alterna estudo e vivência na escola, na família e na comunidade. Esta escola é uma das poucas que se encontra fortalecida.
Recentemente, dois colégios agrícolas enfrentaram uma crise, a tradicional Escola Antônio Sarlo de Campos, criada há 65 anos e o Colégio Agrícola José Soares Junior, de Itaboraí, criado há 30 anos, sendo que este último teve suas atividades paralisadas em 2016, apesar dos constantes pedidos de sobrevida em audiências públicas na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
A Antônio Sarlo aguarda a encampação pela Universidade Estadual do Norte Fluminense para não ser fechada. Segundo dirigentes da escola, a instituição está localizada entre duas comunidades, em plena área de conflito social, o que torna a sua sobrevivência estratégica. A escola passou por uma situação muito grave de penúria e abandono. Já o colégio de Itaboraí também tem uma história de luta, porém mais longa, onde o empenho e idealismo dos servidores ajudaram a manter a escola de pé até 2016. O município de Itaboraí já foi o maior produtor de laranja do Brasil e ainda possui um grande potencial agrícola, mas investiu pesadamente no setor de petróleo e gás. Com o fechamento do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj, enfrentou uma grave crise social e econômica, demonstrando a fragilidade econômica da aposta em uma única atividade.
A importância da educação agrícola vai muito além de produzir mão de obra para o setor rural. Ela possui a estratégia de possibilitar o crescimento pessoal de crianças, jovens e adultos. Colabora para erradicação da exclusão social e êxodo rural, permite a abordagem socioambiental e agroecológica, valoriza a produção local e apoia a diversificação econômica dos municípios.
O estado do Rio de Janeiro perdeu sua pujança agrícola, porém foi muito importante na construção do movimento orgânico nacional, e a reorganização do campo em torno de inúmeras e novas possibilidades poderá diminuir a dependência do petróleo. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) considera que a metade dos noventa e dois municípios fluminenses são rurais, em razão dos seus índices demográficos.
É primordial entender porque as escolas agrícolas no estado do Rio de Janeiro estão fechando ou sendo abandonadas.