Uma articulação inédita entre cientistas, artistas populares, lideranças comunitárias e parlamentares se reúne no evento Clímax Vale do Jequitinhona 2025, de 25 a 27 de julho, em Diamantina. O encontro tem como objetivo central construir soluções concretas para transformar o Vale em referência global de transição justa e de base popular.
Nos objetivos principais está a articulação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que será ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a base legal das lavras de lítio na região – dois decretos assinados por Jair Bolsonaro que invadiram competência legislativa exclusiva do Congresso Nacional. A autora da ação será a deputada federal Célia Xakriabá. O evento também prestará homenagem à ativista e cofundadora da Mídia NINJA, Marielle Ramires, com a presença de sua família.
Conforme demonstrou o CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, já em 2023, o Vale do Jequitinhonha concentrou 18 das 20 cidades que mais aqueceram no Brasil, tornando-se o epicentro nacional do calor extremo e da crise climática. Ainda assim, até hoje, nenhum órgão do Estado brasileiro promoveu uma ação coordenada ou específica voltada à redução dessa vulnerabilidade, à adaptação climática ou à construção de estratégias reais de resiliência territorial.
E é nesse cenário de abandono que os recursos vinculados à NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) do Brasil que é parte do Acordo de Paris para financiar a transição climática, finalmente chegam à região, recursos . Chegam antes do próprio Estado. Mas não chegam para mitigar os efeitos da emergência climática, não chegam para fortalecer a resiliência das comunidades ou reduzir suas vulnerabilidades históricas. Chegam para agravá-las.
Chegam sob a forma de um empréstimo de R$ 500 milhões do BNDES à mineradora canadense Sigma Lithium.Trata-se do maior contrato já celebrado na história da região. Um investimento climático que, paradoxalmente, serve para financiar o aprofundamento da degradação ambiental e o avanço de um projeto extrativista predatório que perpetua o racismo ambiental.
Esse gesto revela, com nitidez, a face real do Estado brasileiro: um Estado colonial, racista e patrimonialista, que instrumentaliza os recursos do clima – que deveriam servir ao povo e à vida – para acelerar o ciclo de destruição que a colonização não conseguiu concluir. Em vez de proteção e justiça climática, o que se oferece ao Vale é extermínio.
A mineração de lítio que avança sobre o Jequitinhonha não representa desenvolvimento, mas sim uma dose letal de degradação ambiental, concentração de renda e expulsão territorial. Os modelos vigentes não distribuem benefícios às comunidades, não reconhecem os povos do território como sujeitos de direito, mas apenas como elementos de impacto – tratados com a mesma frieza que se contabilizam árvores ou animais no EIA-RIMA.
A Sigma, que se apresenta ao mundo como “verde”, sequer menciona os impactos da mudança do clima sobre o semiárido onde atua. Ignora a desertificação, o colapso hídrico e o esgotamento dos ecossistemas. Sua operação, financiada com recursos públicos, agride a população local e agrava as violações históricas.
O Vale do Jequitinhonha é o “xis” da questão climática no Brasil. A forma como o país trata o Vale definirá qual futuro escolhemos como nação. Ou seguimos perpetuando zonas de sacrifício em nome de uma transição energética elitista e colonial, ou reconhecemos, finalmente, que não há justiça climática sem justiça territorial, racial e social.
“O neocolonialismo mineral é o mais criminoso nos cinco séculos de mineração e estupro dos subsolos da Terra em Minas Gerais. Hoje nós sofremos as consequências diretas do extrativismo na forma da tragédia climática, enquanto isso, eles agora se pintam de verde para o roubo de nossas riquezas, transformando o Vale do Jequitinhonha em um imenso cemitério climático a céu aberto…” — Célia Xakriabá, Primeira Mulher Indígena Deputada Federal por Minas Gerais.
Cortejo das Águas, Festivale 2024, durante Clímax Couto Magalhães. Foto: Eloá Souza/ Mídia NINJA
“Esta coalizão nasce da urgência. Não aceitaremos que o Vale do Jequitinhonha, epicentro da crise climática no Brasil, seja novamente uma zona de sacrifício, agora a serviço de uma transição energética que não nos inclui”, afirma Ricardo Targino, cineasta e fundador do Instituto YÉKIT. “Vamos unir a ciência da academia, a sabedoria da terra e a força da política para construir um futuro onde o povo do Vale possa viver com dignidade.
A Virada de Jogo: Ciência, Repúdio e Litígio de Alto Nível
O ponto de ruptura se deu após a publicação de uma Nota Técnica pelo projeto LIQUIT (UFMG, UFVJM, Unimontes), que apontou “inúmeras inconsistências” nos estudos ambientais da Sigma. A tentativa da empresa de censurar a divulgação da nota, ameaçando o Observatório da Mineração, provocou repúdio de mais de 25 sociedades científicas, incluindo a SBPC e a ABA.
É neste cenário que o CLÍMAX 2025 atuará para consolidar a ADI que será protocolada pela Deputada Federal Célia Xakriabá (PSOL-MG). A ação buscará anular os Decretos Federais nº 10.657/2021, nº 10.965/2022 e outras resoluções que, segundo juristas, fragilizaram a proteção ambiental em todo o país.
O encontro, organizado pela Mídia NINJA, Instituto YÉKIT e Fundação Marielle Ramires, honra o legado da ativista Marielle Ramires, que idealizou a ADI antes de falecer em abril. O evento culminará no cortejo de abertura do 40º FESTIVALE, unindo a luta por justiça climática à celebração da identidade de um povo que transformou o “Vale da Miséria” em “Vale da Vida, Verde, Verso e Viola”. O documentário “AUTOFICÇÃO”, de Ricardo Targino, registrará a formação da coalizão, transformando a arte em prova para o litígio no STF.
Sobre a Coalizão: A “Coalizão Vida, Verde, Verso e Viola, Vivos no Vale” é uma articulação multidisciplinar de comunidades, movimentos sociais (MAB, MAM), organizações (Cáritas, Conectas), cientistas (GESTA/UFMG), artistas e parlamentares, dedicada à defesa do Vale do território e seu povo.
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