Cinema trans: visibilidade e diversidade na segunda noite do Festival AudioTransVisual
O Festival AudioTransVisual, em seu segundo dia, teve como referência a palavra visibilidade.
Por Tiago Fontoura e Marcelo Mucida
FOdA – Cobertura Colaborativa
O Festival AudioTransVisual, em seu segundo dia, teve como referência a palavra visibilidade. Apresentado pela atriz Danny Barbosa e pelo ator Bernardo de Assis, com intervenções de Layla Sah, apresentadores e produtores discursaram sobre a importância do audiovisual para a visibilidade e representatividade trans. De acordo com a apresentadora, Danny Barbosa, o festival estava “garantindo que a palavra visibilidade crie e faça sentido”, e, além disso, nosso país estava “tendo a oportunidade de entender o que é visibilidade de fato”.
A noite de programação do Festival AudioTransVisual contou com a exibição de novos curtas-metragens produzidos durante o desenvolvimento da ação e, em seguida, com um debate com todes artistas realizadores para falar sobre a experiência. O Festival é resultado de um curso online gratuito (proposto durante a pandemia de COVID-19), que possibilitou a formação no audiovisual para 30 alunes trans de 13 estados diferentes do país, com o intuito de estimular, através da capacitação, novas possibilidades de protagonismo no desempenho de funções artísticas deste setor.
Entre os filmes do dia 22, estiveram:
“Bhoreal” – documentário dirigido por Bernardo de Assis que mostra um pouco da rotina da drag queen Gérvasia Bhoreal (vivida pelo professor Lorenzzo Di Padilla) ao percorrer as ruas de São Paulo durante a pandemia para distribuir comida, cobertores e abraços.
“Graça em Tempo de Pandemia” – com direção de Rhany Merces, o filme resgata lembranças da trajetória da sua mãe, Graça, através de registros feitos durante os últimos meses, em situação de isolamento social.
“A Corpa Fala” – videoarte de Gabs Torres, concebida através da captação de uma performance realizada em uma cachoeira. A obra reúne imagens, sons e movimentos para, como diz a diretora “incorporar e transmutar sua essência mais pura e sagrada”.
“Nelliel Mãe Gamer Mulher” – mais um documentário da programação, com direção de Jane Beatriz, que se propôs a pensar sobre a visibilidade das mulheres no universo gamer, a partir da história de Nelliel – primeira Head Coach brasileira de League Of Legends.
“Adão” – ficção criada por Henrique Bulhões que parte da figura de “Adão” – tido como o primeiro homem do mundo – para então refletir sobre o que é ser masculino.
“A Coisa Tá Russa” – narrativa desenvolvida por Debbs Gomes para abordar o transtorno bipolar e promover a reflexão sobre a importância de se falar mais sobre saúde mental.
Todos os filmes desta terça-feira ficarão disponíveis no canal de Youtube da Mídia NINJA até a próxima quinta-feira à noite.
Durante a realização do debate, algumas falas se somaram, reiterando também temáticas que foram trazidas no primeiro dia de Festival.
Bernardo de Assis, um dos apresentadores, abriu a conversa com a afirmação: “Para a maioria da população transgênero do Brasil, é no cinema e na televisão onde a gente vê pela primeira vez […] corpos e nossas histórias representadas. Uma referência na nossa existência. Por isso, precisamos ser vistas e vistos. Reconhecidas e reconhecidos. Assumir o protagonismo das nossas narrativas”. Bernardo observa que “para a maioria da população transgênero do Brasil, é no cinema e na televisão onde a gente vê, pela primeira vez, nossos corpos e nossas histórias representadas. Uma referência na nossa existência”.
Militante da comunidade LGBTQIA+ mineira, Rhany Merces é a atual Miss Minas Gerais Trans Plus Size (por aclamação!), e produtora e diretora do filme Graça em Tempo de Pandemia. Ela discorreu sobre a importância da militância para a criação e garantia de leis para os direitos LGBTQIA+ como, por exemplo, o direito do nome social. Questionada sobre o título de Miss, Rhany disse que nunca pensou em ser uma miss, e observou que os padrões de beleza, propostos pela mídia, são cruéis e excludentes. Rhany ressaltou que entrou no audiovisual “para mostrar a história de pessoas que lutam por seus direitos e que são invisibilizadas”.
Já Gabs Torres falou um pouco sobre o seu processo de vida e a relação com o seu trabalho ao comentar que “minha corpa fala por ser uma corpa política, que é preta, que resiste, que está viva, que sangra, e que tem beleza.” A produtora do filme A Corpa Fala trouxe exuberância e desenvoltura para falar da potência da existência das pessoas trans. “A nossa existência enquanto pessoa trans é um ato político”, afirmou Gabs. A artista também aproveitou para refletir sobre como as pessoas trans podem permanecer sãs, diante do momento de desconstrução em que estamos vivendo. Arguida sobre o sentido da palavra Corpa, Gabs questionou a forma como, em geral, as pessoas estão acostumadas a usar termos no masculino para definições e conceitos. Para Gabs é um corpo que, no caso dela, “fala por ser uma corpa política, que é preta, que resiste, que está viva, que sangra, e que tem beleza”.
Henrique Bulhões, ator e produtor pernambucano, radicado no Rio de Janeiro, apresentou sua criação, o filme Adão. Henrique falou sobre as dificuldades enfrentadas na produção do filme e mencionou as diferenças de trabalhar com o que chamou de “obra escrita” e “obra ação”. Além disso, disse que, para ele, o festival garantia, aos produtores, a possibilidade de serem “autores de nossas próprias obras”. Um comentário do artista Henrique Bulhões também completou a linha de pensamento de Gabs, quando o mesmo pontuou que acha que o que as pessoas buscam na vida é serem autoras das suas próprias obras, e isso fica muito mais deflagrado dentro da comunidade trans. Para ele, o festival trata sobre este tópico: sobre possibilitar que artistas trans possam ser autores das suas próprias histórias.
Em seguida, Jane Beatriz, gamer e produtora do filme Nelliel, falou sobre a representatividade trans no ambiente dos jogos virtuais. Jane observou que o ambiente dos jogos virtuais é marcado pela presença masculina e heterossexual, contudo, há gamers trans, buscando esse espaço: “Estamos, mas não somos vistos”, informou Jane. Jane Beatriz mencionou a sua experiência no mundo gamer e comentou sobre como passou a se interessar pelo audiovisual. Como conclusão da sua fala, ela disse que pretende se tornar um exemplo para futuras gerações.
Por fim, a produtora Deborah Gomes, mais conhecida como Debbs, do filme A Coisa Tá Russa, falou que, embora já tenha produzido outros filmes, participar do festival trouxe uma experiência única, podendo se tornar algo maior, e que seu trabalho buscou refletir sobre a importância de se falar sobre saúde mental. Debbs assinalou: “Esta foi a primeira produção que eu consegui lançar e eu estou muito feliz com ela por estar passando essa mensagem de saúde mental, ao falar sobre o transtorno bipolar.”
Algumas perguntas do público que estava acompanhando a transmissão também puderam ser respondidas através de intervenções feitas por Layla Sah.
A primeira edição do Festival AudioTransVisual segue até esta quarta-feira, dia 23, com a exibição de novos curtas e debate, a partir das 21h, no canal do YouTube e na página do Facebook da Mídia Ninja.
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