Por Maria Antônia Diniz

O cinema nacional é diverso e passou por várias transformações desde seu início, com obras que exploram as peculiaridades da identidade brasileira. No entanto, ainda não alcançou ampla consagração entre o público nacional e internacional. Para responder à pergunta e compreender sua posição atual, é necessário passear por seus contextos. 

Cena do filme “Central do Brasil” (1998). Foto: Reprodução/VideoFilmes

Primeiros passos

Se na história do cinema mundial os irmãos Lumière foram os responsáveis por dar início ao desenvolvimento da sétima arte, no Brasil o cinema se estabelece como uma janela para o mundo a partir de 1896, com a exibição no Rio de Janeiro de uma série de curtas que retratavam o cotidiano europeu. Logo após, o país começou a construir uma história cinematográfica rica e variada. 

Entre 1907 e 1910, ocorreu a estruturação do mercado exibidor no Brasil, apesar da falta de eletricidade — que dificultava a implantação de salas de cinema. A maioria dos filmes exibidos era importada, principalmente da Europa. 

Os primeiros filmes gravados no país foram documentais, sendo O Crime dos Banhados (1914) o primeiro longa-metragem. As ficções, conhecidas como filmes “posados”, eram produzidas pelos proprietários das salas de cinema do Rio de Janeiro e São Paulo.

Cena do filme “A Filha do Advogado” (1926). Foto: Reprodução/Cinemateca Brasileira

As obras brasileiras refletiam as influências do contexto nacional ao longo dos anos. Com prevalência de Hollywood durante a Primeira Guerra Mundial, o investimento em cinema era considerado excêntrico num país agrário e sem indústria cinematográfica estabelecida. Entre 1930 e 1940, o cinema nacional se sustentou principalmente por iniciativas individuais de investidores como Adhemar Gonzaga, Adalberto Almada Fagundes e Carmem Santos.

Chanchadas e o Cinema Novo

Boa parte da produção cinematográfica dos anos seguintes seguiu com iniciativas independentes. As “chanchadas” nos anos 1950 mostravam o lado hospitaleiro e cosmopolita da cidade — onde o migrante tinha vez — e o Cinema Novo nos anos 1960 evidenciava o lado mais perverso da cidade, retratando a exploração do trabalhador e a miséria das favelas como denúncia nas telas. 

Oscarito e Grande Otelo em “ A Dupla do Barulho” (1953). Foto: Reprodução/Atlântida Cinematográfica

Com seu tom cômico e musical, as Chanchadas exploravam a comédia de costumes e tipos folclóricos do Rio de Janeiro, como visto em filmes como Nem Sansão Nem Dalila (1954) e Matar ou Correr (1954) de Carlos Manga, sucessos entre o público. 

Com o esgotamento da fórmula, o cinema brasileiro foi influenciado por movimentos revolucionários. Jovens cineastas questionavam as tentativas de imitar Hollywood, passando a focar em temáticas populares com preocupações sociais e políticas em favor de uma arte autêntica.

Com o mote “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, Glauber Rocha liderou o Cinema Novo, cujo foco estava na ‘estética da fome’, inspirada em obras Neorrealistas italianas e da Nouvelle Vague francesa. Alguns dos símbolos do movimento são Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968). 

Cena do filme “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”(1968). Foto: Divulgação

Embrafilme e a crise dos anos 1980

Durante os anos 1970, devido ao golpe de 1964, o Cinema Novo passou por mudanças políticas e culturais, ressurgindo como Cinema Marginal. O governo criou o Instituto Nacional de Cinema (INC) em 1966 e a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) em 1969, para promover o cinema brasileiro e controlar o que o público interno podia assistir.

Nos anos 1980, o cinema enfrentou uma crise devido à popularização do videocassete, limitando a circulação dos filmes. Surgiu uma nova geração de cineastas, como Hermano Penna, André Klotzel, Sérgio Toledo e Eduardo Coutinho, mas seus filmes ficavam restritos aos festivais. 

Com a eleição de Fernando Collor em 1990, a Embrafilme foi desativada e o Ministério da Cultura extinto, o que prejudicou ainda mais o cinema nacional. Em 1992, apenas três filmes nacionais foram lançados nos cinemas, incluindo Perfume de Gardênia (1992), de Guilherme de Almeida Prado.

Retomada

Entre 1992 e 2003, durante o governo de Itamar Franco, o cinema brasileiro ressurgiu. A criação da Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual e a Lei do Audiovisual impulsionaram a produção nacional. Destaques desse período incluem O Quatrilho (1995), O Que É Isso, Companheiro? (1997) e Central do Brasil (1998), todos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O último também rendeu uma indicação para Fernanda Montenegro na categoria de melhor atriz (a primeira latino-americana e também a única atriz brasileira já indicada ao prêmio por uma atuação em língua portuguesa).

Cena do filme “Central do Brasil” (1998). Foto: Divulgação

Apesar da retomada ter projetado os filmes internacionalmente, o público brasileiro ainda não se sente atraído pelas próprias histórias. De acordo com a Ancine, em janeiro deste ano, os filmes brasileiros ocuparam apenas 31,3% das sessões. 

Isso reflete a baixa preferência do público por produções nacionais, considerando que os filmes entram em cartaz com base na previsão de preferência do público — determinada por uma análise de perfil realizada pela equipe de programação das exibidoras.

A luz no fim do túnel

A luta contra a dominação do mercado pelas distribuidoras estrangeiras é uma constante e os realizadores sempre estão em busca de mecanismos para atrair espectadores. Nos últimos meses, uma estratégia surpreendente cativou a atenção dos jovens: os “edits”. 

Na contramão dos filmes de longa-metragem, os ‘edits’ nada mais são do que vídeos curtos montados com cortes de obras audiovisuais, acompanhados por músicas populares e/ou falas dos próprios filmes. Eles reimaginam cenas em vídeos de até um minuto, representando uma nova forma de consumir e replicar a arte e fortalecendo o contato da Geração Z com obras nacionais.

No final de 2023, um edit de Bingo: O Rei das Manhãs (2017) postado pelo perfil @scfimoon alcançou mais de 16 milhões de visualizações no X (antigo Twitter), superando em muito o número de acessos do trailer oficial, postado no canal da Warner Bros no Brasil — que tem apenas 1.8 milhões de acessos.

O vídeo, que virou um verdadeiro fenômeno, tem cerca de 40 segundos e apresenta parte da performance de Vladimir Brichta ao som de um remix da música ‘VentureX – Get It (feat. Saint Pepsi)’, criando uma atmosfera intrigante. 

‘Lu’, o jovem paraense de 19 anos responsável pelo perfil @scfimoon — que acumula mais de 80 mil seguidores — afirma fazer os edits de filmes brasileiros com o intuito de deixar o cinema brasileiro “na boca do povo”. Para ele, os edits dão um certo ‘gás’ ao espectador, despertando o interesse pela curiosidade. 

Além de Bingo, Lu já produziu edits de Eu Sei Que Vou Te Amar (1986) — com 5 milhões de visualizações — e Cidade de Deus (2002) — com 3 milhões de visualizações, recebendo diversos comentários de usuários dizendo que procuram os filmes por causa de seus edits. 

De acordo com uma pesquisa encomendada pelo TikTok em 2023, 40% dos usuários descobriram um novo filme ou série através da rede, e 58% afirmaram ter pesquisado sobre um filme ou série depois de ver um conteúdo no TikTok. Pesquisa similar sobre consumo de filmes foi feita pelo Telecine em 2024, indicando que 54% das pessoas entre 18 e 24 anos consideram os edits nas redes sociais ao escolher um filme.

Toda essa repercussão e o crescente interesse do público mais jovem pelas obras do cinema nacional nas redes sociais, nos faz concluir o que seria quase inconcebível anos atrás: o futuro do cinema brasileiro pode estar mesmo nos segundos virais da Geração Z.