Cineastas trans estreiam festival de filmes com debate sobre representatividade
Começou nessa segunda, 21, a primeira edição do Festival Audiotransvisual, resultado de um curso de audiovisual ministrado totalmente online e gratuito, durante dois meses, para 30 pessoas trans de todo o Brasil, garantindo oportunidade de capacitação e de revelação de talentos trans do audiovisual.
Por Carla Luã Eloi e Marcelo Mucida
Mídia NINJA / FOdA
Começou nessa segunda, 21, a primeira edição do Festival Audiotransvisual, resultado de um curso de audiovisual ministrado totalmente online e gratuito, durante dois meses, para 30 pessoas trans de todo o Brasil, garantindo oportunidade de capacitação e de revelação de talentos trans do audiovisual.
O primeiro dia de programação foi marcado pela exibição dos trabalhos “Tia Iracy Futebol Clube”, “A neta de Cibele”, “Oficina do Diabo”, “À procura de Pandora” e “A hora do banho”. A estreia trouxe gêneros cinematográficos diversos e um poderoso debate com os idealizadores de cada filme.
Um debate com todes realizadores envolvides fechou a noite, contando com a participação de Layla Sah, Nicole Terra Carvalho, Caim Pacheco, Louise Xavier, Cenobitch Monroe e apresentação de Danny Barbosa e Bernardo de Assis.
Danny Barbosa abriu a conversa dizendo que “através da arte, estabelecemos um marco na história do audiovisual no Brasil, quiçá no mundo…” e este foi um dos focos do debate. Falar sobre o surgimento desta iniciativa e refletir sobre a importância da criação de um espaço como esse, para garantir o acesso e a visibilidade para pessoas trans. Danny Barbosa comentou sobre como pessoas trans sempre ocupam o lado esquecido da história e de como o festival marca a história da transrevolução. Louise Xavier complementou o discurso, dizendo que pessoas trans são capazes e podem ocupar qualquer espaço. “É só deixar a gente ter oportunidade” acrescentou Cenobitch Monroe.
Já falando um pouco mais sobre as inspirações e processos criativos e técnicos na concepção de cada obra, cada um pôde abordar os principais aspectos de concepção artística. Layla Sah, criadora do filme “Tia Iracy Futebol Clube”, documentário sobre sua própria mãe, mencionou a importância de construir uma narrativa da qual a transfobia não fosse a protagonista. “Nossa vida não é só violência, é afeto, é amor”. Ao ser questionada sobre a dificuldade de acesso de pessoas trans a oportunidades artísticas, Layla salienta “as escolhas para pessoas trans são, na maioria das vezes, de sobrevivência”.
Também retratando família, o documentário “A Neta de Cibele”, de Nicole Terra Carvalho, é inspirado pelo afeto. “Eu fui chamada de neta pela primeira vez e eu resolvi fazer um filme sobre essa relação de afeto com a minha avó. A arte é necessária no dia a dia e meu filme vai tocar, não só outras famílias, mas também a minha”, afirma Nicole.
“Oficina do Diabo” de Caim Pacheco é um experimental que, conforme Caim, traz um olhar interno de uma crise de ansiedade ou ataque de pânico. Apesar de Caim afirmar que fez a obra para por para fora sentimentos que carregava dentro de si, pode observar como outras pessoas se identificaram com a obra e conseguem se comunicar através dela.
A ficção “A Procura de Pandora”, de Louise Xavier, traz a personagem de Safira em sua rotina: trabalho, família, romance, tudo num tom extremamente descontraído. No debate, Louise argumentou que seu objetivo era trabalhar todos os pontos de sua narrativa de forma leve. Revelando uma tragédia pessoa que viveu durante as gravações, com o falecimento de seu pai, em fala emocionada Louise pede “famílias de pessoas trans, abracem a gente, porque a gente também tem sentimentos”.
Louise Xavier também refletiu sobre a ação, dizendo que “esse projeto veio para mostrar que pessoas trans também são capazes, que também podem ocupar qualquer espaço.”
Encerrando a noite, o curta “A Hora do Banho”, de Cenobitch Monroe, intenso e potente, traz imagens e verdades cruas, mas sinceras e profundas. “Foi um processo de exorcismo de uma forma metafórica, eu queria passar essa realidade, mostrar a visão da disforia de uma pessoa não binária”, disse Cenobitch sobre a construção de sua obra.
Ao final do debate, diante de dúvidas sobre como foi a jornada de aprendizado durante o curso, Danny Barbosa comentou: “dores podem ser compartilhadas, mas nós estávamos ali (na turma) para somar alegrias, para contar histórias e fazer história”. Cenobitch ainda acrescentou que “essa turma, além do audiovisual se tornou também uma rede de afeto”.
O festival traz à tona a importância da representatividade trans no audiovisual, ainda subrepresentada ou completamente apagada das grandes produções, tanto diante das câmeras, quanto atrás.
“Todos os exemplos que temos são feitos para e por pessoas cis. Quando descobrimos nossas identidades e não temos exemplos, a gente fica sem rumo. Agora nós somos os exemplos. Quantas pessoas trans você vê no seu dia a dia? A gente está lá, fazendo seu pão, fazendo suas roupas, fazendo o marketing da sua empresa, fazendo filmes, mas quase nunca falam da gente”, afirma Nicole Terra Carvalho.
Ela ainda arremata: “parem de nos matar, nos contratem para trabalhar”.
Encerrado apenas o primeiro dia, o festival ainda continua no dia 22 e 23/09 às 21h com exibição dos filmes no canal do Youtube da Mídia Ninja seguido de debate. Os filmes ficarão no ar por 48h. “Nós somos os que meteram o pé na porta. Agora, a porta está aberta para que outras meninas trans, meninos trans e pessoas não binárias possam vir dar sequência a esse trabalho”, conclui Danny Barbosa.
O afeto e as experiências de cada um também foram pontos fortes do diálogo, como pontuou Layla Sah: “nossa vida não é só violência, é afeto, é amor”.
E este foi só o primeiro dia! Ao todo, serão exibidos 17 curtas-metragens que são os trabalhos de conclusão do curso, sempre a partir das 21h, e o Festival segue até a quarta, dia 23.
Acompanhe, compartilhe e confira os filmes.