
Cine Ninja Indica: 13 títulos para homenagear o cinema documental do Brasil
Lista celebra o Dia do Documentário Brasileiro, comemorado nesta quinta-feira (7)
Por Daniel Garcês
No dia 7 de agosto celebra-se o Dia Nacional do Documentário Brasileiro, data instituída pela Associação Brasileira de Documentaristas (ABD) em homenagem ao aniversário de Olney São Paulo, um dos grandes precursores do gênero no país. A data tem como propósito dar visibilidade ao documentário como linguagem artística e política, reconhecendo seu papel essencial na construção da memória, identidade e crítica social no Brasil. Neste ano, relembramos os 89 anos de nascimento de Olney, cineasta baiano cuja trajetória foi marcada por uma profunda paixão pela sétima arte e por um compromisso inabalável com a denúncia e a resistência.
Natural de Riachão do Jacuípe (BA) e criado em Feira de Santana, Olney São Paulo começou a filmar ainda jovem, com produções amadoras que mais tarde evoluíram para obras de grande impacto, influenciadas pelo Cinema Novo. Seu filme mais emblemático, Manhã Cinzenta (1969), foi violentamente censurado pela ditadura militar, que chegou a ordenar a destruição de suas cópias. Preso e torturado, Olney teve a saúde gravemente comprometida, vindo a falecer aos 41 anos, no Rio de Janeiro, debilitado pelas sequelas da repressão. Ainda assim, sua obra resiste: uma filmografia marcada pela coragem, inventividade e pelo uso do cinema como instrumento de denúncia, enfrentamento e preservação da memória coletiva.
Ao lado de Olney, outros nomes ajudaram a consolidar o documentário como um gênero central dentro da cinematografia brasileira. Eduardo Coutinho é talvez o mais emblemático deles. Com filmes como Cabra Marcado para Morrer e Edifício Master, Coutinho revolucionou a forma de escuta e representação no cinema, criando um estilo único de diálogo com seus personagens e apostando na potência do real como narrativa. Sua abordagem humanista e seu rigor ético influenciaram gerações e ampliaram as possibilidades estéticas e políticas do documentário no Brasil.
Outra figura fundamental é Lúcia Murat, cuja obra traz um olhar contundente sobre os efeitos da ditadura militar, da desigualdade e das violências estruturais no país. Ex-presa política, Murat faz de sua vivência uma lente para narrar histórias coletivas, como em Que Bom Te Ver Viva e Uma Longa Viagem, estabelecendo pontes entre memória pessoal e memória histórica. Sua contribuição reforça o lugar do documentário como ferramenta de elaboração do trauma e de resistência à amnésia social.
Nesta semana, o Cine Ninja Indica celebra o documentário brasileiro com uma curadoria especial que reúne tanto obras e nomes fundamentais, quanto títulos contemporâneos que conquistaram projeção nacional e internacional nos últimos anos, sendo reconhecidos em festivais e premiações importantes. A seleção reafirma a vitalidade do gênero e seu papel essencial no debate das urgências do nosso tempo. Confira a lista a seguir:
Apocalipse nos Trópicos
Direção: Petra Costa
Onde Assistir: Netflix
“Apocalipse nos Trópicos”, de Petra Costa, é um mergulho perturbador na interseção entre religião e política no Brasil contemporâneo. O documentário investiga a ascensão do movimento evangélico e sua ideologia apocalíptica como força motriz por trás da chegada de Jair Bolsonaro à presidência, a produção levanta um alerta sobre os riscos de uma possível teocracia no país, ao mesmo tempo em que oferece um retrato inédito dos bastidores do poder. O documentário não apenas expõe os efeitos dessa guerra ideológica em curso, mas também evidencia os desafios de conter o avanço do fundamentalismo religioso. Ao sugerir que ignorar essa dinâmica pode trazer consequências ainda mais graves para a democracia brasileira, o documentário se estabelece como uma análise urgente, provocadora e profundamente crítica sobre o entrelaçamento entre fé e poder.
Cabra Marcado Para Morrer
Direção: Eduardo Coutinho
Onde Assistir: Telecine
No início dos anos 1960, o líder camponês João Pedro Teixeira é assassinado por ordem de latifundiários do Nordeste. Sua história começava a ser retratada em um filme protagonizado pelos próprios trabalhadores rurais, mas as filmagens foram abruptamente interrompidas com o golpe militar de 1964. Dezessete anos depois, o diretor retoma o projeto e parte em busca de Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro, e de seus dez filhos, agora dispersos pela repressão que se seguiu ao assassinato. A narrativa então se transforma: o foco passa a ser a trajetória desses personagens, que, através de memórias e imagens de arquivo, reconstroem o drama vivido por uma família camponesa ao longo dos duros anos da ditadura militar no Brasil.
Incompatível Com a Vida
Direção: Eliza Capai
Onde Assistir: CurtaOn
“Incompatível com a Vida” é um documentário brasileiro dirigido por Eliza Capai que propõe uma reflexão profunda sobre a maternidade e suas complexidades. Ao descobrir que estava grávida, a cineasta iniciou uma série de registros pessoais durante a gestação. No entanto, o rumo do projeto mudou drasticamente após o diagnóstico de uma malformação fetal considerada “incompatível com a vida”. A partir dessa experiência íntima e dolorosa, Capai ampliou seu olhar e passou a reunir relatos de outras mulheres que viveram situações semelhantes. O filme costura essas histórias para abordar temas delicados como vida, morte e o papel das políticas públicas na assistência à saúde reprodutiva. “Incompatível com a Vida” integrou a seleção oficial do Festival do Rio em 2023.
Lavra
Direção: Lucas Bambozzi
Onde Assistir: Globoplay
Ao retornar à sua terra natal, Camila se depara com os impactos devastadores do maior crime ambiental da história do Brasil: o rompimento de uma barragem de mineradora que arrasou quilômetros de território. Em sua jornada pelo rastro da lama tóxica, ela encontra comunidades destruídas, paisagens desfiguradas e vidas profundamente afetadas. Quando uma segunda barragem se rompe, vitimando cerca de 300 pessoas, Camila se une aos movimentos de resistência, dando voz à luta por justiça e reparação.
Que Bom Te Ver Viva
Direção: Lucia Murat
Onde Assistir: Reserva Imovision+
Ex-presas políticas da ditadura militar brasileira revisitam suas memórias para relatar como enfrentaram a prisão e a tortura, revelando os horrores vividos e os mecanismos de sobrevivência em meio ao medo, aos delírios e às fantasias que marcavam aquele período. O filme mescla depoimentos documentais com um monólogo ficcional, construído a partir da fusão das lembranças e experiências dessas mulheres, em uma narrativa potente sobre resistência, dor e memória.
Iracema – Uma Transa Amazônica
Direção: Orlando Senna, Jorge Bodanzky
Onde Assistir: Em cartaz nos cinemas
O documentário narra a trajetória de uma jovem indígena do interior que viaja a Belém com a família para cumprir uma promessa durante o Círio de Nazaré. No novo ambiente urbano e influenciada pelas pessoas ao seu redor, ela acaba se envolvendo com a prostituição. Em um cabaré, conhece Tião Brasil Grande, um caminhoneiro e negociante de madeira entusiasmado com o suposto progresso trazido pela Transamazônica. Sonhando em chegar aos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, Iracema embarca com ele em uma viagem pela estrada que corta a floresta. À medida que a convivência entre os dois se intensifica, o percurso revela o outro lado do chamado milagre econômico: um rastro de destruição ambiental, grilagem de terras, exploração sexual e inúmeras violências silenciadas em nome do desenvolvimento.
Fernanda Young: Foge-me ao Controle
Direção: Susanna Lira
Onde Assistir: Globoplay
Sob a direção de Susanna Lira, o documentário sobre Fernanda Young oferece uma imersão íntima e inesperada no universo de uma das figuras mais provocadoras da cultura brasileira. Morta em 2019, Fernanda é retratada não como ícone idealizado, mas como uma mulher complexa, que transitava entre o caos e a lucidez, entre a provocação intelectual e o afeto cotidiano. A produção revisita suas múltiplas faces: escritora afiada, roteirista de sucesso, feminista radical, mãe apaixonada — costurando imagens de arquivo, momentos de bastidor e depoimentos marcantes. Com passagens por programas como Os Normais e Saia Justa, o filme revela como sua presença na televisão ajudou a redefinir os limites da fala feminina e do pensamento crítico na mídia.
Black Rio! Black Power!
Direção: Emílio Domingos
Onde Assistir: Amazon Prime
“Black Rio! Black Power!”, documentário dirigido por Emílio Domingos, revisita os bailes de soul music que marcaram os subúrbios do Rio de Janeiro nos anos 1970. Mais do que festas, esses encontros deram origem ao movimento Black Rio, tornando-se espaços fundamentais de afirmação identitária e resistência política para a juventude negra em plena ditadura militar. Ao som de clássicos de James Brown e da emblemática Furacão 2000, o documentário traça as conexões entre os bailes da época e os desdobramentos culturais que influenciaram o funk, o hip-hop e o fortalecimento de novas gerações negras no Brasil. Com imagens de arquivo, entrevistas e uma trilha sonora vibrante, Black Rio! Black Power! celebra a potência da cultura negra como ato político e legado transformador.
Utopia Tropical
Direção: João Amorim
Onde Assistir: AppleTV
“Utopia Tropical” é um documentário construído a partir de diálogos entre Noam Chomsky, renomado linguista e ativista norte-americano, e Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil. A obra traça um panorama das transformações políticas na América Latina, explorando a ascensão e o declínio dos governos de esquerda no continente. Ao longo da conversa, os dois intelectuais analisam criticamente o impacto da corrupção, o papel manipulador da grande mídia e os efeitos dessas dinâmicas sobre a população — especialmente sobre os grupos mais vulneráveis, como indígenas e afrodescendentes. Com olhar atento às contradições e disputas que moldam a região, o documentário convida à reflexão sobre os limites e possibilidades de um projeto democrático verdadeiramente inclusivo.
A Última Floresta
Direção: Luiz Bolognesi
Onde Assistir: Netflix
Em A Última Floresta, o xamã Davi Kopenawa Yanomami luta para preservar os espíritos da floresta e as tradições de seu povo diante da ameaça crescente do garimpo ilegal. No território Yanomami, isolado no coração da Amazônia, a chegada dos garimpeiros traz consigo doenças, destruição e morte. Enquanto os mais jovens se deixam seduzir pelos objetos e promessas do homem branco, Ehuana enfrenta o desaparecimento do marido e busca respostas em seus sonhos, tentando decifrar os sinais do invisível. Com sensibilidade e força, o filme revela o embate entre modos de vida ancestrais e a invasão de um progresso que destrói.
Luiz Melodia – No Coração do Brasil
Direção: Alessandra Dorgan
Onde Assistir: Prime Video
Documentário que celebra a trajetória singular de um dos nomes mais originais da música brasileira. Através de imagens raras e arquivos inéditos, o filme resgata a história do artista que, movido por sua liberdade criativa, rompeu padrões da indústria fonográfica e deixou uma marca profunda na cena musical desde os anos 1970. Narrado em primeira pessoa, o documentário dá voz ao próprio Luiz Melodia, que conduz o espectador por sua jornada, da infância no Morro do Estácio aos grandes palcos do país. Entre altos e baixos da carreira, o filme costura lembranças pessoais com performances ao vivo de suas canções mais emblemáticas.
Salão de Baile: This is Ballroom
Direção: Juru, Vitã
Onde Assistir: Globoplay
Escrito e dirigido pela dupla Vitã e Juru, São de Baile é um documentário vibrante que mergulha na cena ballroom da comunidade preta LGBTQIAPN+ do Rio de Janeiro, revelando como essa cultura, surgida nos salões de Nova York na década de 1960, é recriada com força, afeto e originalidade no contexto fluminense. Através de registros de um ball — espaço onde a performance se torna forma de afirmação, liberdade e resistência —, o filme oferece um olhar íntimo sobre jovens que reinventam identidades e desafiam normas por meio da arte e do movimento. Com a participação ativa dos próprios diretores e membros da equipe, a produção traça ainda um panorama histórico do ballroom, homenageando figuras emblemáticas como Crystal LaBeija. Em um exercício de fabulação, artistas brasileiras da cena contemporânea incorporam personagens icônicas da cultura original, renovando seus legados e lançando novas perspectivas sobre essa tradição que atravessa fronteiras e gerações.
As Hiper Mulheres
Direção: Takuma Kuikuro, Leonardo Sette, Fausto Carlos
Onde Assistir: Embaúba Play
Temendo a morte da esposa idosa, um velho pede que seu sobrinho realize o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu (MT), para que ela possa cantar uma última vez. As mulheres do grupo começam os ensaios enquanto a única cantora que de fato sabe todas as músicas se encontra gravemente doente.