Cidades resilientes e justas: como o Brasil pode se preparar melhor para as mudanças climáticas?
A crise climática expõe desigualdades, mas soluções já nascem dos territórios
por Bia Aflalo e Kawê Veronezi para a Cobertura Colaborativa Mídia Ninja da COP 30
As mudanças climáticas já não batem à porta, elas entram sem pedir licença. No Brasil, chuvas que antes vinham de mansinho agora chegam como paredões. As ondas de calor ecoam cada vez mais alto ao interagir com o concreto,secando rios, sobrecarregando hospitais e testando a resistência dos corpos e das cidades.
Quando se fala em preparar o Brasil para as mudanças climáticas, a imagem que vem à mente geralmente envolve grandes diques, piscinões de concreto e placas solares em grande escala. No entanto, a frequência devastadora de inundações no Sul e secas históricas na Amazônia forçaram uma mudança urgente de paradigma. A conclusão é evidente: o risco climático no Brasil não é apenas um fenômeno meteorológico, é uma construção social.
Diante dessa realidade, pensar cidades resilientes e justas deixa de ser debate teórico e vira obrigação. Duas palavras guiam esse caminho: mitigação e adaptação. Mitigar é reduzir o estrago, e adaptar é aprender a viver no novo clima. Uma diz respeito ao mundo inteiro, o outro parte do interesse individual, e é diferente a cada esquina, bairro, bacia e comunidade.
Quem mitiga e quem se adapta?
Mitigar significa diminuir a emissão dos gases que aquecem o planeta. E, do ponto de vista da vida da classe média-média e média-alta, o roteiro é conhecido: menos ar-condicionado ligado o dia inteiro, menos carros nas ruas, menos uso de geradores, menos consumo de carne, mais mobilidade ativa, mais alimentos orgânicos, mais reciclagem.
Mas aqui mora a reflexão social: quem precisa cortar, regular o consumo, é justamente quem tem o que racionar. E será que as classes média e alta estão dispostas a abrir mão dos seus luxos que contribuem para manter o planeta em febre? O modelo econômico capitalista atual sustenta uma estratégia baseada na renúncia voluntária?
Se mitigar é uma missão global, adaptar é uma urgência local. E na esfera pública, são raros os governos dispostos a encarar essa agenda. Enquanto países mais ricos discutem energia limpa, os subdesenvolvidos ainda lutam por saneamento, saúde, segurança e educação. A mudança do clima parece distante quando falta o básico. Ainda assim, a adaptação é inadiável, porque a enchente não pergunta o CEP antes de entrar pela porta.
Justiça climática, já!
Quem mais sofre com as chuvas extremas e ondas de calor não são aqueles que vivem em apartamentos climatizados, mas as famílias em palafitas ou em casas precárias, nas favelas e baixadas, em situação de rua e realidades mais vulneráveis.
A crise climática, como um raio-x, expõe as fraturas estruturais da sociedade brasileira, e a história colonial da maioria das cidades do país, levaram a um movimento de replicação de modelos norte-globais de cidades, que, em sua maioria, são excludentes, injustos e estéreis para a vida humana, sobretudo para as comunidades mais vulneráveis e tradicionais. Essa realidade reforça a máxima de que “Uma cidade justa e resiliente deve confrontar as desigualdades que são as raízes dos desastres”, como explica Susan L Cutter, em seu artigo “Mudanças temporais e espaciais na vulnerabilidade social a desastres naturais”.“Uma cidade justa e resiliente deve confrontar as desigualdades que são as raízes dos desastres”, explica Susan L Cutter, em seu artigo “Mudanças temporais e espaciais na vulnerabilidade social a desastres naturais”.
Enquanto líderes mundiais se reúnem em sucessivas Conferências das Partes (COPs), há anos, para debater metas de redução de carbono e fundos de financiamento, o desafio da maior parte dos países do Sul Global, incluindo do Brasil, é interno, estrutural e urgente: como adaptar suas cidades para serem não apenas resilientes, mas fundamentalmente justas? Como promover, além da mitigação e adaptação, a justiça climática?
O que fazer?
Se você, como nós, escolheu o caminho da adaptação, a primeira pergunta que vem à mente é: Por onde começar?
Tudo começa com informação. “Se informar é um bom caminho para tomar decisões sobre estratégias de adaptação”, reforça Sérgio Margulis, em seu painel “Cidades resilientes” no último dia 11/11, na Central da COP 30 (Observatório do Clima). Busque pesquisas e canais de comunicação confiáveis, verifique a informação em mais de uma fonte, valide os dados.
Mas não se engane, a crise climática não será resolvida apenas com seu racionamento de luz ou água. A adaptação também passa por políticas públicas, porque as escolhas coletivas não cabem na esfera individual. “Cada um sabe a consciência, o esforço e as limitações que tem”, diz Margulis, mas quem decide sobre as grandes transformações é o Congresso Nacional. É ali que se elaboram dispositivos legais, sugerem-se projetos de lei, e até políticas de “segunda sem carne”, por exemplo.
A solução está nos territórios!
Ainda assim, a adaptação também, e talvez principalmente, nasce de baixo. Nas comunidades, nas periferias, nos territórios que sempre precisaram driblar o abandono. Experiências como a Ecovila Iandê mostram que a adaptação pode ser um ato de felicidade e autonomia. O projeto foi fundado por um grupo de 3 famílias, e se propõe a restaurar uma área de 22 hectares de terra, no município de Santa Bárbara (PA), via sistemas agroflorestais.
Como diz Luciney, fundador e um dos membros da ecovila: “Minha casa sustentável, minha felicidade, minha vida!”. E, para quem insiste em esperar o fim, ele responde: “Não importa se estamos perto do fim, importa é como vai terminar.”
É fundamental entendermos que os desastres socionaturais recentes, que deixaram um rastro de destruição e ceifaram vidas, não são fatalidades isoladas, são a face mais cruel da crise climática em um país marcado pela vulnerabilidade urbana e pela profunda desigualdade social.
Se as cidades são o palco da crise climática, podem ser também o palco da mudança. Com planejamento urbano alinhado ao clima, com transporte público eficiente, arquitetura bioclimática, arborização, manejo de águas, energia limpa e participação social.
A crise climática exige coragem, mas o futuro das cidades e comunidades exige decisão política.



