Por Vinícius Kerhart, para a Cobertura Colaborativa NINJA COP30

O Estado do Paraná foi vítima de uma tragédia sem precedentes. Na última sexta-feira, 7 de novembro, após um tornado -categoria F3- atingir a região centro-oeste do estado. Deixando um rastro de destruição com seis mortos e mais de 750 pessoas atingidas.

Somente na cidade de Rio Bonito do Iguaçu as rajadas de ventos de 250 km/h, destruíram e danificaram 90% das edificações. Esse é o segundo evento natural de proporções catastróficas que atinge a região Sul do país.

Na semana em que começa a 30ª Conferência das Partes da ONU, em Belém do Pará, o questionamento que fica é

“Se morresse tudo quanto é mico-leão-dourado, o que é que iria mudar para nós?”

Talvez você se pergunte: “O que é que mico-leão-dourado e o tornado no Paraná têm a ver com a COP 30 em Belém?”

Por mais discrepante, absurdo e descolado da realidade que possa parecer, a resposta curta é: muito mais do que você pode imaginar.

A citação acima foi feita por Carlos Roberto Massa, como provocação jocosa em relação à preservação do meio ambiente.

O apresentador Ratinho em seu programa. (Foto: Reprodução/ SBT)

Segundo o apresentador e bolsonarista, o desaparecimento do pequeno macaco não afetaria em nada nossas vidas e deveríamos nos preocupar em “cuidar das pessoas”.

O que pode ser visto pelo grande público como uma “piada despretensiosa”, na realidade, revela muito mais sobre o apresentador e o pensamento do empresariado do agronegócio brasileiro.

Ratinho, nome artístico pelo qual é conhecido Carlos Massa, é dono de um verdadeiro império avaliado em aproximadamente R$ 550 milhões.

Somente no Estado do Paraná, onde desde 2018 seu filho é governador, Massa possui diversas fazendas, emissoras de rádio e televisão, portais de notícias, hotéis, entre outras propriedades.

Inclusive, não faz nem um ano que o governador, de base bolsonarista, promulgou, com o decreto 9.541/2025, a lei estadual 22.252/2024, que ficou conhecida como “PL da boiada”.

A referência a Ricardo Salles não é por acaso.

O PL 662/2024, que deu origem à lei, afrouxa a legislação ambiental do estado, instaurando uma gestão de regulamentação exclusivamente estadual e ignorando instâncias interfederativas como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Com o pretexto de “desburocratização” dos processos de licenciamento ambiental, o projeto somente dificulta a fiscalização por órgãos competentes e diminui as atribuições do CEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente), além de deixar somente a cargo do órgão a autorização para desmatamento de vegetação nativa.

Ironicamente, a lei 7.978/84, que estabeleceu a criação do conselho estadual, exige que esse tipo de projeto seja deliberado pelo próprio CEMA antes de ser enviado ao plenário. Algo que o governador Ratinho Jr. ignorou completamente ao mandar o projeto de lei em regime de urgência, em novembro de 2024.

Ao considerar o poder que sua família possui no Estado do Paraná, os interesses econômicos e as declarações públicas e políticas de seu pai, quase se tem a impressão de que o governador Ratinho Jr. — supostamente — deixa os interesses sociais e ecológicos do Estado em segundo plano.

No plenário da ALEP, à época, o deputado estadual Goura Nataraj (PDT) disse:

“É muito fácil se pintar de verde, se dizer ambientalista e se chamar de sustentável para o mundo inteiro, mas, na realidade, agir contra tudo isso ao propor a simplificação dos processos de licenciamento ambiental e, assim, agir contra a urgência climática que esses tempos exigem.”

Reprodução Prefeitura de Apucarana

Ainda que não seja consequência direta da lei que desarticula a legislação ambiental, o tornado que atingiu o Paraná é um recado direto e cruel da natureza saturada em um planeta em colapso.

Enquanto as bancadas ruralistas, de extrema direita, forçam mais e mais a desarticulação dos mecanismos de proteção ambiental, os eventos extremos se tornam cada vez mais presentes e mortais.

Há pouco mais de um ano, em maio de 2024, as inundações no Rio Grande do Sul atingiram mais de 2,5 milhões de pessoas e deixaram mais de 185 mortos e 25 desaparecidos.

Quando o empresário e apresentador Ratinho faz uma “piada”, dizendo que o desaparecimento do mico-leão-dourado não muda em nada nossa vida, ele está completamente enganado.

Claro que, para alguém com mais de 50 mil cabeças de gado, fazendas de soja e café, que é sócio de um madeireiro no Acre, o único mico-leão-dourado que importa é o que estampa as notas de 20 reais.

Entretanto, a extinção da fauna é a extinção da vida como um todo.

Por mais que o agronegócio e o mercado financeiro esqueçam — ou ignorem —, o ser humano faz parte da fauna.

Também somos animais e precisamos da preservação do bioma, assim como todos os outros.

É fácil dizer: “O que importa o macaco? Cuidemos das pessoas!”, quando, na prática, cuida-se somente do interesse financeiro.

Não estou dizendo ou insinuando que tanto o governador paranaense quanto seu pai sejam os únicos responsáveis pela tragédia que acometeu o Estado.

Entretanto, eles são figuras-chave para ilustrar o que ignoramos constantemente ou o que, para muitos, ainda soa como “ecochatice”.

Há dez anos, na COP 21, foi assinado o Acordo de Paris, e uma das principais metas era impedir que a temperatura do planeta subisse mais que 1,5 ºC até 2030.

Já falhamos nesse objetivo há muito tempo.

A professora de Relações Internacionais da Unifesp, Cristina Pecequilo, em entrevista ao canal MyNews durante a COP 26, disse:

“Para nós que estamos acompanhando isso há muito tempo, causa um certo desamparo. Parece que toda vez que vamos ter uma COP, toda vez que vamos fazer uma conferência ambiental de grande porte, os assuntos são os mesmos, os problemas são os mesmos e as questões vêm se agravando. […] O que me parece é que continua havendo um descolamento entre o que os líderes falam, o que eles praticam e o que eles passam para sua população. E o dia a dia? Como vamos resolver isto? […] Falta uma comunicação clara de ‘como’ e, afinal, construir esse desenvolvimento sustentável que todo mundo discursa, principalmente os líderes dos países desenvolvidos, mas que nunca apresentam.”

Ainda que, no governo Lula, muitas políticas ambientais que haviam sofrido durante a gestão Bolsonaro tenham sido — em partes — recuperadas, não será com exploração petroquímica na bacia amazônica ou com hidrovia para escoamento de soja que os problemas socioambientais do país e do mundo serão resolvidos.

A construção de data centers não vai trazer desenvolvimento às regiões periféricas.

Patrocinando espaços durante a COP, para fazer greenwashing, a Vale e a Samarco não vão lavar das mãos de seus acionistas o sangue enlameado por Brumadinho e Mariana.

A fala do deputado Goura Nataraj sobre a lei de desregulamentação ambiental promovida pelo governador Ratinho Jr. também serve para o governo Lula e toda a propaganda que diz que “Agro é TUDO”.

Não se trata de “papo de índio”. É necessária uma mudança total de paradigma. 

O planeta já não suporta pessoas que só se importam com os animais que são impressos em papel-moeda ou só valorizam aqueles que contribuem para seus próprios interesses.

Enquanto a destruição ambiental promovida pela ganância seguir, as catástrofes e tragédias continuarão se abatendo sobre a população mais vulnerável.

“O capitalismo lucra com o sofrimento do mundo, mas jamais será capaz de comprar outro planeta.”