Um vídeo perturbador, mostrando estudantes de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) hostilizando e insultando alunos da Universidade de São Paulo (USP) com termos como ‘cotistas’ e ‘pobres’ durante um campeonato universitário de handebol em Americana (SP), tem gerado uma onda de indignação nas redes sociais. A reação é especialmente forte entre ativistas e a comunidade negra, pois este incidente representa mais um triste exemplo do racismo institucional que afeta diariamente pessoas negras dentro e fora das universidades no Brasil. As ofensas proferidas por esses estudantes evidenciam uma preocupante falta de compreensão sobre a importância da Lei de Cotas, uma política criada para mitigar desigualdades sociais, preconceitos e discriminações.

Para Manuela Thamani, mestra em comunicação pela ECA-USP, é extremamente perturbador pensar que essas pessoas um dia possivelmente ocuparão cargos no sistema judiciário brasileiro. “Fiz minha graduação e meu mestrado na Universidade de São Paulo, e me lembro que na época da graduação, isso entre 2004 e 2005, esses xingamentos já aconteciam por parte dos estudantes das escolas particulares em relação a essa questão social. Na época, não tinha cotas na USP, só que de alguma forma esse comportamento já existia”, conta.

Em 2022, conforme o Observatório da Branquitude, instituição em que Manuela é co-diretora-executiva, das 302 instituições de ensino superior públicas do Brasil, 294 possuem reitores brancos, 97% deste total, e apenas 8 tinham reitores negros. A sub-representação de pessoas negras em cargos de reitoria no Brasil é uma brecha para que casos como esse, infelizmente, se tornem “normais”na sociedade brasileira.

Foto de Manuela Thamani / Divulgação

Manuela ainda ressalta a importância de entendermos que este episódio não é apenas uma brincadeira em jogos universitários, de adolescentes que querem sacanear uns aos outros, isso tem nome. “Acho importante trazer para essa conversa um termo importante, que é a ideia do racismo recreativo, um termo cunhado por um doutor em direito, especialista em direito antidiscriminatório, o intelectual Adilson Moreira, portanto colega dessas pessoas que também estão circulando nesse ambiente jurídico. Não podemos naturalizar esse tipo de expressão, essa ideia de racismo recreativo como se fizesse parte do jogo, do momento”, pontua. 

No Brasil, apenas 14,2% dos juízes são negros, segundo recente relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Não à toa, prisões irregulares de pessoas negras acontecem com frequência no judiciário brasileiro. Quando vídeos como esse viralizam, é possível ter uma pista muito clara da raiz do problema. 

A mestra em comunicação ainda vai além: “Quem está se divertindo com o sofrimento alheio, é quem reforça hierarquias sociais baseada na cor de pele ou condição social, que diminuem lutas de ação afirmativa que visam a equidade racial e todo o histórico de avanço em prol de uma democracia efetiva”, frisa. 

Vale lembrar que o ano está acabando e em 2025 haverá recepção dos calouros. A pergunta que fica é: Como a PUC-SP vai implementar políticas antirracistas em sua instituição depois deste episódio horrível? Este é um ponto em que Manuela também chama a atenção. “É preciso considerar o sistema de justiça na totalidade, isso é o que nos interessa nesse momento. Quais são os encaminhamentos? Porque não basta apenas uma nota de repúdio, como a gente viu por aí, falar que a universidade não é conivente. Precisamos de ações mais concretas e entender quais são os protocolos”, finaliza.

Diante desse cenário, é imperativo que as instituições de ensino superior, como a PUC-SP, não apenas reconheçam a gravidade desses episódios, mas também tomem medidas proativas para combatê-los. Implementar políticas antirracistas eficazes e promover um ambiente de respeito e inclusão são passos essenciais para garantir que todos os estudantes, independentemente de sua origem, possam se sentir seguros e valorizados. A mudança começa com a educação e a conscientização, e é responsabilidade de todos nós, como sociedade, exigir e trabalhar por um futuro mais justo e igualitário.