Caso Miguel: TST vê privilégio branco e condena ex-prefeito e ex-primeira-dama de Tamandaré
Trabalhadoras domésticas, em sua maioria negras, são o grupo mais afetado pelo racismo estrutural no país
A 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tomou uma decisão histórica baseada no conceito de racismo estrutural no caso da morte de Miguel, um menino negro de cinco anos que caiu do 9º andar de um prédio de luxo em Recife, em 2 de junho de 2020. Os envolvidos no caso são Sergio Hacker Corte Real, ex-prefeito de Tamandaré (PE), e Sari Mariana Costa Gaspar, ex-primeira dama, que foi condenada a oito anos de prisão por ter abandonado Miguel. A decisão determinou que o casal pague uma indenização de R$ 386 mil para um fundo coletivo de trabalhadores.
Durante o julgamento, o ministro Alberto Balazeiro, relator do caso no TST, enfatizou que as trabalhadoras domésticas, em sua maioria negras, são o grupo mais afetado pelo racismo estrutural no país e enfrentam consequências que vão além das questões trabalhistas.
Mirtes Santana, mãe de Miguel, conta que, inicialmente, apenas a sua mãe trabalhava na casa de Sérgio Hacker. Após ganhar as eleições municipais, ele teria dado baixa na carteira de trabalho dela e a registrado como funcionária da prefeitura. Posteriormente, Mirtes teria sido contratada da mesma forma, destacou o Repórter Brasil.
Elas foram obrigadas a se mudar de Recife para Tamandaré. Mirtes diz ainda que foi impedida de fazer isolamento social quando contraiu o coronavírus.
Elas não tiveram pagamento de FGTS, horas extras não remuneradas, falta de vale-transporte e, no fim do contrato, falta de pagamento das verbas rescisórias.
Já Sari, acusada de abandonar o garoto quando a morte ocorreu, foi aprovada recentemente no vestibular de Medicina de uma faculdade particular em Jaboatão dos Guararapes (PE).
Decisão histórica
A decisão do TST destacou as violações trabalhistas e a falta de proteção à maternidade enfrentadas pelas empregadas domésticas. Segundo o ministro Balazeiro, a morte de Miguel é o resultado de uma cadeia de problemas estruturais que envolvem tais violações. O racismo estrutural presente no mundo do trabalho perpetua os benefícios usufruídos pelas pessoas brancas ao longo da história, em detrimento das trabalhadoras negras, destacou a decisão.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) de Pernambuco entrou com uma ação civil pública requerendo a reparação por danos morais coletivos. Normalmente, o MPT se envolve apenas em ações coletivas, mas nesse caso, a história de Mirtes e Miguel foi considerada um agravo a todas as mulheres negras que trabalham como empregadas domésticas no país.
Por se tratar de danos morais coletivos, o dinheiro será direcionado para um fundo de trabalhadores e a Justiça poderá determinar sua utilização para diferentes finalidades, como a capacitação de trabalhadores ou a aquisição de ambulâncias.
O ministro Balazeiro destacou a importância de uma mudança de perspectiva no julgamento dessas questões pelo Judiciário. Ele ressaltou que, se não houver uma abordagem sensível e justa, poderá haver um estímulo à prática da exploração e um desencorajamento das trabalhadoras em denunciarem.
No ano passado, Sari Corte Real foi condenada a oito anos e seis meses de reclusão por abandono de incapaz com resultado morte no caso de Miguel. Na época do crime, ela foi presa em flagrante por homicídio culposo, mas pagou fiança de R$ 20 mil.
A ex-primeira dama permanece em liberdade enquanto aguarda a apreciação dos recursos de seu processo pelas instâncias superiores.