A 20ª edição da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto chega ao fim nesta segunda-feira (30), celebrando duas décadas de existência com um evento que combinou tradição, inovação e articulação política. Mais do que um festival de cinema, a CineOP reafirmou seu papel como espaço estratégico para pensar o audiovisual como patrimônio, com destaque especial para a leitura de duas cartas-manifesto — uma da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) e outra da Rede Kino — que evidenciaram a urgência de políticas públicas estruturantes nos campos da preservação e da educação audiovisual.

As “Cartas de Ouro Preto”, redigidas durante os encontros nacionais realizados na programação, sintetizam o que foi uma das edições mais relevantes da história do evento. A ABPA alertou para o desfinanciamento da área, cobrou acesso ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para iniciativas de preservação e criticou propostas de privatização de acervos públicos, como no caso do MIS-PR. Já o XVII Fórum da Rede Kino trouxe à tona o papel dos acervos em ambientes escolares e comunitários, apontando o cinema como ferramenta de memória, invenção e disputa por narrativas em tempos de retrocessos políticos na América Latina.

“A preservação não pode mais ser tratada como apêndice do audiovisual, ela é a base para a existência e continuidade da cultura cinematográfica brasileira”, diz trecho da carta da ABPA, que celebra o lançamento do Programa de Preservação do Audiovisual Brasileiro, mas aponta que sem financiamento efetivo, não há política possível. A criação da Rede Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros foi anunciada pelo Ministério da Cultura (MinC) durante o evento e representa um avanço, mas os participantes reforçaram que é preciso ampliar o escopo da iniciativa para abarcar arquivos comunitários, periféricos e de movimentos sociais.

Foto: Vinícius Terror/Universo Produção

A carta da Rede Kino, por sua vez, refletiu sobre o digital como lugar de memória e cobrou ações concretas para que acervos audiovisuais cheguem de forma estruturada às escolas, se tornando ferramentas pedagógicas. Ao todo, o fórum reuniu representantes de cinco países latino-americanos e discutiu o tema “Lugares de Memória: Acervos e Acesso”.

Números e balanço

Entre os dias 25 e 30 de junho, mais de 20 mil pessoas participaram da 20ª CineOP, que exibiu 143 filmes de seis países e 17 estados brasileiros em 12 mostras temáticas. Foram realizados 34 debates, 13 ações formativas e 33 atrações artísticas, além da tradicional Festa Junina, que beneficiou quatro instituições sociais de Ouro Preto. O evento ainda gerou mais de 1.500 empregos diretos e indiretos, contratou 230 empresas prestadoras de serviços e impulsionou o turismo local ao envolver 22 estabelecimentos comerciais da cidade.

No eixo da formação, o Programa Cine-Expressão promoveu sessões cine-escola com debates, alcançando 3.450 estudantes da rede pública. Oficinas, masterclasses e um workshop somaram 405 vagas para capacitação de profissionais e iniciantes no setor. A nova Mostra Competitiva Contemporânea “Arquivos em Questão” e a Mostra Construindo Memórias ampliaram o debate sobre o papel do arquivo, da montagem e da memória na construção do cinema brasileiro.

A presença digital do festival também se destacou: mais de 100 mil acessos online, oriundos de 60 países, e 2,5 milhões de visualizações nas redes sociais. A cobertura da imprensa contou com mais de 400 veículos de comunicação e 72 jornalistas credenciados.

Homenagens e anúncios

A programação prestou homenagens a figuras fundamentais do cinema brasileiro. O professor João Luiz Vieira recebeu o Prêmio Preservação, a educadora Maria Angélica dos Santos foi reconhecida pelo Prêmio Cinema e Educação, e a atriz Marisa Orth teve sua carreira celebrada em sessão especial.

Dois anúncios importantes apontam para o futuro da relação entre Ouro Preto e o audiovisual: a criação de um curso de bacharelado em Cinema e Audiovisual com ênfase em preservação na UFOP, e a inauguração de uma sala de cinema permanente no Museu da Inconfidência, batizada com o nome do cineasta Joaquim Pedro de Andrade.

Ao completar 20 anos, a CineOP se consolida como um dos mais importantes fóruns de reflexão sobre o papel do cinema como bem cultural e memória viva do país. Com a leitura das cartas da ABPA e da Rede Kino como momentos centrais, a edição de 2025 mostrou que preservar, formar e lutar pelo audiovisual brasileiro são atos políticos inegociáveis diante dos desafios contemporâneos.

Como disse a cineasta argentina Lucrecia Martel, citada na Carta de Ouro Preto: “Inventemos um futuro que nos guste, que no sea el futuro del apocalipsis. Esto es urgente” (Inventemos um futuro de que gostemos, que não seja o futuro do apocalipse. Isso é urgente).