Carnaval na Amazônia: da folia ribeirinha sobre as águas aos fofões e caretas
Conheça algumas das festas mais tradicionais da Amazônia; Em Cametá, cordões de mascarados brincam sobre barcos ao som de marchinhas
Hoje seria uma terça-feira de ocupação das ruas pelos foliões, mas o Carnaval 2022 é marcado pelo clima de saudosismo. Por cautela, diante do avanço do número de casos – ou para conter uma nova onda –, as festas populares oficiais foram canceladas em todas as capitais dos estados quem compõem a Amazônia Legal.
Esta também foi a medida adotada por muitos municípios nesses estados. Em determinados casos, as festas estão restritas a espaços particulares, com limitação de público e ingresso mediante comprovante de vacinação. Vale ressaltar, a melhor maneira de conter o avanço do número de casos é o distanciamento social e uso de máscaras.
Sendo assim, unimo-nos aos saudosistas lembrando dos carnavais mais tradicionais da Amazônia, que surpreendem pela originalidade. Já fica a dica para você se planejar para conhecer no próximo ano (tenhamos fé!).
Acre
A marujada, também conhecida como fandango, é um folguedo típico das regiões Nordeste e Norte do Brasil. Ela surgiu em Portugal, como uma celebração das conquistas e descobrimentos marítimos dos séculos XVI e XVII. Assim, chegou ao Brasil por meio dos portugueses que colonizaram nosso país. Mas em nosso país, foi ressignificada, ganhando adaptações que as diferenciam do fandango de Portugal.
No Acre, a festa que costuma ser incorporada a festas de santo no resto do país, ganhou uma versão carnavalizada. A Marujada Brig Esperança é um folguedo de cultura popular que surge em Cruzeiro do Sul, ensinado pelo Mestre Galego originário de Manaus (AM) na década de 1950. A partir dele surgiram e se adaptaram diversos grupos de marujada, que atuavam principalmente durante o carnaval.
Com o êxodo ocorrido na década de 70 no Acre, os mestres cruzeirenses Aldenor da Costa – que mantem viva a tradição nos dias de hoje -, junto a Chico do Bruno, remontaram a marujada com seus conterrâneos na capital de Rio Branco e hoje é considerada um Patrimônio Imaterial do Estado do Acre.
Através de músicas, danças e dramatização, o auto conta a estória de uma embarcação a vapor, que em viagem ao mar, ocorre um motim contra o capitão, que ordena a tripulação a abandonar a embarcação à deriva. O imediato, líder do motim, roga uma praga que vêm a se manifestar em tempestade, obrigando a todos se reunir e pedir perdão, louvando a Nossa Senhora, findando com o reestabelecimento da paz na embarcação.
Amapá
A Banda é o maior bloco de sujos do Norte do país e nos últimos anos em que saiu às ruas, arrasou uma multidão de mais de 150 mil pessoas na terça-feira gorda de Carnaval em Macapá/AP.
A Banda nasce em 1965, em meio a um cenário de Ditadura Militar, quando um grupo de amigos reunidos para festejar o carnaval teve a comemoração barrada pelo governo. José Savino, fundador do bloco conta que o governador era general e era ano político. “Ele indicou uma pessoa para ser candidato a deputado federal para representar o Território. Aí nós decidimos contrariar. Construímos a primeira boneca, a Chicona, e saímos pelas ruas do Centro. Fomos barrados na frente da casa do governador, e foi por isso que viramos resistência e decidimos transformar a ‘Banda’ em história”.
Segundo Savino, o nome foi inspirado pela música “A banda”, de Chico Buarque de Hollanda, que era a canção do então candidato a deputado federal Janary Nunes. “A resistência à proibição do governador foi o maior impulso, o que mais motivou para que continuássemos com ‘A Banda’. Assim fomos nos organizando e, em 1997, conseguimos nos tornar personalidade jurídica, nos tornamos uma associação e somos considerados patrimônio amapaense”.
Depois de A Banda, os blocos do Pavão com Batuque e Marabaixo costumam fechar o Carnaval.
Amazonas
No Amazonas, a capital Manaus tem registros de manifestações carnavalescas desde a metade do século XIX, bem ao estilo Paris dos Trópicos, uma das alcunhas que ganhou na fase áurea da borracha.
E com o passar dos tempos, o Carnaval ser firmou com tudo que manda o “figurino”: desfiles de escolas de samba no Sambódromo, blocos de rua, bandas e o desfile de fantasias no Teatro Amazonas. Mas aqui, a gente destaca o Carnaboi, que é uma festa momesca com o ritmo dos bumbás, uma mistura de carnaval com as toadas, ritmo do folclore amazonense.
Os foliões costumam usar a cor de seus bois preferidos – Caprichoso ou Garantido – e passam horas curtindo juntos e dançando as coreografias de seus bois. No Carnaval, a rivalidade é deixada de lado. Também participam da festa realizada no Sambódromo, os levantadores de toadas dos bois de Manaus: Brilhante, Corre-Campo e Garanhão.
Nas ruas, é bem popular a Banda do Galo. Fundada em 2004, por um grupo de pernambucanos residentes em Manaus e saudosos do Galo da Madrugada de Recife, a banda iniciou seu desfile pelas ruas de Manaus com a participação de 150 foliões, ao som do melhor frevo pernambucano. Em dez anos, o Galo de Manaus tomou proporções muito maiores, segundo os organizadores, chegando a levar mais de 100 mil foliões ao bloco, com saída no sábado gordo de Carnaval, nos moldes do que acontece em Recife, cidade natal do frevo e do Galo da Madrugada. Em 2020, 42 artistas e bandas se apresentaram no 43° desfile do bloco.
Maranhão
Quando é Carnaval, nas ruas de São Luís quem não pode faltar é o Fofão. O personagem inspirado por personagens do Carnaval europeu, trazido para cá pelos portugueses. O teatrólogo Tácito Borralho explica que ele “nasce de uma profusão de personagens, como da Commedia Dell’Arte, como o Arlequim, Pierrô e Colombina e outras figuras que vieram do carnaval através desse sentimento europeu”.
O macacão é de chita colorido com guizos pendurados na gola, mangas e pernas. Em um mão tem uma boneca e na outra, uma vara. A boneca ele entrega às pessoas para que dê algum dinheiro, e sua varinha, usa para espantar os cachorros. Quem pega nas bonecas, acaba tendo que dar algum trocado. Ah! E para seguir à risca a tradição, a máscara tem que ser feita artesanalmente, de papel marchê. Elas são muito coloridas, mas ao mesmo tempo podem até assustar. Mas como é festa de Carnaval, não há o que temer. Muitos brincantes narram que quando crianças, tinham medo do personagem.
Nos carnavais mais recentes, há um esforço de entusiastas da cultura popular em manter viva a tradição dos fofões, com cordões e blocos inteiramente dedicados a eles.
Mato Grosso
Se você quiser curtir o Carnaval dos Caretas de Guiratinga, prepare um roupão e capuz feitos de chita ou tecido à sua escolha e garanta uma garrafa de talco. Daí você será um típico caretão, dá a dica professora Isabela Bonilha, que nasceu e foi criada em Guiratinga.
Ela já ouviu muito o “tum-dum tum-dum-dum-dum”, que faz os adultos correrem para as portas de suas casas e as crianças esconderem-se embaixo de suas camas. “O barulho vem da bateria do Bloco dos Caretas ou Caretões, como são popularmente conhecidos na cidade os foliões que resolvem vestir seus roupões e capuzes de chita, suas máscaras artesanalmente feitas moldadas em barro e jornal, e sair pelas ruas pulando, dançando e jogando talco nos passantes”.
Depois do molde ficar pronto, o acabamento é dado com tinta, verniz e apetrechos que incluem dentes de boi, cabeleiras artificiais e, para os mais tecnológicos e espalhafatosos, luzinhas de LED, como relatou em colaboração ao portal Cidadão Cultura. “Os roupões e capuzes são feitos pelas costureiras locais e guardados de carnaval para carnaval, até que nãos sirvam mais e passem para os irmãos mais novos, vizinhos, primos ou a quem interessar possa. Não tem problema: quanto mais velho, melhor”.
Segundo Isabela, há manifestações parecidas em algumas regiões, assim como na África e em Portugal, conectando a tradição guiratinguense a diversos povos que falam o mesmo idioma.
Pará
Cametá é um município com mais de 500 ilhas, fundado em 1613 e emancipado em 1635. Dos mais antigos do Pará, mantem uma tradição singular e para lá de secular: o Carnaval das Águas. O carnaval cametaense atravessa gerações e é organizado pelos ribeirinhos que vivem nas ilhas do rio Tocantins e seus afluentes.
A pesquisadora de cultura popular, Viviane Menna – que apoiou equipe do Fora do Eixo em uma cobertura especial -, destacou em colaboração ao Overmundo, cordões de mascarados saem com suas fantasias de cetim colorido brincando sobre barcos ao som de marchinhas e “parecem criar uma espécie de videoclipe, repleto de cenas surreais que projetam na paisagem de rio e floresta um encantamento que faz a gente perder a noção do tempo”.
Ainda segundo seu relato, os cordões multicoloridos navegam o dia todo se apresentando para as comunidades ao longo do rio, entoando marchinhas tradicionais. São compostos por dezenas de brincantes mascarados e alguns cabeçudos que dançam em cima do teto da embarcação, balançando bandeiras e estandartes em um desfile que transforma o rio em passarela. Os brincantes desfilam com roupas, máscaras e perucas muito coloridas. Quando chegam nos trapiches os carnavalescos são anunciados pelo dono do cordão e se apresentam nos salões comunitários que sempre estão lotados.
Rondônia
O Pirarucu do Madeira é anunciado como o bloco mais democrático de Rondônia: de rua, sem cordas e abadás. É também politizado: exalta a cultura afro, beradeira e indígena e tem ainda como tônica, evocar os carnavais de outrora, optando por marchinhas próprias e apresentações de artistas da cidade para embalar a multidão.
O bloco fundado em 1993 pelo advogado Ernande Segismundo, completa 29 anos em 2022. Enquanto aguarda uma mudança de cenário da crise sanitária, a diretoria planeja um retorno especial para os foliões. “Aos 30 anos de existência esperamos fazer o melhor carnaval da nossa história. Os foliões não perdem por esperar. Vamos abrir a folia com o Pirarucu Remix na Amazônia e seguir com a banda Puraqué tocando o seu repertório tradicional”, prevê Segismund.
Outro bloco que costuma arrebanhar muitos foliões é o Banda do Vai quem Quer, criado em 1981 por um grupo de boêmios apaixonados por Carnaval, surge como uma espécie de protesto sob inspiração de um bloco carioca. Um dos fundadores do bloco, Silvio Santos contou a história sobre o início do bloco que de considerado patrimônio cultural do estado.
Entre os amigos estava Manoel Mendonça, o Manelão, que passou seu legado à filha, pedindo que ela nunca deixasse o bloco acabar. Siça virou presidente do bloco e tem honrado o desejo do pai. Para manter os foliões aquecidos para o próximo ano, a Banda fez uma live no sábado (26).
Roraima
Em Roraima, a festa popular é na rua. Segundo registros, a história dos blocos de rua começou com famílias tradicionais da cidade na década de 1940, como o bloco Chitão, da família Brasil, e o bloco Corsário, da família Terêncio Lima.
Em 2020 a festa popular ocorreu no Praça de Eventos Fábio Marques Paracat, no Centro da Cidade, com seis blocos na programação oficial. Vale destacar que tem Lado B também, com o alternativo Bloco do Mujica, que é de graça, sem corda e sem abadá.
Tocantins
O Tocantins foi criado em 1988, com a promulgação da Constituição Brasileira. Antes, as terras que hoje correspondem ao seu território faziam parte do estado de Goiás. Então é aí que mesmo estando dentro do Tocantins, Arraias mantem uma tradição de mais de 270 anos de Carnaval. Arraias nasceu como povoado em 1740.
Muita gente viaja até lá para curtir o Entrudo. Neste, os brincantes saem às ladeiras da cidade com baldes de água, molhando quem encontram pela frente, animados marchinhas carnavalescas tocadas por uma banda durante todo o trajeto. Segundo os moradores mais velhos, chegou com os portugueses durante a colonização.
E a tradição virou tema das escolas também. Segundo um dos organizadores da folia, Jonathas Alencar, conta que as crianças já aprendem as regras do Entrudo já na escola. “Criança molha criança, homem molha mulher mulher molha homem”. E frisa que não pode ser água fria e nem ter objetos dentro do balde.