Por Melissa Gervásio, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

Qual é o seu sonho? Para a repórter da TV Brasil Carla Maia, o sonho era disputar uma Paralimpíada. Após 20 anos de dedicação, Carlinha, como é chamada, está em Paris representando o Time Brasil no tênis de mesa.

Foto: Daniel Zappe/CPB/MPIX

A brasiliense Carla Maia, de 43 anos, é publicitária, jornalista, paratleta e bailarina. Ela foi a primeira repórter cadeirante a atuar em um jornal factual no Brasil. Além disso, é idealizadora do Street Cadeirante, a primeira companhia de dança sobre cadeira de rodas do Distrito Federal.

Devido a um sangramento espontâneo na medula quando tinha 17 anos, Carla ficou tetraplégica e precisou encontrar forças para recomeçar sua vida. A mesatenista compartilhou essa jornada em uma entrevista ao podcast Jogo Rápido, do Ministério do Esporte.

“No começo, é um baque. Todo mundo passa por essa fase de luto. Tive que renascer”, disse Carla Maia. “Para mim, é outra data de aniversário. Eu me tornei outra pessoa. A partir do momento que fui me reconhecendo como uma pessoa com direitos de ser feliz e continuar tendo sonhos, eu procurei o esporte. Já gostava do esporte antes de ficar cadeirante. E depois que passei a usar cadeira de rodas para me locomover, eu encontrei um esporte para chamar de meu”.

Carla Maia foi apresentada ao tênis de mesa durante o processo de reabilitação no Hospital Sarah. Lá, ela teve a oportunidade de conhecer o paratleta multicampeão Iranildo Espíndola. Após esse período, Carla, que estava concluindo a faculdade de Publicidade e Propaganda, sua primeira graduação, decidiu que seu projeto final de curso seria a criação de um programa de TV voltado para pessoas com deficiência.

Foi dessa forma que os caminhos de Carla e Iranildo se cruzaram novamente. Sem pensar duas vezes, ela decidiu convidar o mesatenista para uma entrevista em seu programa de TV.

“O Iranildo foi uma inspiração para mim no tênis de mesa. Fui apenas entrevistar quando estava me formando em publicidade, e saí de lá atleta”, disse Carla Maia em um post nas redes sociais.

O Parapan-Americano de tênis de mesa, disputado em Brasília, foi o primeiro desafio de Carla Maia como atleta. Ela contou, em entrevista à CBTM, que o convite veio do técnico José Ricardo, que notou o seu talento para a modalidade.

“Fui ao treino do Iranildo para entrevistá-lo e joguei um pouco com ele. Quando o Zé Ricardo me viu, disse: ‘Você tem que jogar tênis de mesa, pois já seria uma das melhores do Brasil’, já que, na época, não havia mulheres com tetraplegia jogando”.

O Parapan da modalidade valia vaga para a Paralimpíada de Atenas, em 2004. Por muito pouco, ou melhor, por um set, Carla não se classificou.

“Eu tinha saldo de sets e poderia perder por um set que eu ainda ganharia ouro e a vaga para a Paralimpíada de Atenas. Só que, no meio do jogo, a menina descobriu um efeito que eu não havia aprendido ainda e então ela começou a sacar só esse efeito e acabou que ela ganhou com diferença de dois sets e eu fiquei com a medalha de prata”.

Foto: Miriam Jeske/CBTM

Oito vezes campeã brasileira de tênis de mesa nas classes 1 e 2, Carla Maia já representou o país em diversas competições internacionais, como o Pan-Americano de 2013, na Costa Rica, onde conquistou a medalha de bronze no individual; Pan-Americano de 2009, no Peru, onde conquistou bronze no individual e prata em equipes e os Jogos Parapan-Americanos do Rio 2007, onde Carla Maia conquistou a medalha de prata por equipes.

Em entrevista ao NINJA Esporte Clube, editoria de esportes da Mídia NINJA, Carla Maia falou sobre sua estreia em uma Paralimpíada e como os esportes paralímpicos influenciam a vida das pessoas.

Um sonho trabalhoso de ser vivido


“Viver essa Paralimpíada está sendo a realização de um sonho, de um propósito de vida. Mas me surpreendeu, pois está muito mais cansativo e trabalhoso do que imaginava. Tem todo o trabalho de preparação emocional, então é um sonho trabalhoso de ser vivido. Mas estou gostando muito e estou bem realizada”.

O esporte paralímpico não é de superação, mas de alto rendimento


Carla Maia abordou sobre como o esporte paralímpico tem um impacto muito importante na sociedade. A brasiliense destacou os valores que o esporte de alto rendimento promove.

“Quando você vê os atletas paralímpicos em alta performance, você acredita no potencial da pessoa com deficiência. Isso transforma a sua visão sobre a inclusão e sobre o valor das pessoas”, disse Carla Maia.

“Não podemos esquecer que o esporte paralímpico não é de superação, o esporte paralímpico é de alto rendimento. As pessoas treinam muito, suam muito para estar aqui. E o desempenho que fazem é incrível e além dos desafios. Não direi que as limitações físicas não dificultam um pouco. Sim, elas estão aí para serem superadas, mas com muita técnica, performance e muito treino”.

Carla aproveitou o momento para reforçar o convite para que todos acompanhem os esportes paralímpicos.

“Convido a todos a assistirem alguma competição de alto rendimento paralímpico, pois sairão dali com outra ideia. O que as pessoas fazem aqui no esporte é surpreendente, incrível e de muita técnica e qualidade. Por isso que o Brasil hoje é respeitado mundialmente no esporte paralímpico. Estamos entre os 10 melhores países do mundo”.

Visibilidade do esporte paralímpico


Carla Maia também falou sobre a falta de visibilidade aos Jogos Paralímpicos. Enquanto os Jogos Olímpicos de Paris tiveram uma ampla cobertura, as Paralimpíadas têm opções bastante reduzidas. Com a exclusividade nos direitos de transmissão, o Grupo Globo optou por exibir algumas modalidades dos Jogos Paralímpicos de Paris no SporTV e no streaming Globoplay. Também é possível acompanhar pelo YouTube, no canal Paralympic Games.

“Quem sente mais a falta de visibilidade é o próprio público. O SporTV está cobrindo bastantes modalidades, está cobrindo alguns jogos do tênis de mesa, mas realmente não tem como cobrir todos”, disse Carla. “Então, isso é uma pena, e quem perde mesmo é a própria sociedade brasileira, que poderia sair desse evento com uma visão de garra e determinação, porque o esporte paralímpico é muito vitorioso”.

A mesatenista ainda ressaltou que essa escassa transmissão do maior evento esportivo do mundo mexe também com os atletas.

“Dedicamos nossas vidas ao esporte e quando ele não tem a divulgação acaba sendo muito difícil representar o Brasil, porque as pessoas que estão aqui trocam a vida pela dedicação ao esporte. Então, a gente perde também, mas quem perde mais ainda é a sociedade que teria uma experiência incrível e transformadora”.

Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília


É incrível, depois de 20 anos, eu estar aqui


Participar de uma Paralimpíada como atleta estava na lista de metas de Carla Maia, que já havia vivenciado cinco edições de Jogos Paralímpicos como jornalista. Em 2004, ainda como estudante, Carla participou da cobertura dos Jogos Paralímpicos de Atenas por meio de um projeto da faculdade. Em 2008, atuou como comentarista da Paralimpíada de Pequim pela TV Brasil, e em 2012, foi enviada a Londres para cobrir os Jogos. Na Rio 2016, também cobriu in loco pela TV Brasil. Em 2020, foi comentarista da Paralimpíada de Tóquio.

“Gosto de ter propósitos e metas audaciosas na minha vida e desde 2004, tento ir a uma Paralimpíada. Isso quer dizer que eu só tentava isso na minha vida? Não, essa era a minha meta maior. Mas eu estava aberta a todas as oportunidades que essa meta me proporcionava e consegui vivenciar coisas incríveis”, disse Carla Maia.

“Se eu não tivesse vindo para a Paralimpíada, eu não teria sido menos feliz do que eu sou. Mas ter vindo, significa que a minha determinação, o meu trabalho e o meu comprometimento foram premiados. Tenho certeza de que daqui vão surgir mais oportunidades para minha vida, novos propósitos e novos sonhos. É muito incrível quando você faz um trabalho duro, com estratégia, com técnica, que os resultados vêm. Às vezes não vêm no tempo que você quer, mas eles vêm”.

Carla também ressaltou a importância de aproveitar cada oportunidade que surge ao longo da jornada.

“Recomendo que todo mundo agarre as oportunidades, pois elas não voltam. Mereça, trabalhe duro, dê o seu melhor para que essa oportunidade seja bem aproveitada e outras coisas surjam em sua vida. É incrível, depois de 20 anos, eu estar aqui. Eu realmente só aconselho as pessoas a acreditarem nos seus sonhos. Com técnica, com estratégia, determinação e foco, as coisas vão acontecer”.

Foto: Miriam Jeske/CBTM

Quando perguntada sobre o que a Carla que está vivendo esse momento em Paris diria para a Carla de 20 anos atrás, ela respondeu:

Acho que eu falaria para a Carla, aquela Carla insegura, que não sabia se daria conta de viver feliz com uma tetraplegia, que estava começando no esporte, eu diria para ela: 

“Continue trabalhando duro, dê o seu melhor, sonhe alto, aproveite todas as oportunidades que surgirem, não desista, pois, as coisas vêm ao seu tempo. As coisas erradas que acontecem têm outro propósito. Então, continue em frente porque você conquistará todos os seus sonhos”.

Carla Maia estreou nos Jogos Paralímpicos de Paris na última quinta-feira (29). Pelas duplas femininas da categoria WD5, ela e a mineira Marliane dos Santos foram superadas pelas chinesas Jing Liu e Juan Xue por 3 sets a 0. Nesta segunda-feira (02), às 15h45 (horário de Brasília), Carla disputará as Oitavas de Final do individual feminino das classes 1 e 2.

“Conto com a torcida de todo o Brasil para que eu tenha um bom resultado e estou me esforçando muito, vou dar o meu melhor na mesa, lutar ponto a ponto e quero voltar com muito orgulho de ter representado o Brasil nessa Paralimpíada”, disse Carla.

“Convido todo mundo a me seguir nas minhas redes sociais também, me acompanhando e mandando energia positiva, pois é muito importante a torcida de todos. A gente sente daqui e isso aumenta a nossa motivação e nossa garra”.