Neste 5 de maio fez 202 anos do nascimento do filósofo, sociólogo, historiador, economista e jornalista alemão Karl Marx, que foi editor do jornal Gazeta Renana, na cidade de Colônia (Alemanha), e correspondente em Londres do jornal americano New York Daily Tribune, o maior do mundo à época. Com o amigo Friedrich Engels escreveu o “Manifesto Comunista”, a “bíblia” do movimento revolucionário internacional. Mas, em termos de economia (e de filosofia, sociologia, economia política e outras ciências), seu grande legado foi “O Capital”, o guia do marxismo mundial, publicado em 1867 – a mais feroz crítica ao sistema capitalista.

Marx trouxe ao debate questões complexas como a exploração do homem pelo homem, a mais valia, a luta de classes antagônicas – conflito entre a burguesia, que controla a produção, e o proletariado, que fornece a mão de obra para a produção. Questões candentes que continuam pairando sobre nós, principalmente em momentos como este da tragédia do coronavírus, que escancarou a pobreza em toda a sua crueza. Toda a miséria que antes se tentava escantear veio à tona sem filtros, sem meias palavras. Fomos impelidos a lidar com essa ferida humanitária ao mesmo tempo que nos assombrávamos com a outra calamidade, a do vírus.

Neste período de quarentena, que, para além da tristeza intrínseca, nos propicia reflexões profundas, me pus a pensar sobre o mundo que me espera como futura economista. Qual mundo nos espera após essa devastação? E me vi traçando um paralelo entre os escritos de Marx e o recente chamado feito pelo Papa Francisco à juventude, especialmente a jovens economistas, de todos os continentes para o que ele denominou Encontro Global pela Economia de Francisco, em referência ao Santo de Assis, que ocorreria em março deste ano na Itália e, por causa da pandemia, foi adiado para novembro.

Na carta em que faz o tocante convite, o Papa diz querer se encontrar com os jovens que estão a “pôr em prática uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta. Um acontecimento que nos ajude a estar unidos […] e que nos leve a estabelecer um ‘pacto’ para mudar a economia atual e atribuir uma alma à economia de amanhã.” Esse convite, aceito por mais de 3 mil jovens de 115 países, foi feito muito antes de a humanidade se deparar com o flagelo da epidemia. Ou seja, o apelo do Santo Padre tornou-se ainda mais pertinente.

Em meio à luta para conter a propagação do vírus, veio à tona uma súbita comoção pela miséria de milhões de seres humanos ao redor do planeta, escancarada cruamente na televisão, nos jornais, na internet. Parece que, de repente, uma parcela da sociedade se deu conta de que há congêneres que passam fome, vivem em aglomerados sub-humanos, são desprovidos de emprego, casa, água, remédios e tantos outros direitos básicos. Resultado de uma desigualdade social acintosa, afinal a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial equivale à riqueza dos 99% restantes, num capitalismo majoritariamente especulativo, parasitário, improdutivo. É um mundo fadado à desumanidade.

A parte irônica dessa “descoberta” é ver economistas, jornalistas, políticos e analistas liberais, neoliberais, privatistas e afins admitirem que o capitalismo falhou. Falhou em prover o mínimo de dignidade a uma ampla parcela da população global. Falhou em proteger a infância. Falhou em garantir acesso à saúde. Falhou em salvar vidas. Até o Fundo Monetário Internacional surpreendentemente recomendou que os países façam manobras fiscais que fortaleçam suas respostas sanitárias ao vírus e, assim, acudam as pessoas mais vulneráveis.

Não só reconheceram o fracasso da política econômica neoliberal como exortaram o Estado a gastar para conter a doença e livrar o planeta (e a economia) de uma catástrofe irreversível. Trilhões de dólares – no caso do Brasil, bilhões de reais – estão sendo aportados em pacotes emergenciais que, sob o manto de preservar vidas humanas e amparar empresas, tendem a garantir sobrevida ao capitalismo vegetativo, ainda que sob grave depressão econômica. Só a decisiva atuação estatal, com suas debilidades e diferenças em cada país, está sendo capaz de estruturar o enfrentamento ao covid-19 e minimizar seus drásticos impactos. Nesses momentos de profunda crise em que há necessidade de investir pesado pelo bem da coletividade, não há livre mercado que se ofereça para tão nobre empreitada.

Constata-se, portanto, que a gigantesca turbulência desatada pelo coronavírus alterou agendas, planos e doutrinas de governos e ideólogos ortodoxos em quase todo o mundo. Daí nos perguntamos que modelo econômico emergirá da tormenta? Terão os povos força e organização para aproveitar a brecha e modificar o sistema político prevalente na maior parte das nações? Será que nós, jovens economistas, corresponderemos à confiança do Sumo Pontífice? Será que podemos ter ao menos a esperança de uma guinada para uma economia mais justa, humana e solidária, em que a vida, a saúde e a dignidade das pessoas estejam em primeiro lugar? Será que o chamado de Marx – “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!” –, tão atual e necessário, nos conduzirá ao caminho para vencer as pandemias e suplantar a selvageria, a ganância, a avidez do grande capital?

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