No Brasil desde 1965, a Cargill é uma empresa estadunidense de produção e processamento de alimentos e hoje é a principal exportadora de soja do país, controlando as marcas Elefante e Liza. Ela também é conhecida por outro recorde: é uma das maiores financiadoras da Bancada do Agro no Brasil, de acordo com o relatório “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental” do observatório De Olho nos Ruralistas.

O relatório vem trazendo informações das principais empresas que patrocinam o movimento Agro no Brasil, através do IPA (INSTITUTO PENSAR AGRO) o cérebro pensante por trás da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que formula as pautas legislativas e define o posicionamento político dos congressistas.

Controvérsias e escândalos 

Em uma rápida pesquisa em sites de busca sobre a Cargill, uma das primeiras notícias que achamos é o caso recente da empresa, que estaria envolvida na compra de soja de fazendas embargadas pelo Ibama no Mato Grosso.

Em 2020, o relatório Complicity in Destruction, uma parceria entre a ONG Amazon Watch e De Olho nos Ruralistas, revelou que a multinacional mantinha entre seus fornecedores cadastrados nos municípios de Santarém (PA) e Mojuí dos Campos (PA) fazendeiros acusados de sobreposição e grilagem sobre a Terra Indígena Munduruku do Planalto. Os latifundiários contestam a demarcação do território em função da ampliação do plantio de soja na região, iniciado com a construção do terminal graneleiro da Cargill, em 2008. Em resposta, a empresa afirmou não ter relação com a ação reivindicatória contra o povo Munduruku e que trabalha para promover a “sustentabilidade de toda a cadeia de abastecimento da soja”.

Os Munduruku do Planalto Santareno, no oeste do Pará, aguardam desde 2008 pela identificação e delimitação de seu território ancestral. Esta é a primeira etapa do processo de demarcação. Nessa área vivem 607 indígenas, divididos em quatro aldeias: São Francisco da Cavada, Amparador, Ipaupixuna e Açaizal.

Munduruku observa fazenda de soja dentro do território ancestral de seu povo. (Foto: Bárbara Dias/Cimi)

Em junho de 2019, a Cargill anunciou a criação de um plano de US$ 30 milhões para combater o desmatamento ligado à cadeia da soja no Matopiba, região que abrange as últimas áreas de Cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Oeste da Bahia. O projeto era uma primeira sinalização por parte da trader de adesão à ideia da extensão da Moratória da Soja para o Cerrado, uma demanda antiga de movimentos socioambientais que atuam no bioma. A proposta, no entanto, foi prontamente derrubada pela articulação da Aprosoja que, através da Abiove – onde a Cargill ocupa a vice-presidência, forçou um recuo da multinacional. Desde então, a empresa vem se posicionando contrária ao tema.

Financiando a boiada 

Enquanto se envolve em conflitos ambientais, a Cargill também age no Congresso: com participação em quatro associações (Abag, Abiove, Abia e ABPA) ela é uma das que se destacam no relatório de financiadores do Agro no Brasil. Com um modelo de negócios verticalizado, a Cargill atua desde a comercialização até o transporte. Neste último segmento, a empresa detém quatro terminais portuários próprios e participa de três joint ventures.

O relatório mostra que as empresas e associações que compõem a estrutura de financiamento não são meras coadjuvantes no mercado global. De Olho nos Ruralistas analisou os resultados financeiros publicados para os exercícios fiscais de 2019 e 2020 de 128 companhias que integram a cadeia de financiamento do IPA. Somadas, estas possuem um faturamento anual combinado de R$1,474 trilhão. Ao todo, 30 fazem parte da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, uma aliança entre setor privado e organizações não-governamentais (ONGS) para reduzir a emissão de gases do efeito estufa oriundas do desmatamento e de atividades econômicas intensivas, como a agropecuária, incluindo a Cargill.

Ainda de acordo com o relatório, as organizações que compõem o IPA existem unicamente para atender aos interesses de suas associadas. Mais que isso: quaisquer decisões tomadas passam pelo crivo das empresas que integram seu conselho diretivo. É o caso da Abiove, representante das processadoras de grãos, cujo conselho é comandado pelo ex-ministro da Agricultura e dono da Amaggi, Blairo Maggi, e pelo presidente da Cargill, Paulo Sousa.

Elas comandam as ações de incidência, seja através das associações nas quais possuem maior influência, seja reunindo-se diretamente com governo e parlamentares. Ocorre que, desde 2018, com o fim do financiamento de campanhas políticas por empresas privadas, essas relações de poder e influência tornaram-se muito mais subjetivas. Afinal, não é ilegal que um agente público se reúna e ouça as demanda do setor privado. A diferença está, principalmente, na facilidade com que estas empresas têm acesso ao alto escalão do Executivo, enquanto movimentos sociais – em especial os do campo – dificilmente são ouvidos.

Com informações do observatório De Olho nos Ruralistas