Cargill e Bunge: conflitos em Terra Indígena no Brasil marcam a cadeia de comercialização da soja
Cargill e Bunge, duas das maiores empresas agrícolas do mundo, compram soja da fazenda Brasília do Sul, que roubou território indígena dos povos Guarani e Kaiowá, em MS.
A Earthsight, uma organização sem fins lucrativos que investiga crimes ambientais e sociais relacionados com o consumo global, publicou um relatório denunciando que a soja utilizada por duas das maiores empresas de processamento dos Estados Unidos, a Cargill e a Bunge, tem ligação com o roubo de terras indígenas e assassinato no Brasil. O relatório foi feito em parceria com o De Olho nos Ruralistas, observatório do agronegócio no Brasil.
Apesar de as duas empresas terem assumido publicamente compromisso com os direitos humanos, o levantamento exposto no relatório delata que ambas compram soja cultivada na fazenda Brasília do Sul, que ocupa 9.700 hectares da Terra Indígena (TI) Taquara, em Mato Grosso do Sul. Os estudos de identificação e demarcação da TI Taquara iniciaram em 1999, sendo declarada pelo Estado brasileiro como território dos Guarani e Kaiowá em 2010, mas sua homologação ainda não foi decretada pela República.
A história de demarcação da TI é marcada por uma série de conflitos e contestações por parte dos donos da Fazenda Brasília do Sul. Em 2003, o cacique Marcos Veron, liderança histórica dos Guarani e Kaiowá, foi espancado até a morte por funcionários da fazenda em uma tentativa dos indígenas de reocupar a terra. Durante os últimos anos, os indígenas de Taquara vêm tentando recuperar seu território, ao mesmo tempo que denunciam abusos, ameaças e violações dos mais diversos tipos, além da contaminação do solo e do rio que percorre a TI por agrotóxicos, e o desmatamento da área.
Em maio deste ano, outro relatório produzido pela Earthsight e o De olho nos Ruralistas denunciou a contaminação da cadeia de comercialização de frango pelo sangue derramado em Brasília do Sul. Na ocasião, o frango alimentado pela soja produzida na fazenda foi identificado no Reino Unido, em franquias como a KFC, Sainsbury’s, Asda, Aldi e Islândia, e na Alemanha, em empresas de alimentação animal, incluindo Rewe Markt, Netto Marken-Discount, Lidl, Aldi e Edeka.
Agora, o novo relatório constatou que essa cadeia passa pelas duas maiores empresas agrícolas do mundo, a Cargill e a Bunge. A investigação apurou que uma das unidades da Cargill em Caarapó, a cerca de 30 km de Brasília do Sul, recebe soja diretamente da fazenda. Já a unidade de processamento da Bunge em Dourados, município alguns quilômetros ao norte de Caarapó, compra soja de Brasília do Sul por meio de intermediários, tornando a fazenda um dos fornecedores indiretos da Bunge.
Segundo o relatório, essas duas empresas são as mais expostas à destruição florestal relacionada à soja no Brasil, totalizando mais de 150.000 hectares de risco de desmatamento. Elas são, ainda, as principais fornecedoras de soja para a União Europeia, o que torna a soja o principal contribuinte para a pegada global de desmatamento da Europa.
Em declaração enviada à Earthsight, a Cargill declarou que “De acordo com nosso procedimento específico de reclamação de soja, confirmamos que o processo de demarcação de terras indígenas na área mencionada da fazenda Brasília do Sul ainda não está regulamentado, portanto, não há ilegalidade na produção local”. A Earthsight coloca que Taquara não ter chegado à fase final de demarcação é um fracasso político e que o reconhecimento da terra como território indígena é o suficiente para tornar ilegal a relação da Cargill com a Brasília do Sul. Já a Bunge, declarou não ter relações comerciais com a fazenda Brasília do Sul, mas não deu mais detalhes sobre como foi feita essa análise.
Acesse o relatório “There will be blood” completo aqui.