Por Tainá Junqueira

Nise da Silveira, Dona Ivone Lara e Maura Lopes Cançado. Três mulheres que fizeram história, ocupando juntas o Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, agora se encontram no palco. É a reunião da médica psiquiatra, enfermeira e compositora, e escritora que dá origem à peça “Caralâmpias”, que estreia nesta quinta-feira (26), às 19h, no SESC Copacabana, Rio de Janeiro.

Palavra criada por Nise, “caralâmpia” quer dizer potente, genial, resistente, que não sucumbe. A peça, que também se tornará filme em 2025, faz jus ao nome e conta a história de três mulheres caralâmpias: Nise, Ivone e Maura. Corajosas, ainda na década de 1960 romperam barreiras sociais que as mantinham fora dos lugares de trabalho, questionaram a regra e transformaram o campo da psiquiatria, da música e da literatura, criando novas possibilidades de existência. Desafiaram os conceitos de loucura, de arte e de papel feminino na sociedade, revolucionando o espaço marginalizado que ocuparam juntas: o hospital psiquiátrico.

Nise da Silveira transformou a psiquiatria, usando a arte como tratamento mental. Foi a única mulher na turma de medicina em 1926. Ao seu lado, Dona Ivone Lara escreveu mais de 300 canções enquanto era enfermeira e terapeuta ocupacional no hospital. Foi a primeira mulher a assinar um samba enredo. Maura foi escritora e escreveu “Hospício é Deus: Diário I”, de 1965, de dentro do hospital psiquiátrico como paciente. Foi praticamente esquecida após sua morte e pouco se fala de suas obras, mas ganha, agora, voz e direito à memória.

Em cena, Alice Morena, Aline Borges e Lisa Eiras se tornam as novas mulheres caralâmpias. Retornando à arte para dar vida e voz a Nise, Ivone e Maura, as atrizes também interpretam um tempo, lutas e outras vozes femininas representadas em um só coro. “É uma honra estar nesse projeto, trazendo as vozes dessas três mulheres desbravadoras ao lado de uma equipe criativa totalmente composta por mulheres. Vislumbrar e viver essa potência é um presente imenso que o teatro ofertou pra mim”, reflete Lisa Eiras.

Idealizada por Mariana Kaufman, que assina a dramaturgia e também a direção junto de Luísa Espindula, toda a produção criativa da peça é feita por mulheres. Do texto à direção. Conta com a produção musical de Claudia Elizeu e todo o ambiente melódico surge das composições de Dona Ivone Lara. Dessa forma, as vozes femininas não estão presentes apenas na escolha das três mulheres a serem representadas, mas em toda a produção, que, por si só, questiona o lugar que mulheres ocupam, exemplificando onde podem e devem estar: dirigindo, escrevendo, atuando, produzindo. Dessa forma, a peça fala do protagonismo feminino do passado, através da narrativa, e de hoje, através da produção do espetáculo.

“É muito bonito termos a oportunidade de mostrar um espetáculo criado inteiramente por mulheres, que parte dos mundos construídos por 3 mulheres geniais para problematizar as vozes das mulheres na nossa sociedade e pensar na potência delas”, pontua a diretora da peça Mariana Kaufman.

Transitando entre o humor e o drama, a peça costura as vozes e vivências das três mulheres de forma não linear, explorando os lados não conhecidos de Nise, Ivone e Maura. Ao mesmo tempo, narra sobre a história e a revolução das práticas psiquiátricas, e do espaço que começou como a Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro e hoje em dia é o Instituto Municipal Nise da Silveira.

“Muita gente conhece Dona Ivone Lara por seu pioneirismo como a maior compositora desse país, mas pouca gente sabe do trabalho que ela desenvolveu como enfermeira e assistente social: foram 37 anos dedicados aos cuidados com pessoas com distúrbios mentais. É um lado tão humano, de tanto afeto, que demonstra a grandiosidade do ser humano lindo que ela era”, disse a atriz Aline Borges.

A peça estará com sessões de quinta a domingo, às 19h, na sala multiuso do SESC Copacabana, Rio de Janeiro.