Por Gabi Gonçalves, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

“Foi uma jornada difícil, porque não tive ninguém para seguir”. Foi o que disse a estadunidense de 19 anos, Nevin Harrison, ao New York Times sobre ser a primeira canoísta a conquistar um ouro olímpico na modalidade 200m velocidade, após 84 anos da estreia dos homens. No total, passaram-se 21 jogos olímpicos, 126 provas – no mínimo -, e muito desperdício de talentos nesse período. Por isso, essa matéria também é uma homenagem às mulheres que estavam prontas, mas não puderam realizar seus sonhos de disputar o maior evento esportivo internacional.

A inserção recente da modalidade pode explicar a dificuldade em conseguir um histórico das campeãs mundiais, nacionais ou regionais, já que, mesmo com a proibição na instância olímpica, as canoístas de velocidade já competiam em outros eventos, segundo pesquisas prévias e o relato de atletas. O site da Confederação Brasileira de Canoagem informa que o Brasil teve sua primeira disputa em 1984, no Rio de Janeiro, porém, não existem informações sobre a primeira participação feminina.

Nevin Harrison, primeira campeã olímpica | Foto: Site Team USA

Em jogos olímpicos, as mulheres tentam participação desde 2008, quando a organização WomanCan Internacional levantou a campanha “Vote Sim pela Canoa Feminina”, reunindo, inclusive, uma equipe médica multidisciplinar de 11 profissionais, que teria o objetivo de derrubar os argumentos do Comitê Olímpico Internacional de que “o movimento unilateral característico da prática da canoa poderia danificar o corpo feminino (órgãos reprodutores, trato urinários, mamas, etc), causando potencialmente infertilidade, incontinência urinária e/ou causando o desenvolvimento desigual das partes do corpo”, segundo o site Gênero e Número.

Em 2011 – após três anos da manifestação oficial das canoístas -, a equipe médica do COI posicionou-se sobre a prática esportiva feminina em esportes como a canoagem. A entidade afirmou que houve falha em uma de suas pesquisas, e que a afirmação de que lesões agudas ou crônicas poderiam surgir após movimentos contínuos necessários nesses esportes, era falsa. 

“Disseram que a canoa é ruim para o corpo das mulheres, que a prática da canoa ia nos deixar inférteis. 

 E quanto mais rápidas nos tornamos enquanto eles diziam que não éramos boas o suficiente para competir?” – Foi o que disse Laurence Vincent-Lapointe, decacampeã mundial de canoagem, em um artigo que defende a inclusão das mulheres na modalidade olímpica.

Em uma entrevista ao podcast Resenha dos Crias, a canoísta brasileira Neta Canoa ficou espantada ao descobrir o motivo pelo qual seu esporte ficou tanto tempo afastado das Olimpíadas. A baiana, que é mãe de dois filhos, afirmou não ter enfrentado dificuldades com a gestação que pudessem justificar tal demora

Valdenice Conceição (Neta Canoa) – primeira canoísta de velocidade brasileira a participar de uma edição olímpica | Foto: Folha da Praia Online

Infelizmente, outros esportes ainda continuam na lista proibida para mulheres com as mesmas justificativas sexistas, que colocam o corpo feminino em um lugar de fragilidade. A luta greco-romana apareceu nas olimpíadas já em 1896, na primeira edição dos jogos da Era Moderna, e ainda é praticada exclusivamente por homens. Na categoria de Lutas Olímpicas, apenas a luta livre é permitida para mulheres.

Caroline Soares, presidente da comissão de atletas da Confederação Brasileira de Wrestling (CBW), disse ao site Gênero e Número, que ouviu diversas explicações para a exclusão feminina da modalidade, porém, nenhuma delas faz sentido para a dirigente. Uma delas é que, por ser um esporte concentrado em golpes na parte superior do corpo, as mulheres poderiam sofrer lesões nos seios. 

Nessa perspectiva, é importante lembrar que, em 2021, o COI definiu diretrizes sobre justiça, inclusão e não discriminação com base na identidade de gênero, e segundo o documento, todas as pessoas “devem ter a possibilidade de participarem do esporte em segurança e livres de preconceitos” (em tradução livre). Além disso, no tópico seis – “Abordagem baseada em provas” – o comitê orienta que as delegações tomem decisões baseadas em argumentos científicos e testes profissionais.

Thalia Oliveira, atleta de Wrestling pela categoria Estilo Livre: categoria permitida às mulheres | Foto: Reprodução/Instagram

Debates como esse ampliam a visão sobre a inclusão feminina no esporte, olhando sim para as conquistas recentes, mas pensando também em outros degraus dessa estrutura. Degraus esses que são fundamentais para a presença, permanência e desenvolvimento das novas gerações no esporte. Eles trazem para a discussão as delegações técnicas, delegações esportivas de cada modalidade, e comitês esportivos, que devem ser arquitetados segundo essas diretrizes. 

Um ótimo exemplo de prática dessas diretrizes aconteceu na seleção brasileira de vôlei feminino, no qual o treinador Zé Roberto buscou conhecimento e recursos especializados para incluir Fabíola Almeida nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. A levantadora gestou sua filha poucos meses antes das disputas na capital e, se não fosse o interesse do líder da equipe em buscar informações externas, sua participação estaria vetada. Um trabalho feito em conjunto com o ginecologista Eliano Pellini e a equipe técnica de vôlei fez com que a atleta mantivesse uma rotina regular de treinos e realizasse um parto normal, que juntos, o que foi suficiente para que a levantadora estivesse em quadra, pronta para competir. 

Assim como muitos esportes que tiveram a participação feminina tardia, a canoagem de velocidade tem desafios a enfrentar, mas chega a cada edição olímpica mais fortalecido, e munido de informações para que injustiças não sejam mais cometidas. 

Nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, o Brasil terá sua primeira participação feminina no esporte, prevista para o dia 08/08/2024, às 5h30, no horário de Brasília.