Canoagem de velocidade foi proibida para mulheres até 2021
Alegando perda de fertilidade, COI adiou inclusão da modalidade por 12 anos, que teve sua primeira participação em 2021.
Por Gabi Gonçalves, para Cobertura Colaborativa Paris 2024
“Foi uma jornada difícil, porque não tive ninguém para seguir”. Foi o que disse a estadunidense de 19 anos, Nevin Harrison, ao New York Times sobre ser a primeira canoísta a conquistar um ouro olímpico na modalidade 200m velocidade, após 84 anos da estreia dos homens. No total, passaram-se 21 jogos olímpicos, 126 provas – no mínimo -, e muito desperdício de talentos nesse período. Por isso, essa matéria também é uma homenagem às mulheres que estavam prontas, mas não puderam realizar seus sonhos de disputar o maior evento esportivo internacional.
A inserção recente da modalidade pode explicar a dificuldade em conseguir um histórico das campeãs mundiais, nacionais ou regionais, já que, mesmo com a proibição na instância olímpica, as canoístas de velocidade já competiam em outros eventos, segundo pesquisas prévias e o relato de atletas. O site da Confederação Brasileira de Canoagem informa que o Brasil teve sua primeira disputa em 1984, no Rio de Janeiro, porém, não existem informações sobre a primeira participação feminina.
Em jogos olímpicos, as mulheres tentam participação desde 2008, quando a organização WomanCan Internacional levantou a campanha “Vote Sim pela Canoa Feminina”, reunindo, inclusive, uma equipe médica multidisciplinar de 11 profissionais, que teria o objetivo de derrubar os argumentos do Comitê Olímpico Internacional de que “o movimento unilateral característico da prática da canoa poderia danificar o corpo feminino (órgãos reprodutores, trato urinários, mamas, etc), causando potencialmente infertilidade, incontinência urinária e/ou causando o desenvolvimento desigual das partes do corpo”, segundo o site Gênero e Número.
Em 2011 – após três anos da manifestação oficial das canoístas -, a equipe médica do COI posicionou-se sobre a prática esportiva feminina em esportes como a canoagem. A entidade afirmou que houve falha em uma de suas pesquisas, e que a afirmação de que lesões agudas ou crônicas poderiam surgir após movimentos contínuos necessários nesses esportes, era falsa.
“Disseram que a canoa é ruim para o corpo das mulheres, que a prática da canoa ia nos deixar inférteis.
E quanto mais rápidas nos tornamos enquanto eles diziam que não éramos boas o suficiente para competir?” – Foi o que disse Laurence Vincent-Lapointe, decacampeã mundial de canoagem, em um artigo que defende a inclusão das mulheres na modalidade olímpica.
Em uma entrevista ao podcast Resenha dos Crias, a canoísta brasileira Neta Canoa ficou espantada ao descobrir o motivo pelo qual seu esporte ficou tanto tempo afastado das Olimpíadas. A baiana, que é mãe de dois filhos, afirmou não ter enfrentado dificuldades com a gestação que pudessem justificar tal demora
Infelizmente, outros esportes ainda continuam na lista proibida para mulheres com as mesmas justificativas sexistas, que colocam o corpo feminino em um lugar de fragilidade. A luta greco-romana apareceu nas olimpíadas já em 1896, na primeira edição dos jogos da Era Moderna, e ainda é praticada exclusivamente por homens. Na categoria de Lutas Olímpicas, apenas a luta livre é permitida para mulheres.
Caroline Soares, presidente da comissão de atletas da Confederação Brasileira de Wrestling (CBW), disse ao site Gênero e Número, que ouviu diversas explicações para a exclusão feminina da modalidade, porém, nenhuma delas faz sentido para a dirigente. Uma delas é que, por ser um esporte concentrado em golpes na parte superior do corpo, as mulheres poderiam sofrer lesões nos seios.
Nessa perspectiva, é importante lembrar que, em 2021, o COI definiu diretrizes sobre justiça, inclusão e não discriminação com base na identidade de gênero, e segundo o documento, todas as pessoas “devem ter a possibilidade de participarem do esporte em segurança e livres de preconceitos” (em tradução livre). Além disso, no tópico seis – “Abordagem baseada em provas” – o comitê orienta que as delegações tomem decisões baseadas em argumentos científicos e testes profissionais.
Debates como esse ampliam a visão sobre a inclusão feminina no esporte, olhando sim para as conquistas recentes, mas pensando também em outros degraus dessa estrutura. Degraus esses que são fundamentais para a presença, permanência e desenvolvimento das novas gerações no esporte. Eles trazem para a discussão as delegações técnicas, delegações esportivas de cada modalidade, e comitês esportivos, que devem ser arquitetados segundo essas diretrizes.
Um ótimo exemplo de prática dessas diretrizes aconteceu na seleção brasileira de vôlei feminino, no qual o treinador Zé Roberto buscou conhecimento e recursos especializados para incluir Fabíola Almeida nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. A levantadora gestou sua filha poucos meses antes das disputas na capital e, se não fosse o interesse do líder da equipe em buscar informações externas, sua participação estaria vetada. Um trabalho feito em conjunto com o ginecologista Eliano Pellini e a equipe técnica de vôlei fez com que a atleta mantivesse uma rotina regular de treinos e realizasse um parto normal, que juntos, o que foi suficiente para que a levantadora estivesse em quadra, pronta para competir.
Assim como muitos esportes que tiveram a participação feminina tardia, a canoagem de velocidade tem desafios a enfrentar, mas chega a cada edição olímpica mais fortalecido, e munido de informações para que injustiças não sejam mais cometidas.
Nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, o Brasil terá sua primeira participação feminina no esporte, prevista para o dia 08/08/2024, às 5h30, no horário de Brasília.