
Cannes 2025: Festival vira trincheira com filmes de resistência e denúncia política
Gaza e Palestina ganham destaque com homenagem póstuma a Fatima Hassouna; Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura levam Brasil ao pódio com “O Agente Secreto”
Por Juliana Gomes
Quando a arte carrega o mundo nas costas — e nas câmeras. Neste ano, Cannes deixou de ser apenas vitrine e se tornou trincheira. Com filmes que denunciam ditaduras, ocupações e apagamentos históricos, o festival provou que o cinema ainda é capaz de incendiar consciências — e reacender memórias que o poder tenta apagar.
Palma de Ouro para a resistência iraniana
O grande vencedor de Cannes 2025 foi o iraniano Jafar Panahi, que mais uma vez rompeu as barreiras do autoritarismo com It Was Just an Accident. Gravado às escondidas em Teerã, o filme se desenrola como um duelo silencioso, quase um confronto de fantasmas — entre uma vítima e seu torturador. É um mergulho cru e visceral, onde culpa, justiça e humanidade se chocam a cada frame.
Panahi, proibido de filmar e viajar, faz do cinema sua arma e refúgio. Seu filme é uma lição de coragem: resistir pela arte em tempos de opressão, resistir mesmo quando o silêncio é a sentença.
Kleber e Moura: a memória pulsante do Brasil
A boa fase do cinema nacional voltou a brilhar no tapete vermelho francês com O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho. Wagner Moura interpreta Marcelo, um professor que retorna ao Brasil após anos de exílio para enfrentar as sombras da ditadura militar que ainda ecoam no presente.
Mais do que um resgate histórico, o filme é um convite urgente à reflexão: as feridas do passado continuam abertas e o autoritarismo sempre ronda nossos dias. Melhor Direção e Melhor Ator confirmam: o cinema brasileiro está vivo, inquieto e cada vez mais necessário.
Fatima Hassouna, presente!
Entre as histórias mais comoventes do festival, o nome de Fatima Hassouna ecoou alto e forte. Jornalista palestina de apenas 25 anos, Fatima foi assassinada por um bombardeio israelense dias antes da estreia do documentário Put Your Soul on Your Hand and Walk, no qual sua voz e imagem são protagonistas.
Fatima não era apenas uma personagem; era a própria narrativa viva, capaz de rasgar o silêncio sobre Gaza com imagens que denunciavam a guerra e o sofrimento do povo palestino.
A diretora Sepideh Farsi confirmou que o ataque foi preciso, quase cirúrgico — um tiro contra a liberdade de imprensa, contra a vida. Fatima virou símbolo, virou luz. Seu legado é o farol que ilumina a resistência no cinema.
Gaza, Moscou, Cairo:
O mapa de Cannes 2025 é um mosaico de feridas narradas em imagens:
- Once Upon a Time in Gaza, dos irmãos Nasser, retrata o cotidiano sob a ocupação — a vida que insiste, apesar do cerco.
- Two Prosecutors, de Sergei Loznitsa, é um mergulho nos traumas do stalinismo, lembrando que regimes totalitários deixam marcas profundas.
- Eagles of the Republic, de Tarik Saleh, debruça-se sobre o uso da imagem e da propaganda para controlar e manipular a sociedade egípcia.
Cada filme é um grito, uma escolha. O cinema não é neutro — ele escolhe um lado: o lado da verdade.
“Eddington”: um faroeste do século XXI
Não dá para deixar de falar de Eddington, do inquieto Ari Aster. Com Joaquin Phoenix e Pedro Pascal, o filme é ambientado na pandemia de COVID-19, no Novo México, e apresenta uma verdadeira batalha política entre negacionismo, ciência, polarização e esperança.
Nesse faroeste moderno, a pandemia vira palco para discutir desinformação, redes sociais e a crise de confiança na verdade — temas urgentes que marcaram nossa última década e que ressoam forte na tela.
Cannes, trincheira de arte e coragem
Mais de 350 artistas assinaram uma carta aberta denunciando o genocídio em Gaza. Protestos, discursos vibrantes e atos de solidariedade preencheram o festival, que não quis se manter neutro nem distante da realidade.
Cannes 2025 escolheu seu lado — o lado da história, da resistência e da denúncia.