Um concurso do Governo de Mato Grosso de cadastro de reserva para as forças de segurança pública tem dado o que falar. Muitos têm sido os problemas apontados na sua condução, do edital à aplicação das provas, passando pela correção. O certame realizado em ano de eleição prevê a nomeação de 1200 candidatos aprovados ainda este ano, o que deixa muita gente esperançosa e ávida por uma oportunidade.

Um dos problemas mais graves, certamente, é o do descumprimento da lei de cotas. A lei número 12.990 destina uma porcentagem das vagas de concursos públicos a candidatos negros e pardos, trazendo consigo um modelo de implantação que busca amenizar desigualdades sociais, econômicas e educacionais entre raças. Ela destina 20% das vagas a pretos e pardos em todas as fases do concurso público.

Candidatos à vaga de oficial da PM – que não querem se identificar temendo represália -, disseram à Mídia Ninja que os cotistas estão sendo bastante prejudicados no processo de avaliação das provas objetivas e da redação. Para se ter uma ideia, a Nota de Corte determinada para a correção da prova dissertativa é de 65 pontos para os candidatos negros (homens) e 64 para a ampla concorrência.

Nota de corte para cotistas é maior que para a ampla concorrência (Reprodução/edital)

“Estamos nos organizando, denunciando, mas nada acontece”, desabafa um deles. Ele tem notícias de que candidatos a vagas de escrivão e investigador enfrentam o mesmo problema. Ele disse que os candidatos prejudicados têm alertado a banca examinadora, o Governo, o Ministério Público do Estado, mas até agora, nada surtiu efeito favorável às suas demandas.

“Não sei qual é a cartilha que estão seguindo, porque para gente, o que vale é o que está previsto por lei. Isso é uma política social que pode nos ajudar, uma população que sempre foi negligenciada. E é por isso que foi criada a lei de cotas, para reinserir o negro no serviço público”, diz outro candidato.

O Concurso tem como foco a futura contratação de agentes para a Polícia Militar e Corpo de Bombeiros (ambos, oficiais e soldado), Polícia Civil (escrivão e investigador), Polícia Técnica (perito oficial criminal, perito médico legista e perito odonto legista).

No mês passado o Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE) chegou a suspender a homologação do concurso, mas voltou atrás por considerar que os erros elencados eram fáceis de ser sanados. Mas até então não haviam surgido os problemas decorrentes da correção de provas dos cotistas.

O Ministério Público informou por meio de sua assessoria que recebeu mais de 100 denúncias relacionadas ao concurso e que equipes de três promotorias de Justiça realizam investigações: Patrimônio Público, Cidadania e Segurança Pública.

Representantes do MP, da Universidade Federal de Mato Grosso e da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP) acordaram em reunião realizada no final de fevereiro que não haverá homologação enquanto as investigações não forem concluídas. O cronograma do certame está mantido e seguirá normalmente e a conclusão ocorrerá antes da data prevista para homologação.

Denúncias

A começar pelo edital, o documento diz que aqueles que tiraram nota igual ou superior à nota de corte da ampla concorrência, devem ser retirados da lista de cotistas e remanejados para a lista de ampla concorrência.

Mas segundo eles, a banca lançou nota de corte da cota [65 pontos], superior à da ampla concorrência [64 pontos], ficando todos os cotistas acima da nota de corte da ampla concorrência.

Assim, só tem seguido para a próxima fase, de correção da redação, os candidatos com pontuação na prova objetiva, igual ou superior a 50% da pontuação máxima dessa prova. E segundo o edital, somente os candidatos com pontuação na prova objetiva igual ou superior a 50% da pontuação máxima tem a redação corrigida.

No dia 7 de março, a UFMT disponibilizou em seu portal de acompanhamento do concurso, uma lista de candidatos que terão suas redações corrigidas [Anexo 2], sem constar, no entanto, quais candidatos negros teriam a redação corrigida.

Eles reclamam ainda que muitos candidatos negros não estão incluídos na lista de correção da redação, mesmo não tendo sido eliminados, pois atingiram 50 pontos ou mais nas provas objetivas.

Segundo os candidatos, outro item do edital diz que “os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecidos para ampla concorrência não serão computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas”.

Ou seja, que os candidatos negros que tenham alcançado a note de corte para ampla, em nada prejudicariam aqueles que não a atingiram, uma vez que os candidatos incluídos na cota deveriam ter uma lista própria reservando-os o mínimo legal, qual seja 20% das vagas.

Haveria ainda uma supressão de vagas, pois segundo os reclamantes, outro item do edital diz que serão corrigidas redações até à 400º posição na ordem decrescente da pontuação máxima obtida na prova objetiva. Mas a lista elenca apenas 345 pessoas para correção da redação.

O grupo destaca que os candidatos negros que obtiveram nota suficiente para a ampla concorrência, não devem ser considerados no número de correções de provas discursivas para as vagas reservadas para candidatos cotistas. Dessa forma, mais candidatos negros teriam suas provas discursivas corrigidas, atingindo-se, assim, o real objetivo da política afirmativa.

Eles questionam ainda, a transparência na divulgação das listas´. “Não é possível saber, observando a lista geral, quem são os cotistas. Há vários cotistas figurando em duas listas (ampla e da cota), ou seja, ocupando duas vagas para correção da prova dissertativa”.

Eles realçam que não estão pedindo o cancelamento do certame. “Nem tampouco o cancelamento, estamos pedindo apenas que as notas e todos esses pontos elencados sejam revistos, pois acreditamos que só assim a política afirmativa estará sendo respeitada”.

Segundo os promotores de Justiça que atuam no caso, a SESP disponibilizou hoje as informações solicitadas pelo MPMT. Também colocou a área de Inteligência à disposição para eventual apoio às investigações. Somente a Ouvidoria do MPMT, recebeu mais de 100 denúncias sobre supostas fraudes na organização do certame.

O secretário de Estado de Segurança Pública, Alexandre Bustamante já declarou em várias entrevistas à imprensa, que por ora, descarta cancelar o concurso por considerar que não houve nenhum grande erro que possa comprometer sua homologação. Porém, enfatiza que o concurso foi conduzido pela UFMT.

Por sua vez, pedimos esclarecimentos à UFMT, via assessoria, mas até o momento não houve qualquer resposta, ficando o espaço aberto à manifestação da banca examinadora.

Para um dos candidatos que contataram a Mídia Ninja, a universidade não quer assumir o erro.

“Porque eles vão ter que tirar muitos brancos da lista. Porque se muitos negros foram bem, que nem precisam de cotas, eles vão para a ampla. Indo para a ampla, muitos brancos abaixo deles vão sair. E acho que não querem fazer isso. Aí vem aquela né, das origens… De ser oficial de polícia, ter um cargo de comando, de responsabilidade. Justo em um Estado onde a maior parte da população é de pretos e pardos”, desabafa.