Setenta e duas candidaturas, de diversas regiões do país, assinaram a carta-compromisso com o Cerrado e seus Povos

Candidatas eleitas. Foto; Reprodução

Setenta e duas candidaturas, de diversas regiões do país, assinaram a carta-compromisso com o Cerrado e seus Povos, apresentada pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado para as eleições de 2022. A ação, fruto do esforço de uma coalização de mais de cinquenta organizações e movimentos da sociedade civil, povos e comunidades tradicionais, levou ao debate político eleitoral questões cruciais sobre o processo de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos.

“Nossa carta explicita a urgente necessidade de revertermos este cenário de destruição e mortes que assola o Cerrado e seus povos. Em julho deste ano o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) condenou o estado brasileiro, estados estrangeiros e empresas pelos crimes de ecocídio e genocídio que ocorrem no bioma. Diante disso, nossa ação buscou visibilizar e apresentar aos candidatos e à sociedade este veredito e recomendações concretas para frear esta catástrofe”, explica Joice Bonfim, secretária executiva da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.

veredito e recomendações foram apresentados pelo júri do TPP a partir da análise de 15 casos, distribuídos em oito estados, de violações socioambientais cometidas por empresas e governos. Analisados em seu conjunto, os casos apontam para o processo em curso de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos.

Rio Formoso. Foto: CIMI-GO

Eleitas e eleitos

Candidaturas de doze estados do país assinaram a carta-compromisso. Destas, 18% foram eleitas para cargos no poder legislativo do país. A recém-eleita deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), liderança indígena com atuação no Cerrado mineiro e na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), foi uma das candidatas signatárias da carta-compromisso cerratense. Para conferir a lista completa de candidaturas signatárias, clique aqui.

“Mais do que nos colocar para transformação deste país a partir das estruturas de poder, nós mulheres indígenas viemos dar um recado para todo planeta: ainda dá tempo”, enfatizou Célia, em comunicação com seu eleitorado pelas redes sociais. “É mais do óbvio, que nós, o país com a maior biodiversidade do planeta, sejamos os protagonistas da virada de chave que precisamos para garantir a existência de um futuro”, destaca a deputada indígena.

Políticas de destruição e morte

Considerada uma das eleições para presidente mais importantes que o Brasil já teve, o pleito de 2022 se dá em um cenário de grave desmonte de políticas públicas instalado durante a gestão Bolsonaro, além de incentivo institucional a crimes ambientais, aumento da violência contra povos indígenas, quilombolas e tradicionais e desmatamentos recordes.

O governo Bolsonaro tem sido marcado e mundialmente conhecido por uma atuação desastrosa no campo ambiental, que se manifesta principalmente no esvaziamento e militarização de estruturas institucionais ligadas ao Ministério do Meio Ambiente, principalmente os órgãos ambientais de fiscalização, controle e monitoramento, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), o que tem provocado o agravamento da destruição da natureza, com a emergência dos incêndios criminosos e a intensificação do desmatamento.

No momento especialmente violento em que estamos vivendo, agravado pela pandemia da Covid-19, o período de 2020-2021 teve recorde de ocorrências de conflitos no campo desde que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) começou a documentá-las em 1985, atingindo um pico de 3.822 ocorrências, com uma média anual de 1.409 ocorrências e 979 localidades envolvidas em conflitos. Destas, quase 40% aconteceram no Cerrado e suas zonas de transição. Considerando que a região corresponde a 35% do território brasileiro, os dados indicam alta conflitividade.

Na mesma linha, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2020, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apresenta o retrato de um ano trágico para os povos originários no país. A grave crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus, ao contrário do que se poderia esperar, não impediu que grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores intensificassem ainda mais suas investidas sobre as terras indígenas. O segundo ano do governo de Jair Bolsonaro representou, para os povos originários, a continuidade e o aprofundamento de um cenário extremamente preocupante em relação aos seus direitos, territórios e vidas, particularmente afetadas pela pandemia da Covid-19. Some-se a isso o fato de que, durante sua gestão, Bolsonaro não demarcou nenhuma terra indígena, feito que comemorou durante conversa com apoiadores.

O Relatório identificou que, em 2020, os casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” aumentaram, em relação ao já alarmante número que havia sido registrado no primeiro ano do governo Bolsonaro. Foram 263 casos do tipo registrados em 2020 – um aumento em relação a 2019, quando foram contabilizados 256 casos, e um acréscimo de 137% em relação a 2018, quando haviam sido identificados 111 casos. Este foi o quinto aumento consecutivo registrado nos casos do tipo, que em 2020 atingiram pelo menos 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados.

Desmatamento em Mato Grosso. Foto: T Bauer

Prato envenenado 

Durante o governo Bolsonaro, a política de controle e monitoramento do uso de agrotóxicos vem sendo sistematicamente desestruturada, com claro objetivo de liberalização. Somente de 2019 até junho de 2022, já foram liberadas 1.750 novas substâncias químicas prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente, que podem ser usadas livremente nos campos brasileiros. Desses princípios ativos, cerca de 1/3 deles é proibido na União Europeia. Isso significa mais veneno – e doenças – no prato dos brasileiros.

Brasil com fome outra vez

Sintomática de um governo comprometido com a violação de direitos, a volta do Brasil ao mapa da fome é uma das expressões mais graves do “sucesso” da necropolítica bolsonarista. Nos tempos de pandemia de Covid-19, agravou-se o quadro de desigualdades. Hoje, são 15,5% da população, ou 33,1 milhões de pessoas em situação de fome no país, de acordo com o II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19. Entre os domicílios rurais, as formas mais severas de insegurança alimentar estão presentes em cerca de 38,0% dos domicílios de agricultores familiares. Este segmento sofreu o impacto da crise econômica, e foi especialmente afetado pelo desmonte das políticas públicas do atual governo.

Antes e além da fome, o Brasil registrou quase 700 mil mortes por Covid-19 desde o início da pandemia, negligenciada pelo presidente e por gestores públicos alinhados às suas ideias negacionistas. O saldo mortal do deboche bolsonarista sobre a mais grave crise sanitária do século não impressionou os 51 milhões de pessoas que votaram no atual presidente no último 2 de outubro, um homem recém-condenado por um tribunal internacional por crimes contra a humanidade por sua condução da crise sanitária.

Por isso, e por todas as outras mazelas institucionalizadas pelo bolsonarismo, a eleição para presidente de 2022 é um divisor de águas entre dois caminhos bem distintos: de um lado, a cumplicidade com um governo de morte; do outro, o compromisso com o fortalecimento da democracia, passo fundamental para começar a por fim à necropolítica bolsonarista.

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