Os efeitos das mudanças climáticas são evidentes por todas as partes. No Brasil, ocorrências climáticas extremas perpassaram 2023 inteiro: ciclones extratropicais no Sul, estiagem inédita na Amazônia, ondas de calor no Sudeste e no Centro-Oeste, avanço da desertificação no sertão do Nordeste. A percepção de que o clima vai mal é geral.

Enchente em Brasiléia (AC), no início deste ano | Marcos Vicentti / Secom-AC

No final de 2022, os cientistas já nos avisavam sobre a conversão do efeito La Niña em El Niño, com o progressivo aquecimento das águas do Pacífico equatorial. São fenômenos climáticos naturais sazonais. Porém, a agudeza dessa última edição foi determinada pelo aquecimento concomitante das águas do Atlântico equatorial, por conta do aquecimento global, causado por ações humanas.

Estamos mais aptos a perceber os impactos da mudança climática em terra: secas e enchentes devastadoras, danos à saúde das populações, perdas agrícolas, risco de desabastecimento, picos no consumo de energia. Também podemos perceber quando seca uma nascente ou derrete uma geleira. Mas o aquecimento é global e os seus efeitos mais assombrosos são sistêmicos e invisíveis para leigos em geral.

Planeta água

Devemos sempre lembrar que dois terços da superfície da Terra consistem nos oceanos, o que nos distingue, pelo azul, no sistema solar. É a presença da água que garante a vida. Também sabemos que os oceanos sempre influenciaram o clima, do que o El Niño é apenas um exemplo.

Estando a temperatura média da atmosfera terrestre perto de 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais, todos os oceanos estão sendo aquecidos, ainda que de formas e com consequências desiguais. O calor expande as moléculas e a massa de água, o que, por si só, eleva o nível dos oceanos, para o que também contribui o degelo, especialmente na Groenlândia e na Antártida.

Seca na região de Manaus (AM), em novembro de 2023 | Paulo Desana / Dabukuri / ISA

A situação de impacto mais radical é sobre os países ilhéus, cujos exíguos territórios estão sendo ocupados pelo mar e cujos povos estão na iminência de migrar, em massa, para sobreviver. Mas o impacto, diferenciado, é global, em especial, sobre as ilhas, os deltas e as depressões situadas em regiões costeiras.

A água aquecida, além de maior volume, também tem maior mobilidade, atiçando ressacas e tempestades, ameaçando praias, vias públicas e as vidas de comunidades litorâneas. Estudos recentes indicam que a direção e a intensidade das correntes marítimas estão sendo alteradas pelo aquecimento das águas, o que pode afetar o regime de chuvas e a disponibilidade de peixes em várias partes do mundo.

Acelerador

Os oceanos sempre foram essenciais para o equilíbrio da temperatura na superfície da Terra. Corais, plânctons, algas e outras formas de vidas marinhas absorvem uma parte significativa dos raios solares que chegam à superfície, reduzindo o ritmo do aquecimento atmosférico. Ocorre que o calor das águas está aniquilando formações de corais e reduzindo outras populações, que antes produziam oxigênio e que, mortas, passam a emitir metano, o gás mais impactante para o aquecimento global.

Segundo os cientistas, os oceanos estão no limiar de uma inversão da sua função climática, deixando de contribuir para desacelerar e passando a potencializar o efeito estufa. Estamos falando de uma gigantesca bomba de metano, com maior poder de dano que as emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis. Isso torna ainda mais urgente a redução dessas emissões.

A febre dos oceanos também multiplica a importância e a urgência da conservação das florestas tropicais. Elas são o único fator natural, de escala, que pode minimizar as proporções e as consequências de uma possível catástrofe oceânica. A gravidade da situação recomenda que a conexão entre florestas e oceanos tenha espaço na COP-30, conferência que vai discutir o status do tratado internacional sobre mudanças climáticas, em Belém (PA), no ano que vem.