Cacique Babau: ‘O que mata nossos adversários é o sorriso’
Babau é um dos mais sagazes, inteligentes, brilhantes e articulados líderes indígenas no Brasil. É um gênio.
Em fevereiro começou a circular a notícia de um plano para matar Babau.
Veio aquele aperto no peito, a saliva salgada de angústia. E a ansiedade de trocas de mensagens com familiares, parentes, amigas, amigos, aliados. A morte de lideranças indígenas, populares, dos movimentos sociais, tanto prometida na campanha por Bolsonaro, começava a rondar.
Rosivaldo Ferreira da Silva, nome de registro do cacique da aldeia Serra do Padeiro, na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, tornou pública a trama em uma reunião em 8 de fevereiro, em Brasília, na 6ª Câmara do Ministério Público Federal, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais.
Babau falou diretamente para o subprocurador da república, Antonio Carlos Bigonha, como as polícias civil e militar na região sul da Bahia, mobilizadas por fazendeiros e empresários do setor hoteleiro, planejavam matar duas de suas sobrinhas, dois de seus irmãos, e ele mesmo. A notícia cruel ganhou as manchetes dos principais jornais, com repercussão internacional imediata.
Esse plano macabro é a materialização da pregação de Bolsonaro sobre a violência política: fazendeiros e pistoleiros inflamados pelo discurso da intolerância e do ódio pensaram que chegou o momento de “colocar em prática” o desejo de matar quem pensa diferente.
Vésperas de realização do III Congresso Latino-Americano de Ecologia Política, em Salvador (que aconteceu entre 18 e 20 de março, na UFBA), onde Babau seria um dos palestrantes principais, mas as ameaças o impediriam de se deslocar. Cancelou sua presença física em razão do risco de assassinato.
Se Babau não pode vir, vamos até Babau para ouvi-lo.
Convidei Patrick Alley, diretor e fundador da organização inglesa Global Witness, que tem denunciado no mundo a violência contra ambientalistas, indígenas e defensores de direitos humanos no Brasil, Philippe Le Billon, geógrafo francês da Universidade de British Columbia, no Canada, que pesquisa a relação entre violência e extração de recursos naturais, e Rafael Vilela, fotógrafo e jornalista do Mídia Ninja, parceiro antigo em visibilizar agressões contra ambientalistas populares, injustiças e também na luta contra a impunidade.
Fomos até a aldeia Serra do Padeiro, autorizados pelo cacique.
Acompanhados de Babau, visitamos áreas de retomadas, roças onde os Tupinambá estavam colhendo mandioca, uma antiga fábrica que escravizou trabalhadores rurais no sistema das plantações de cacau. E andamos pelo mato, comendo frutas, muitas frutas, conhecendo o território Tupinambá, a cabruca, a mata Atlântica e as montanhas.
Maria da Glória de Jesus, mãe de Babau, nos mostrou o terreiro, os altares e os lugares dos encantados, onde seu Lirio (Rosemiro Ferreira da Silva), pai do cacique e pajé, conduz as cerimônias espirituais.
Hora de ouvir
Babau é um dos mais sagazes, inteligentes, brilhantes e articulados líderes indígenas no Brasil. É um gênio. Tem uma fala potente, envolvente, mobilizadora. É um vulcão de ideias, tem reflexão arguta, afiada: entende as artimanhas e as estratégias dos invasores, dos colonizadores, dos donos do poder, como poucos.
Sabe o que pensam e como pensam os fazendeiros, e como funciona o racismo estrutural contra os povos indígenas.
Sabe bem o que atinge seu povo Tupinambá e como essa agressão também atinge outros povos indígenas, quilombolas, os negros e as negras empobrecidos nas favelas, os ribeirinhos, os sem terra.
Babau conhece as injustiças por dentro do sistema, sabe descrever com precisão minuciosa como o sistema opera para oprimir, para saquear, para escravizar.
“Matar os líderes principais para que tudo fique na mão dos exploradores. O plano é esse”, disse Babau em entrevista.
Em Buararema ou em São Paulo, na imprensa e nos bares, o que se fala é que o conflito que leva a violência contra os Tupinambá no sul da Bahia é a disputa pela terra. Mas Babau, conhecendo a sociedade brasileira, suas contradições e hipocrisias, tem outro diagnóstico: é racismo. E a violência é contra o direito das comunidades a existir.
Ou seja, é muito mais profundo.
Babau é vítima de difamações, de preconceitos, sofre ataques racistas cotidianamente pela imprensa, em veículos como a Revista Veja, TV Bandeirantes, Record. Há uma lista de matérias jornalísticas que são verdadeiras peças fascistas de incitação ao ódio e promoção do racismo.
Dizem por aí que Babau não é índio. Que é criminoso. Há um restaurante em Salvador em que, sempre quando entro, um dono me provoca: “e aquele Babau lá, tenho uns amigos fazendeiros que dizem que ele não é índio coisa nenhuma”.
Mas esses que agridem a subjetividade do líder Tupinambá nunca o escutaram. O racismo tem esse efeito: ignorar, abafar e invisibilizar. A imagem de Babau, sempre estampada na mídia conservadora em fotografias que procuram contrastar o seu fenótipo, para fazer uso do colorismo no Brasil e definir uma classificação racial a ele, invariavelmente acompanhada com textos grotescos e racistas. É um prato pronto para servir de banquete aos que querem a terra e o corpo dos Tupinambá.
Agora, se ouvirem Babau, aí quero ver o argumento racista ficar de pé. Por isso, publicamos, nesse início das mobilizações indígenas em abril, a entrevista que realizamos na aldeia Serra do Padeiro com o cacique Babau.
Como cantou Jorge Ben para chamar Zumbi, chamo junto: quero ver o que vai acontecer quando Babau chegar.
Texto Felipe Milanez, professor de Humanidades na UFBA
Agradecemos a Magnólia Jesus da Silva e toda a família de Babau pelo acolhimento e apoio. Também agradecemos a Daniela Alarcon, antropóloga comprometida com a luta e a vida dos Tupinambá, e que em breve defende sua tese de doutorado no Museu Nacional. Suas pesquisas revelam a violência do Estado brasileiro contra os Tupinambá no último século, a espoliação de seu território, as perseguições, e a impressionante força de resistência desse povo.