Em junho, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, recebeu o embaixador de Cuba, Adolfo Curbelo Castellanos, em Brasília, para tratar sobre o tema

Foto: Jorge Luis Baños_IPS

Por Maria Vitória de Moura

Em junho, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, recebeu o embaixador de Cuba, Adolfo Curbelo Castellanos, em Brasília, para discutir os desafios da segurança alimentar e o combate à fome na América Latina.

O encontro teve como objetivo firmar acordos de cooperação e pensar em soluções conjuntas para essas problemáticas nos dois países, uma vez que Brasil e Cuba tiveram suas relações abaladas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e tendo em vista o destaque e importância de ambas as nações em iniciativas de promoção da segurança alimentar reconhecidas internacionalmente. 

“Estamos agora no processo de reconstruir as relações com o Brasil. Passamos os últimos anos sem embaixador aqui. É muito importante e estamos conversando com todos os ministérios para identificar possibilidades de parcerias e intercâmbios. E o tema da segurança alimentar e da fome é muito importante para os dois países”, disse o embaixador cubano, durante a reunião.

Tanto o Brasil quanto Cuba possuem uma agricultura familiar muito forte em seus territórios. Por isso, com o foco no combate à fome após o aprofundamento da insegurança alimentar no Brasil, é de interesse do governo brasileiro, afirmou Wellington Dias, promover parcerias na produção sustentável e saudável de alimentos, assim como fortalecer as iniciativas agrícolas agroecológicas e dar mais suporte às famílias camponesas. 

“Hoje compramos muitos produtos. Tanto o Brasil quanto Cuba têm a tradição da agricultura familiar. Vamos ver se é possível viabilizar alguma parceria”, declarou o ministro brasileiro, na época. 

A transição agroecológica na agricultura cubana

No início da década de 1990, Cuba mergulhou em uma crise provocada pela queda da União Soviética, que até então era a sua principal fornecedora de alimentos e produtos em geral. Essa crise atingiu gravemente a agricultura cubana, pois essa estava totalmente dependente de maquinários e agrotóxicos, seguindo o modelo agrícola imposto aos países latino-americanos e caribenhos após a Segunda Guerra Mundial.

Além disso, a produção nacional de alimentos era insuficiente. Em 1988, por exemplo, Cuba importou 100% do trigo e 90% do feijão consumidos no país, enquanto a produção realizada pelos agricultores cubanos representava apenas 28% dos alimentos, que também contavam com a utilização em grande escala de agrotóxicos e fertilizantes químicos.

Com o embargo imposto pelos Estados Unidos e a queda da União Soviética, sua principal fornecedora de alimentos, Cuba entrou em uma grave crise alimentar, sem diversificação e produção nacional capazes de atender a população. A partir disso, desenvolveu-se no país uma consciência acerca dos impactos negativos do modelo agrícola vigente, tanto na soberania cubana quanto na qualidade dos alimentos e na saúde humana.

No período de uma década após o início da crise, a agricultura cubana duplicou sua produção, aumentando em 25% a disponibilidade de alimentos e permitindo a manutenção de um programa alimentar consistente e socialmente equitativo. Esses resultados foram alcançados pela implementação de políticas estatais com foco no desenvolvimento e emprego de tecnologias baseadas no conhecimento, nas habilidades humanas e nos recursos locais, em vez daquelas dependentes de tecnologias importadas.

O novo modelo enfatizava a diversificação da agricultura e dos mercados, além da divisão das grandes propriedades, permitindo maior acesso à terra, o aumento da eficiência dos processos pós-colheita, o desenvolvimento de planos regionais de segurança alimentar, o desenvolvimento de um forte movimento de agricultura urbana, o investimento em pesquisa e em programas de extensão e capacitação agrícola e a reversão da migração campo-cidade por meio da criação de melhores condições de vida e oportunidades nas áreas rurais.

Iniciativas e atividades promovidas por grupos locais passaram a ser incentivadas, tornando a produção e a distribuição de alimentos mais descentralizadas. A produção e a produtividade das principais espécies que compõem a cesta básica dobraram e continuaram a crescer. E o mais importante: a disponibilidade de alimento foi recuperada a níveis aceitáveis no plano nacional. Ao final daquela década, Cuba detinha mais soberania sobre seu sistema alimentar do que em qualquer outro momento de sua história. A adoção desse novo modelo de produção permitiu uma excepcional capacidade de recuperação da agricultura cubana durante a década de 1990.