Na quinta-feira (25), a 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas suspendeu a licença prévia para a reconstrução e asfaltamento do trecho do meio da rodovia BR-319.

A juíza Maria Elisa Andrade aceitou a ação civil pública movida pelo Observatório do Clima, que pedia a anulação da licença concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no último ano do governo Bolsonaro.

O Observatório do Clima é uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira para discutir mudanças climáticas que surgiu em 2001, no Pará, e desde então vem atuando contra a crise climática.

Sobre a 319

Segundo estudos, a pavimentação da BR-319 pode afetar cerca de 300 mil km² da Amazônia, uma área maior que o estado de São Paulo. Dentro dessa área de risco, existem Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs).

A sua pavimentação é muito defendida de um lado pois trata-se de uma rodovia que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM) e que cruza uma das regiões mais preservadas da Amazônia.

Entre os que o defendem estão o Ministério dos Transportes, comandado por Renan Filho (MDB), e parlamentares da Região Norte. Eles alegam que a rodovia pode diminuir o isolamento de estados como o Amazonas e Roraima em relação ao resto do país.

Por outro lado, ambientalistas, cientistas, povos indígenas e a ala mais ambiental do governo alegam que a obra pode aumentar o desmatamento e a violência contra os povos indígenas que vivem na rota da rodovia. 

Impactos a nível mundial

Para Philip Fearnside, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Manaus e doutor pela Universidade de Michigan (EUA), a obra na região seria capaz de “empurrar o clima  global para o ponto de não-retorno”.

Ele explicou para o Observatório do Clima que, além das obras da BR-319, é necessário também levar em consideração as obras de outras estradas que serão construídas para se conectarem a ela, aumentando ainda mais a área que seria modificada. 

O pesquisador explicou que “a região é também um enorme estoque de carbono”, por isso sua derrubada traria consequências a nível mundial. 

Além disso, explicou ele, a região também é fundamental para o fenômeno de reciclagem da água, já que devolve para o ar a quantidade de água necessária para fazer chover em outras regiões do país, como o Sudeste, o Sul e o Centro-Oeste, através dos chamados rios-voadores. 

Desenvolvimento para quem?

Um levantamento exclusivo da InfoAmazonia constatou que o impacto de seis rodovias estaduais previstas para se conectarem à BR-319, segundo o traçado disponível na base de dados rodoviários do DNIT, pode chegar a 40 terras indígenas (TIs) e 38 unidades de conservação (UCs).

“O resultado vai ser um desmatamento muito intenso, irreversível, no coração de uma área muito importante do ponto de vista de equilíbrio ambiental e de proteção da biodiversidade. Vai explodir o desmatamento no estado do Amazonas inteiro.” diz Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, no levantamento da InfoAmazonia.

A prévia emitida pelo Ibama em 2022, o relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) considera apenas cinco terras indígenas em sua área de influência: as TIs Apurinã do Igarapé Tauamirim e Apurinã do Igarapé São João, habitadas pelo povo Apurinã, as TIs Igarapé São João e Ariramba, onde vivem o povo Mura e a TI Nove de Janeiro, onde vivem os Parintintin.

Esse relatório desconsiderou as TI´s nos trechos que já foram asfaltados (e que seriam ainda mais afetados caso o restante da obra seja concluído) além  de não considerar a área de influência da BR-319 as seis rodovias estaduais planejadas pela Secretaria de Infraestrutura do Amazonas (Seinfra-AM).

Queda de braço

Ao programa CNN Entrevistas, em maio deste ano, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, defendeu a exigência de uma “Avaliação Ambiental Estratégica” para a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.

“Você não vai fazer a licença olhando só o empreendimento. Tem que ver toda a área de abrangência: como isso vai repercutir nas terras indígenas, em desmatamento… Qual a capacidade de essa estrada dar resposta a determinados problemas”, disse ela na ocasião para a CNN.

Já o Ministério dos Transportes, sob comando de Renan Calheiros Filho, apontou que a pavimentação da BR-319 é viável ambientalmente desde que cumpra requisitos como cercamento de parte da rodovia com implantação de 500 km de proteção física a fim de preservar a fauna na área crítica do “trecho do meio”.

Em junho, o MT divulgou um relatório no qual defendeu a realização da obra, o que intensificou a divisão interna do governo federal em mais uma tema socioambiental.

Um dos argumentos do documento é que a ausência de pavimentação “não garantiu a preservação ambiental e o respeito às Comunidades Tradicionais na região”, ignorando os dados que apontam para uma piora drástica dessa situação caso a obra aconteça. 

A decisão desta semana

A justiça considerou fundamental estabelecer governança ambiental e controlar o desmatamento antes de iniciar a recuperação da rodovia.

Na liminar, a juíza reconheceu ainda “Está demonstrada a insuficiência de políticas públicas de governança ambiental e ausência de estruturas estatais adequadas para evitar que a recuperação da BR-319 seja sinônimo de destruição da Floresta Amazônica”.

Caso a decisão seja descumprida, uma multa de R$ 500 mil pode ser aplicada sobre a administração pública.