Por Marcos Felipe para Cobertura Colaborativa NINJA People’s Summit

O segundo dia da Cúpula dos Povos, 9 de junho, iniciou com a Coletiva de Imprensa do movimento Black Lives Matter (BLM – Vidas Negras Importam). A ativista do movimento BLM, Karlene Griffiths Sekou realizou um discurso destacando a irrelevância da Cúpula das Américas, as consequências do imperialismo para o planeta e determinadas demandas reparatórias para pessoas negras afetadas por estes processos. Em sua fala, a ativista disse que “nós demandamos reparações na economia e meios materiais que nos são devidos. É devido a nós. Todos os negros merecem reparações. Pelos legados colonialistas e imperialistas da supremacia branca”.

A organização CODEPINK realizou um protesto no lado de fora do Centro de Convenções em Los Angeles, local onde acontece a IX Cúpula das Américas. Os manifestantes criticaram a exclusão de Cuba, Venezuela e Nicarágua do evento. De forma simbólica e em solidariedade aos países excluídos, foram colocadas cadeiras com as bandeiras dos países que não estavam presentes na Cúpula sediada pelos EUA. Além de Cuba, Venezuela e Nicarágua, foram utilizadas bandeiras de Bolívia, El Salvador, Guatemala, Honduras e México. O boicote a Cúpula das Américas é consequência da atitude antidemocrática estadunidense, ao excluir determinados países que o governo Biden por sua vez considera antidemocráticos e que, na realidade, são contra os seus interesses geopolíticos e econômicos.

(Mídia NINJA / André Michiles)

Ativistas realizaram um protesto em frente à Cúpula das Américas contra os últimos vazamentos do Supremo Tribunal Federal sugerindo a proibição do aborto. O vazamento se refere a uma decisão que derruba o entendimento da Suprema Corte estadunidense sobre o caso Roe contra Wade, este que garante o aborto em todos os EUA, válido desde 1973. A prerrogativa visa anular através do Supremo o direito constitucional ao aborto.

(Mídia NINJA/ André Michiles)

Outro protesto também aconteceu em Los Angeles. Os trabalhadores e trabalhadoras de redes de fast-food marcharam e levantaram cartazes por melhorias nas relações de trabalho. Os manifestantes reivindicaram o “Assembly Bill 257” (AB257)”, que cria um conselho estatal para negociar seus salários, horas e condições dignas de trabalho. Conforme o jornal Los Angeles Daily News, há mais de 700 mil trabalhadores de fast-food no estado da Califórnia. Uma delegação da Cúpula dos Povos se juntou à manifestação de trabalhadores e trabalhadoras.

(Mídia NINJA/ André Michiles)

O segundo dia da Cúpula dos Povos também teve alguns painéis, como o painel sobre a violência contra mulheres e a comunidade LGBTQ+. Sob o título “O fim do patriarcado: violência de gênero e a luta pela libertação”, foi abordado como a violência está presente na sociedade em todos os níveis, seja nos próprios lares quanto na violência produzida pelo Estado. O painel contou com a presença de ativistas e organizações políticas compartilhando suas perspectivas de luta contra o patriarcado e a violência de gênero em todo o mundo. Estiveram presentes como conferencistas: Ofelia Fernandez, Karina Garcia, Li Ann Sanchez, Cindy Wiesner, Jenice Fountain, Gretel Marante Roset.

Li Ann afirmou em sua língua nativa: “Mesmo que minhas mãos e meus pés estejam amarrados, eles nunca amarrarão o brilho de minha mente, o brilho de meu coração, nem minha alma ou meu espírito, que são as armas que usarei para continuar minha existência”. Ela expôs as suas experiências como mulher trans imigrante, denunciando a criminalização do seu corpo pelos EUA.

(Mídia NINJA/ André Michiles)

O segundo painel da Cúpula dos Povos discutiu a soberania alimentar, a justiça climática e caminhos para o futuro da humanidade e de todo o planeta. Os palestrantes foram: Kawenaʻulaokalā Kapahua, Rosmeri Witcel, Big Wind, Toya Manchineri, Andres Gonzalez, Dr. Fernando Rafael Funes Monzote. Segundo dados apresentados na Cúpula, 1 a cada 8 pessoas no planeta sofre de fome severa, sendo uma estatística em progressão com a crise climática. O painel questionou os motivos de tantas pessoas passarem fome diante da quantidade de alimentos produzidos no planeta. Os conferencistas defenderam a soberania alimentar para todos e a justiça climática. O ativista Kawenaʻulaokalā Kapahua, do movimento de independência havaiana e do movimento operário, criticou a devastação deixada pela ocupação norte-americana do Havaí desde 1897. Ele afirmou que o militarismo imperialista e poluidor dos EUA devastou a sua terra natal.

(Kamikia Kisedje / Mídia NINJA)

Outro painel presente no segundo dia da Cúpula dos Povos foi a sessão “Vislumbrando Nosso Futuro: o papel da resistência cultural nos movimentos sociais”. Com a participação de Roberto Lovato, Natalia Linares, Gina Belafonte, Ernesto Yerena, Ana Maria Alvarez, Raul Amorim, Israel Rojas. Os palestrantes trouxeram a discussão de como a cultura pode construir e amplificar a resistência dos povos e dos movimentos sociais, tendo como ótica em como a cultura pode influenciar o pensamento radical para o presente e o futuro. O painel trouxe o compartilhamento de experiências de projetos de resistência à produção cultural e artística capitalista, contrapondo com projetos que visam um futuro centrado nas pessoas.

(Mídia NINJA)

O painel “Pan-Africanismo nos dias de hoje” abordou como as visões do pan-africanismo, o anti-colonialismo e anti-imperalismo contribuem para a libertação dos povos. Estiveram presentes os palestrantes: Kambale Musavuli, Hermela Aregawi, James Early e Channing Martinez. A sessão trouxe a seguinte questão como pauta: como o pan-africanismo pode ser entendido como parte de um projeto de libertação internacionalista, principalmente mediante uma crise econômica global e da ofensiva imperialista dos EUA contra o Sul Global. O debate na mesa enfocou como o imperialismo e o colonialismo possuem efeitos devastadores, sendo a negritude e a solidariedade como caminhos para a sua libertação. Hermela Aregawi afirmou em seu discurso: “Muitas vezes, quando você olha para os líderes no continente africano e em outros lugares do sul global sendo celebrados pelo ocidente, você pode apostar que eles são terroristas glorificados”. James Early citou que “a questão do pan-africanismo é sobre toda a nossa humanidade”.

(Mídia NINJA)

O último painel do dia abordou estratégias de resistências a dívidas, sanções e roubo de recursos, visando uma economia para o povo.  As discussões envolveram como os EUA e os seus aliados capitalistas impõem seus interesses a outros países através de sanções, dívidas e privatizações. O enfoque também alertou como estes arranjos exploram os trabalhadores com a supressão de seus salários e empréstimos catastróficos. Estiveram na mesa: Mercedes Lopez Peña, Manuel Bertoldi, Hannah Appel, Abby Martin, Daniel Abner Rodríguez, Manu Karuka. Estes trocaram perspectivas de como as pessoas podem resistir contra a desigualdade econômica e para a construção de um novo interesse econômico para todas as pessoas.

O segundo dia também continuou com dois encontros para discutir a questão do trabalho e a temática da abolição das prisões e da polícia. Os debates propostos nessas sessões aconteceram mediante trocas de experiências e compartilhamento de estratégias de atuação política a partir de organizações de todo o globo. Nestes encontros foram denunciadas as duras condições de trabalho de imigrantes, o encarceramento em massa e a violência policial a pessoas negras nos EUA.

Encontro Intercâmbio Setorial – Relações de Trabalho (Mídia NINJA)

 

Intercâmbio Setorial – Polícia e Abolição da Prisão (Mídia NINJA)

Workshops

Três workshops aconteceram no segundo dia com a colaboração e organização de ativistas e movimentos sociais. O primeiro workshop aconteceu com a temática contra os despejos de moradores nos EUA, intitulada: “Lições de Baixo: Organizando com as comunidades desabrigadas em Los Angeles”. Em plena crise global da COVID-19, diversos proprietários tentaram despejar famílias à força para as ruas. Contrariamente a isso, a organização LATU (Sindicato dos Inquilinos de Los Angeles) formou comitês para trazer estes inquilinos de volta às suas residências, tendo como estratégia tornar públicas as violências cometidas contra os inquilinos da classe trabalhadora e o despejo forçado. A LATU expôs nessa oficina a experiência destes comitês, os seus desafios e vitórias.

(Mídia NINJA)

O segundo workshop, intitulado “Lições dos de baixo: a organizando com comunidades desabrigadas em Los Angeles”, trouxe exemplos da luta de comunidades autônomas de moradias e serviços de Los Angeles. Segundo informações da Cúpula dos Povos, cinco pessoas morrem desabrigadas diariamente em Los Angeles. O workshop tratou como lideranças desabrigadas e organizações comunitárias lutam contra a criminalização da pobreza e pelo controle comunitário de moradias. Foram discutidas um panorama histórico da criminalização de desabrigados em Los Angeles, a luta e libertação por justiça habitacional.

O workshop “Movimento para o Movimento com o CONTRA-TIEMPO” demonstrou práticas sociais de danças a partir da diáspora africana e afro-latina. Na sessão foi exposto como as práticas ancestrais de movimento se projetaram sendo transmitidas temporalmente. A programação da Cúpula dos Povos expôs como estas colaboram na construção de resiliência, alegria, fomentar esperança e estruturar a resistência social e política.

Finalizando o segundo dia de debates na Cúpula dos Povos, aconteceu a plenária para debater a questão da soberania dos povos. Estiveram presentes na mesa: Bertha Zúniga Cáceres, Medea Benjamin, Vijay Prashad, Oscar Lopez Rivera, Nana Gyamfi, Tina Orduno Calderon. A plenária teve o mote da autonomia e soberania das pessoas oprimidas no seu próprio território, para que estas tenham o direito de determinar o seu futuro. A Cúpula dos Povos questiona a forma como o governo estadunidense tenta moldar o mundo para garantir seus interesses financeiros e políticos no globo. A plenária trouxe a voz de lideranças negras, indígenas e latinos que lutam contra a exploração dos EUA e a crise política, ambiental e econômica no planeta. Ovacionado em seu discurso, Oscar Lopez Rivera disse “Porto Rico é um lugar que os EUA escolheu colonizar e desde então o governo estadunidense tentou destruir Porto Rico. Não seremos derrotados! Eu definitivamente acredito que Porto Rico será uma nação soberana!”.

(Kamikia Kisedje / Mídia NINJA / #PeoplesSummit22)