Por Chris Zelglia

A COP30 chegou a Belém como um sinal e um espaço de exposição: um símbolo de uma Amazônia que ganhou atenção internacional e uma plataforma onde o Brasil quis apresentar uma face contemporânea. Contudo, a cidade não foi meramente um cenário fotografado, ela se expressou. Nas ruas, nas vozes indígenas, nas manifestações e também nos eventos do próprio encontro, surgiram fissuras que falam muito sobre a visão do Brasil a respeito de sua relação com a cidade, a floresta e o poder.

O evento oficial se destacou pela inovação, pela bioeconomia e pela “agenda de implementação”. Em paralelo, grandes manifestações clamavam por demarcação de terras, responsabilidade e justiça, reiterando que a Amazônia não é apenas um pano de fundo para negócios sustentáveis.

O imaginário urbano brasileiro manifestado em Belém é dual: de um lado, a visão do progresso, pavilhões, tecnologia, soluções apresentadas em discursos formais; de outro, o corpo social que demanda memória, território e reparação. Entre esses dois extremos, a cidade revela uma tensão entre estética e ética.

Além disso, houve momentos que desmentiram qualquer tentativa de controle absoluto: desde atrasos na montagem até um incêndio em estruturas temporárias, episódios que reforçaram que criar um cenário global em relação às terras vivas é sempre um desafio politicamente revelador.

Belém demonstrou que conceber a cidade como uma vitrine é desconsiderar sua autonomia: a verdadeira política urbana emerge de escutar os que habitam o território, não de simplesmente visualizá-lo.

A organização da COP ressaltou a necessidade de uma agenda voltada para implementação e tecnologia, investimentos e anúncios sobre bioeconomia e transição. Esses anúncios são tangíveis e merecem destaque, mas, quando a política se torna uma vitrine, existe o risco de simplificar territórios complexos em cenários que validam soluções técnicas sem abordar as causas profundas. A cobertura oficial exaltou declarações de intenção; a sociedade civil exigiu responsabilidades, direitos e protagonismo.

Nas ruas de Belém, grandes marchas e manifestações indígenas destacaram as demandas inegociáveis: demarcação de terras, proteção verdadeira e o fim da impunidade. A própria dinâmica do evento gerou avanços simbólicos, como as demarcações que surgiram em resposta à mobilização, demonstrando que a cidade não é um simples pano de fundo, mas um ator político. Essas ações mudaram o foco do espetáculo para o que está vivo.

Atrasos na construção de áreas centrais e o incêndio nas estruturas temporárias lembraram que edificar um palco glamoroso sobre territórios históricos acarreta custos reais, humanos, logísticos e simbólicos. Esses desafios revelam uma lição psicanalítica: a ilusão de controle e cura tecnológica se choca com o real, imprevisível, resistente e doloroso, que a cidade abriga.

Belém evidenciou, em alto e bom som, que uma visão urbana que privilegia a imagem em detrimento da escuta condena políticas a serem meramente cenográficas. Se a COP30 teve algum propósito, foi deixar claro que soluções efetivas surgem somente quando cidades e territórios são vistos como sujeitos, repletos de saberes, exigências e memórias, e não como palcos para acordos de retórica técnica.

Na realidade, isso implica: envolver os representantes das comunidades e os grupos tradicionais nas decisões; converter declarações em ações obrigatórias; assegurar que as infraestruturas e eventos levem em conta o cotidiano da cidade; e trocar campanhas visuais por ações de compensação material. Somente dessa maneira transformamos a percepção, de espetáculo para coexistência, e concedemos à cidade a autoria que ela demonstrou merecer.