Por Hyader Epaminondas

Seria impossível iniciar um texto sobre “O Rei Leão” sem destacar a reverência ao inigualável James Earl Jones, cuja voz profunda não apenas deu vida a Mufasa na animação original, mas também eternizou Darth Vader como um ícone do cinema. Este ano, aos 93 anos, Jones nos deixou, mas sua presença ressoa como um eco imortal.

De forma simbólica, sua partida confere ao filme uma camada de significado que ultrapassa a tela, conectando o ciclo da vida ao ciclo da arte. O próprio enredo do filme, que gira em torno da passagem do legado de Mufasa para sua neta Kiara, projeta um paralelo com a trajetória artística de Jones, cujo trabalho inesquecível continua a ecoar, transmitido de geração em geração, como um testemunho do poder da arte de perdurar para sempre.

Em um sopro de ancestralidade e memória, Barry Jenkins tece uma tapeçaria de sonhos e sombras em “Mufasa: O Rei Leão”. Ao contrário de seu predecessor, que se limitava a replicar os grandes momentos da animação original como uma cópia técnica de alto orçamento, sufocada pelo realismo exagerado e ancorada na nostalgia.

Jenkins se aventura nas profundezas do passado, onde as raízes de um rei ainda eram frágeis e desconexas, revelando não só um Mufasa em construção, mas também um Scar fragilizadamente inocente e sufocado pelo privilégio. Essa jornada encontra eco na metamorfose dos intérpretes de Mufasa, que emerge com a inocência infantil de Braelyn Rankins e evolui para a intensidade carregada de insegurança porém corajosa de Aaron Pierre, cuja performance carrega a força e a melodia necessárias para ressoar com a majestade da voz original de James Earl Jones.

Retirar o Simba de Donald Glover da sequência do filme de 2019 foi uma escolha ousada do diretor para introduzir Kiara, a futura protagonista, completamente imersa na magia das histórias narradas em flashbacks pelo trio inusitado formado por Timão, Pumba e Rafiki. É através dos olhos expressivos de Kiara que a história dos irmãos que antecederam o reinado de Simba toma forma. Jenkins desmonta a divindade paternal do primeiro filme para revelar um jovem, perdido de sua família, um órfão que luta contra as adversidades com a mesma força bruta que um dia sustentará o ciclo da vida com seu legado imerso em sabedoria sobre a importância do coletivismo.

Neste palco de leões e legados, Taka, com o intérprete Kelvin Harrison Jr., que mais tarde vestirá o nome e a pele de Scar, ganha uma construção que é, ao mesmo tempo, pungente e profética. Jenkins dosa o tempo de tela dos irmãos, equilibrando seus destinos em uma balança tênue entre amor fraterno e a inevitabilidade do conflito. Suas vozes, ainda juvenis, evoluem em sintonia com seus destinos: o tom de Mufasa cresce, imponente e gutural, enquanto a suavidade de Taka cede à aspereza de uma insegurança maliciosa que ecoará no reinado posterior.

A dualidade de um rei: Entre o domínio e a fragilidade

O antagonista Kiros, vivido por Mads Mikkelsen, mantém a tradição dos grandes vilões da Disney, com um desempenho que transborda presença e teatralidade. Sua pelagem albina não é apenas um traço visual, mas uma homenagem explícita ao icônico Kimba, o Leão Branco, de Osamu Tezuka. Kiros encarna um desafio primal, uma força da natureza implacável, enquanto sua postura e expressão evocam a complexidade de um predador que domina tanto no campo físico quanto no psicológico. É um vilão que exala majestade e ameaça, com a confiança de quem carrega o peso de uma narrativa arquetípica.

Kiros é um leão que acredita na sobrevivência do mais forte, funcionando quase como uma alegoria à figura do leão no imaginário coletivo. Essa imagem evoca simbolismos frequentemente associados a poder, coragem e liderança. Como o “rei da selva”, o leão é visto como um arquétipo de autoridade e domínio, representando força indomável. Ao mesmo tempo, o filme contrasta essa ideia com a natureza real dos leões, que passam grande parte do tempo descansando, uma dualidade explorada por meio da figura do pai de Taka, Obasi, marcado pela voz carregada de receios de Lennie James.

O elenco de apoio nesta jornada funciona com harmonia, equilibrando o humor metalinguístico de Timão e Pumba enquanto o Rafiki de Kagiso Lediga transita entre a energia vibrante de um passado pleno de vitalidade e o de Jhon Kani a profundidade serena de um presente carregado de sabedoria, Kiara, na voz de Blue Ivy Carter, irradia um brilho encantador de curiosidade genuína e com a delicadeza de Tiffany Boone, Sarabi se torna o coração pulsante que aquece e agita o triângulo amoroso dos leões.

Os números musicais de Lin-Manuel Miranda se elevam como poesia viva, harmonizando com a estética renovada da computação gráfica. Agora menos hiper-realista, mas com enquadramentos profundamente expressivos, a animação encontra no exagero emocional de seus estereótipos populares um espaço para alcançar a alma de seus personagens. Cada nota cantada parece ser uma extensão de seus pensamentos mais íntimos, transformando melodia em narrativa.

“Mufasa: O Rei Leão” não é apenas um prólogo, é uma elegia ao que molda reis e vilões, um lembrete poético de que até os mais grandiosos emergem do pó. Ao lançar luz sobre as origens vulneráveis de Mufasa e Scar, Barry Jenkins entrega uma obra que emociona, impacta com sua honestidade e reconhece que o verdadeiro esplendor reside em histórias que carregam a essência de sua própria criação.

É o ciclo da vida narrado mais uma vez, mas desta vez com a ousadia de uma visão renovada, que não apenas honra o passado, mas amplia os horizontes para um futuro repleto de possibilidades dentro da franquia e quem sabe adaptar o segundo filme animado com a tecnologia atual, onde, Kiara emerge como a nova protagonista para romper os limites do reino de seu pai.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.