Faltando apenas um mês para a realização da Mostra de Cinema de Tiradentes 2024, um dos principais eventos cinematográficos do Brasil, a Universo Produção anunciou a atriz Bárbara Colen e o cineasta André Novais Oliveira como os grandes homenageados da 27ª edição da Mostra.

Ele nasceu em Contagem há 39 anos, e ela, em Belo Horizonte, há 37 anos. Suas trajetórias se cruzam em diversos momentos e, vindos de uma mesma geração mineira, são também considerados figuras-chave do momento especial que vive a produção no estado.

André e Bárbara chamaram atenção na cena audiovisual brasileira quase simultaneamente. Tiveram um elo em comum: a produtora Filmes de Plástico. Em 2010, André, um dos fundadores da FdP, lançou o curta-metragem “Fantasmas” na Mostra Foco, em Tiradentes, e foi de imediato apontado como um dos novos criadores mais interessantes do evento. No mesmo ano, no Festival de Brasília, Bárbara surgiu como uma das protagonistas do curta “Contagem”, de Maurílio Martins e Gabriel Martins, também produzido pela FdP. A atriz encantou a plateia especialmente numa cena em que, ao conversar com outro personagem, sua performance fazia uma variação sutil entre o jogo cênico instaurado por todo o diálogo.

Nos anos seguintes, tanto André Novais quanto Bárbara Colen se consolidaram como duas potências criativas – ele, seguidamente por longas e curtas premiados, como “Pouco Mais de um Mês” (2013), “Ela Volta na Quinta” (2014), “Temporada” (2018) e “O Dia em que te Conheci” (2023); ela, como atriz em “Aquarius” (2016) e “Bacurau” (2019), ambos de Kleber Mendonça Filho, em “Baixo Centro” (2018), de Ewerton Belico e Samuel Marotta, e em telenovelas na Globo.

“Os dois homenageados são alguns dos artistas responsáveis pela discreta radicalidade poética do cinema feito em Minas Gerais, tanto que suas presenças e influências estão para além do cinema do estado e possuem reconhecimento internacional”, diz Francis Vogner dos Reis, coordenador curatorial. “Esse celeiro criativo que nos deu cineastas, atrizes, atores e técnicos de fino talento rodou e ainda roda o mundo. O cinema de Bárbara Colen e André Novais nos aponta o que de melhor temos da cultura brasileira contemporânea”.

A celebração à dupla é, por extensão, uma celebração ao cinema de Minas Gerais, considerado um dos mais inovadores dos últimos 20 anos no Brasil. “Da videoarte dos anos 1990 aos coletivos e produtoras, do sertão mineiro à grande Belo Horizonte, o cinema de Minas nas últimas duas décadas foi parte incontornável de uma renovação decisiva no audiovisual brasileiro em termos de assunto e estilo, de modulação do tempo e da linguagem falada”, destaca Francis.

Tema

Referência na exibição do cinema brasileiro contemporâneo e conectada às tendências e discussões do momento, a Mostra tem como temática para 2024 “As formas do tempo”. Pensado pela curadoria, sob coordenação do crítico Francis Vogner dos Reis, o tema surgiu a partir da preocupação do evento em compreender os movimentos do audiovisual no país especialmente em seus pontos de ruptura.

Pelo seu caráter de conexão com o presente, a Mostra de Tiradentes pretende trazer ao debate o momento em que o setor volta a fazer projeções de qual futuro é possível construir e de perguntar como lidar com os despojos que o processo anterior de um governo de direita e contrário à cultura deixou de legado. “Precisamos escolher para onde vamos olhar e defendemos que é preciso, sobretudo, olhar para os filmes, para o tempo dos filmes, seja a modulação do tempo construída por eles como objeto, seja o tempo no qual o filme existe”, diz Francis.

Assim, a ideia em torno das “formas do tempo” dialoga com a ousadia das produções exibidas em Tiradentes e com a tentativa de compreensão ampla de como fazer filmes no Brasil hoje e agora pode impactar suas estéticas. No caso, para Francis, a demanda de eficiência e a velocidade dos acontecimentos no mundo solicitam novas formas da atenção e dos sentidos, mais rápida, fragmentária e ansiosa. Enquanto isso, cineastas como André Novais Oliveira, Paula Gaitán, Julio Bressane e Isael e Sueli Maxakali, entre outros, parecem seguir em desafio e desarranjo a esse estado exigente das coisas.

“Nesse contexto, cabe a nós interrogarmos sobre outras experiências do tempo, diferentes ao consumo urgente do streaming, por exemplo, e encontrar maneiras mais sutis e complexas de fruição no regime estético das imagens e no forjamento de um novo espectador/espectadora”, reforça o curador. “Nas obras de arte, de que maneira os tempos se tornam visíveis? No seu tema? Nos seus signos? Na sua “mensagem”? No discurso ou na figura do artista? Talvez precisemos ir além desses predicados. Os tempos se tornam visíveis na arte em seu trabalho formal”.

O objetivo da temática “As Formas do Tempo”, em sentido amplo, é provocar esses questionamentos e buscar algumas respostas diretamente nos filmes e nos discursos que naturalmente circulam num evento tão movimentado e agitado como a Mostra de Tiradentes.