Bancada do Agro se mobiliza para aprovar lei do Marco Temporal antes do STF
A proposta busca inviabilizar demarcações e abrir terras indígenas para grandes empreendimentos econômicos como agronegócio, mineração e construção de hidrelétricas, entre outras medidas
A bancada do agronegócio trabalha para garantir a votação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que pretende tornar lei a tese sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Com apoio do presidente da Casa, Arthur Lira, a Frente Parlamentar da Agropecuária decidiu priorizar um projeto que torna lei a tese do marco temporal. A pauta, que pode entrar em votação nas próximas semanas, possui o mesmo teor da proposta que está sendo discutida em plenário no Supremo Tribunal Federal (STF), cuja votação será retomada dia 7 de junho.
A pauta ruralista teria o efeito de validar as invasões e violências cometidas contra os indígenas antes da Constituição de 1988 e, na prática, travaria novas demarcações. A estratégia de atropelar o julgamento do STF, tentando impor uma nova lei, é criticada pelo Ministério dos Povos Indígenas e por organizações da sociedade civil. Para o advogado Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a própria condução do processo seria inconstitucional.
“O PL 490 tem uma situação jurídica que é bastante esdrúxula do ponto de vista regimental, porque eles querem dar uma interpretação à constituição federal por meio de um PL e não por meio de uma emenda à constituição. Estão partindo do pressuposto de que o marco temporal já existe, mas o STF fala que não existe”, aponta.
A retomada do julgamento, suspenso desde 2021, foi anunciada em abril pela presidente do STF, ministra Rosa Weber, e deve ocorrer no dia 7 de junho, por isso os parlamentares da Câmara têm urgência em votar a medida, para assim garantir que a votação não chegue ao Tribunal..
A proposta busca inviabilizar demarcações e abrir terras indígenas para grandes empreendimentos econômicos como agronegócio, mineração e construção de hidrelétricas, entre outras medidas, que poriam em risca não somente a vida dos povos indígenas como a de todos os brasileiros, visto que a proteção socioambiental e o equilíbrio climático também seriam afetados, como já foi comprovado em estudo divulgado pelo ISA (Instituto Socioambiental) no ano passado.
Discussão se estende há anos
Indígenas do povo Xokleng afirmam estar constantemente em Brasília para lutar por seus direitos e garantir a derrubada da tese do marco temporal. “Nos últimos anos, a gente está quase todo mês em Brasília lutando pelos nossos parentes. O governo do nosso estado [Santa Catarina] está tentando negociar com a gente. Nos ofereceram uma proposta para pegar uma terra em outro lugar. A ideia deles [estado de Santa Catarina] era que o julgamento fosse suspendido. Mas nós não estamos lutando apenas pelo povo Xokleng, estamos lutando pelos parentes do país inteiro, e por isso não aceitamos”, explicou o cacique da Terra Indígena (TI) Ibirama Laklãnõ, Tucum Xokleng, durante o Acampamento Terra Livre (ATL 2023), que foi realizado no mês passado em Brasília.
Durante o ATL 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não mencionou o marco temporal em seu discurso. No entanto, Lula disse que demarcaria “o maior número de terras possível” e levantou uma faixa contra o marco temporal. A faixa foi entregue a Lula por um dos participantes do evento e trazia os dizeres: Juventude Xokleng contra o marco temporal. O ato ocorreu no encerramento do evento e contou com a presença de diversos ministros e autoridades.
Lideranças indígenas também criticam argumentos utilizados pelos parlamentares ruralistas, como o de criar novas áreas produtivas e o de apaziguar os conflitos no campo. Destacando o fato de a violência ser sempre maior contra os indígenas, com inúmeros casos de assassinatos e agressões, eles apontam uma tentativa de recontar a história, invertendo as responsabilidades e criando factóides.
“Quando o Brasil foi descoberto, o índio morava em 100% das terras e, hoje, no pouquinho que ele luta para morar, eles sempre dizem que é muita terra. Mas tem muitos empresários e grandes produtores com muitas terras, que poderiam assentar muitas famílias”, disse Tucum em entrevista para o portal Brasil de Fato.