Por Noelle Pedroso

A cinebiografia “Back to Black”, que estreia nesta quinta-feira (16) nos cinemas brasileiros, pretende oferecer um olhar íntimo sobre a vida tumultuada de Amy Winehouse, desde o seu alvorecer no estrelato com o álbum “Frank” até os últimos dias de sua curta vida. Ambientado nos subúrbios londrinos e seus pubs característicos, o filme, protagonizado por Marisa Abela, promete uma jornada pela vida da cantora, que alcançou a fama aos 20 anos.

O início do filme apresenta uma Amy jovem, desfrutando de uma noite de festa com sua família, uma representação que parece desafiar o senso comum sobre os inícios mais sombrios da cantora. Este começo pouco convencional sinaliza uma das principais falhas da narrativa: uma tendência a romantizar ou suavizar aspectos mais críticos de sua história real.

A direção de Sam Taylor-Johnson é, por vezes, pedante e contraditoriamente pouco feminista, apresentando uma Amy fragilizada que pouco reflete a força bruta que suas letras costumam exibir. Contrariamente às expectativas, Taylor-Johnson não entrega uma Amy com o empoderamento que se esperava de uma diretora feminina, apesar de reiterados diálogos no filme onde Winehouse afirma não ser uma “Spice Girl”, em uma tentativa mal ajustada de destacar a competitividade feminina.

O uso das letras de Winehouse como fio condutor da narrativa foi uma oportunidade perdida. Ao invés de aprofundar na complexidade de suas composições e no impacto delas em sua carreira e vida pessoal, o filme superficializa sua trajetória meteórica. O álbum “Back to Black”, que conferiu a Winehouse cinco Grammys numa única noite — a primeira inglesa a alcançar tal feito — é notavelmente esquecido, um deslize narrativo que desaponta fãs.

Em vez de celebrar as conquistas de Amy, o roteiro se detém excessivamente em seu volátil relacionamento com Blake Fielder-Civil, interpretado por Jack O’Connell. Este foco no drama pessoal e no declínio de Amy por causa de sua dependência emocional e subsequente envolvimento com drogas, embora parte crucial de sua história, é tratado de maneira que parece explorar sua vulnerabilidade ao invés de examinar a complexidade de sua vida e arte.

“Back to Black” luta para equilibrar a celebração do talento singular de Amy Winehouse com a representação de sua vida privada, muitas vezes caindo na armadilha de simplificar demais uma figura incrivelmente complexa. Embora Marisa Abela se esforce em sua performance, o filme em si não consegue captar a essência daquela que foi uma das vozes mais impactantes de nossa era.

A performance de Marisa Abela como Amy Winehouse é certamente digna de nota. Abela não só regravou algumas das músicas da artista, como também capturou com precisão a voz e os trejeitos de Winehouse, o que se revela impressionante. No entanto, apesar de sua entrega emulativa, ainda falta algo na sua interpretação para encapsular plenamente o espírito e a profundidade de Amy.

Por outro lado, para Jack O’Connell, o papel de Blake Fielder-Civil parece ter sido menos desafiador. Dado que Blake não era uma figura tão pública quanto Amy, e considerando o histórico de O’Connell em interpretar personagens turbulentos — como James Cook em “Skins”, que poderia ser visto como uma prévia juvenil de Blake —, sua atuação é entregue com uma competência que se destaca sem esforço.

Quanto à caracterização, especialmente da protagonista, não há nada a criticar; é simplesmente impecável. A trilha sonora, sob a curadoria de Nick Cave, ressalta como um dos maiores atrativos do filme, oferecendo uma experiência auditiva que, por si só, justifica a ida ao cinema.

No entanto, a narrativa do filme sofre com uma velocidade que não faz justiça à complexidade da vida de Winehouse. O rápido progresso da trama, desde seus dias antes da fama até a assinatura do contrato com a Island Records, prejudica a compreensão e diminui a fluidez do relato biográfico. Esta aceleração impede que o público absorva completamente as transformações e os desafios enfrentados por ela, tornando partes importantes de sua história mais difíceis de apreciar. Em suma, “Back to Black” brilha em aspectos técnicos e de performance, mas tropeça em sua própria narrativa apressada, deixando um retrato incompleto de uma das figuras mais fascinantes da música moderna.

O roteiro de “Back to Black” enfrenta críticas por alguns deslizes potencialmente graves, que podem incomodar os fãs de Amy Winehouse. Um exemplo é a escolha de incorporar uma comparação feita por Amy de Blake Fielder-Civil com Pete Doherty, vocalista do The Libertines, logo no primeiro encontro do casal em um pub. Para os familiarizados com a trajetória posterior de Amy, que inclui uma amizade notória e especulações midiáticas sobre um romance com Doherty, essa piada parece de mau gosto ou um erro de pesquisa que simplifica indevidamente complexidades reais de sua vida pessoal.

A utilização da música “Don’t Look Back into the Sun” do The Libertines durante as cenas românticas entre Amy e Blake é outro ponto que pode ser interpretado como uma alusão insensível aos seus momentos mais controversos, especialmente considerando a carga que essas relações representavam para Amy nos tabloides.

Há, ainda, uma falha notável no roteiro relacionada à representação da canção “Valerie”. O filme sugere que Amy compôs essa música em resposta à prisão de Blake, uma inverdade factual, já que “Valerie” é originalmente da banda The Zutons e ficou famosa na interpretação de Winehouse.

Apesar dessas falhas, “Back to Black” serve como um entretenimento casual, alinhando-se com o desejo de Amy expresso no filme: que sua voz possa oferecer um breve alívio aos espectadores de suas próprias tribulações. Sam Taylor-Johnson cria um filme que, enquanto falha em alguns aspectos técnicos e factuais, consegue capturar a essência de distração e entretenimento, refletindo uma das facetas que Amy Winehouse desejava transmitir através de sua música.