Autocrítica de Chico Buarque resgata polêmica sobre canção “Com Açúcar, Com Afeto”
“As feministas têm razão, mas elas precisam compreender que naquela época não existia, não passava pela cabeça da gente que isso era uma opressão”, afirma Chico.
Após receber criticas de mulheres que fazem parte do movimento feminista, Chico Buarque decidiu não cantar mais a canção “Com açúcar, com afeto”. A faixa foi composta no ano de 1967 sob encomenda da Nara Leão. A decisão foi anunciada pelo artista na série documental “O canto de Nara Leão” na Globoplay.
“É justo que haja, as feministas têm razão, vou sempre dar razão às feministas, mas elas precisam compreender que naquela época não existia, não passava pela cabeça da gente que isso era uma opressão, que a mulher não precisa ser tratada assim. Elas têm razão. Eu não vou cantar ‘Com açúcar, com afeto’ mais e, se a Nara estivesse aqui, ela não cantaria, certamente.”, disse Chico.
O caso levantou diversos debates nas redes sobre censura de liberdade de pensamento e de criação. Outras mulheres feministas e artistas se posicionaram, como Lola Aronovich. Professora da Universidade Federal do Ceará, em reportagem para a Revista Fórum, Lola explicou por que não viu uma ação de censura na retirada da canção por parte de Chico Buarque:
“Não considero a música machista. Ela pode ser interpretada como uma denúncia de uma situação machista. Uma situação que infelizmente está longe de ter ficado no passado. Inúmeras mulheres enfrentam isso ainda hoje. De todo modo, é uma personagem narrando a sua experiência. Livros, filmes, peças, poemas, histórias em quadrinho, canções, enfim, todas as obras podem incluir personagens machistas, racistas, LGBTfóbicos, capacitistas, etaristas, gordofóbicos, etc. Seria até estranho se não incluíssem, já que nosso mundo está cheio de gente assim. E essas personagens podem ser protagonistas dessas obras. Podem ser narradoras. Criar um personagem preconceituoso não faz com que a obra ou o autor seja automaticamente preconceituoso. Não vi feministas problematizando “Com Açúcar, com afeto”, uma canção que eu considero belíssima, ainda mais na voz da Nara Leão. O que vi, na realidade, foi o pessoal problematizando o identitarismo em geral e as feministas em particular, pra variar. Mas alguma feminista deve ter conversado com o Chico, porque ela entendeu a canção como ultrapassada, e Chico, perfeito como sempre, decidiu não cantá-la mais. Tem gente confundindo uma decisão pessoal de um artista com censura. Não me parece nada disso. Chico tem quase 500 composições no seu repertório. Obviamente para um show ele vai escolher apenas algumas. E não vai mais escolher “Com Açúcar, com afeto” porque ele aceitou que está datada. Não significa que a gente não possa continuar cantando e adorando a música, ou que ele vai removê-la do YouTube. Não significa nem que a gente tenha que concordar com a decisão dele”.